A crise socioambiental em tempos de pandemia: discutindo um Green New Deal

Caderno n. 3

Introdução

Fernando González

Membro do Coletivo “Crise socioambiental e espoliação”, Escritório de Buenos Aires, Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Pesquisador do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet) e docente da Universidade de Buenos Aires (UBA).

 

“Y hay que acudir corriendo pues se cae, el porvenir”.

Silvio Rodríguez, La era está pariendo un corazón

 

A pandemia da Covid-19 colocou em questão alguns aspectos de como a transformação do meio ambiente é central na propagação dos vírus e na geração de pandemias. As reflexões sobre uma agenda pós-pandêmica são, portanto, uma oportunidade para dar maior relevância a questões que geralmente são relegadas na agenda pública. Algumas delas também estão entre as causas sistêmicas não só da crise sanitária, mas também das crises alimentar, energética e climática. Embora alguns setores sociais tenham conseguido escancarar as dinâmicas do agronegócio multinacional, promotor da produção industrial e intensiva de gado que criou as condições para que os vírus sofressem mutações e depois se espalhassem para os seres humanos, outras questões ainda não foram abordadas nos debates pós-Covid.

Um exemplo é a relação entre o agronegócio, o desmatamento e a crise climática. Como vimos durante o mês de agosto de 2021, os incêndios florestais foram mais uma vez uma questão atual. Não apenas na Argentina, nem mesmo apenas na América Latina (com os incêndios no Pantanal ou em toda a Amazônia), mas em praticamente todo o mundo. No Ártico, as temperaturas novamente ultrapassaram os 30°C, levando a mais incêndios. Na África, as florestas tropicais na região subsaariana também arderam e a Ásia e Oceania sofreram grandes incêndios no início deste ano. A Califórnia ardeu durante semanas e, na Europa, países como Espanha, França e Grécia combateram incêndios de magnitude variável.

Visto de uma perspectiva de longo prazo, encontramos a relação destes fenômenos com a crise climática. A revista Nature publicou um estudo que afirma que a extensão dos incêndios atingiu 29,6 milhões de km² (25,3%) da superfície vegetal da Terra, resultando em um aumento de 18,7% na duração média global da temporada de incêndios entre 1979 e 2013. Este fenômeno se deve ao aumento das variáveis climáticas que o próprio sistema alterou (temperaturas, umidade, precipitação total, velocidade do vento).

O aumento dos incêndios, por sua vez, alimenta a crise climática da qual é a causa, e nos expõe ao risco de liberação de vírus sepultados pelas baixas temperaturas do gelo ártico (permafrost) e também nos apresenta uma maior probabilidade do aparecimento de doenças devido à mudança de temperatura (dengue, Zika, etc.).

É nessa situação que surgem os debates sobre a necessária adaptação às mudanças climáticas. Eles estão sendo abordados mundialmente com diferentes enfoques e versões por parte de organizações internacionais e alguns Estados nacionais. Em um nível global, podemos ouvir falar do Green Deal europeu, do Green New Deal estadunidense ou do Global Green New Deal. Por outro lado, a América Latina está começando a falar nestes termos, assim como em termos do Pacto Ecossocial ou do Plano Ecossocial. Diferentes narrativas para intervir na mesma discussão.

Enquanto isso, na Argentina, a discussão permeia até mesmo setores do governo nacional, que buscam abordar questões como a transição energética, o compromisso com a industrialização “verde” e outras. Por outro lado, movimentos populares e atores da sociedade civil se posicionaram sobre o assunto e começaram a debater as implicações dessa trama política. Tanto os movimentos socioambientais, de camponeses e de agricultores, sindicatos de trabalhadores – cujas condições de trabalho e de vida estão sendo alteradas – como pesquisadores comprometidos, que forjaram uma rica experiência de práticas e programas alternativos no passado, estão agora envolvidos nessa discussão. Por fim, alguns dos eixos abordados por esses debates também fazem parte de outras propostas, como ocorre na Argentina com o Plano de Desenvolvimento Humano Integral, apresentado por um grupo de organizações sociais e sindicais, que propõe a transição ecológica como um eixo transversal. Acreditamos que esta publicação pode contribuir com esses debates.

É nesse sentido que o Coletivo de Pesquisa sobre “Crise Socioambiental e espoliação”, do Escritório de Buenos Aires do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, decidiu produzir este material. Este caderno foi pensado como uma primeira abordagem destinada a reunir diferentes opiniões entre aqueles que estão imersos no debate e na ação em torno dessas questões, e particularmente sobre os significados e efeitos do chamado Green New Deal e os debates que dele decorrem. Por isso, convidamos Thea Riofrancos (Estados Unidos) e Sabrina Fernandes (Brasil), referências no campo do ecossocialismo em seus respectivos países. O caderno fecha com um artigo de José Seoane, pesquisador e ativista, e membro desse Coletivo e do Instituto Tricontinental. Agradecemos a todos vocês por participarem com suas reflexões e esperamos que estes textos sirvam para fortalecer os debates que são essenciais para a produção coletiva de teorias e práticas revolucionárias.


Alternativas socioambientais para a pandemia e a crise
Discutindo o Green New Deal

José Seoane

Sociólogo e doutor em Ciências Sociais. Professor da Faculdade de Ciências Sociais (UBA) e pesquisador do Instituto de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos (IEALC). É membro do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Ele publicou, entre outros, Extrativismo, espoliação e crise climática (em colaboração, 2013);  As (re)configurações neoliberais da questão ambiental (2017); e, como co-organizador, O poder da vida versus a produção da morte. O projeto neoliberal e as resistências (2020).

A pandemia de Covid-19 aprofundou, em alguns casos de forma dramática, a dinâmica múltipla da crise civilizacional que tem caracterizado o desdobramento da neoliberalização capitalista nas últimas décadas. Em contrapartida, a gravidade da situação sanitária, social e econômica tem destacado os efeitos catastróficos sobre a saúde e a vida dos setores populares, causados por essas mesmas políticas.

Na mesma direção, a propagação do vírus e a recriação da ameaça de morte como uma problemática de governança populacional, além das tentativas de naturalizar esses processos em termos biológicos, direciona a atenção pública para as condições socioambientais e as formas assumidas pela reprodução das relações sociais e da vida ameaçada pela mercantilização e espoliação. Por outro lado, um exame das causas dos ciclos repetidos de epidemias e pandemias que varreram povos e regiões nas últimas décadas aponta precisamente para esses processos e, em particular, para a responsabilidade da produção neoliberal de alimentos e para os efeitos destrutivos do extrativismo contemporâneo nas florestas nativas e nas selvas.

O debate sobre as causas reais da crise atual e sobre as alternativas a ela enfatiza a importância da questão e perspectiva socioambiental. De certa forma, isso apareceu na prática dos movimentos populares e nas suas respostas à catástrofe sanitária e social que afeta os sujeitos subalternos em Nuestra América, assumindo e renovando os programas de ecologia popular e buen vivir que marcaram os ciclos mais intensos de lutas e rebeliões populares na região.

Na mesma linha, no debate sobre alternativas de políticas públicas, a proposta de um Green New Deal ressurgiu e assumiu uma nova face. O termo New Deal refere-se à política socioeconômica desenvolvida pelo presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, a partir de 1933 em resposta aos efeitos da queda da bolsa de valores de Wall Street, em 1929, e da Grande Depressão que se seguiu. Uma política caracterizada pela forte intervenção do Estado na economia, visando mitigar os efeitos do desemprego em massa e da crise social e revitalizar a atividade econômica por meio do emprego público, políticas sociais e estímulo ao consumo, entre outros itens, no que resultou, poderíamos dizer, em um keynesianismo anos antes de Keynes publicar sua Teoria Geral. A atual adição de “verde” ao título é geralmente entendida como uma forma de destacar a necessidade de considerar a dimensão ecológica na recuperação econômica a ser estimulada por essa política de intervenção estatal e investimento público. Certamente, a difusão e uso que esse nome Green New Deal adquiriu em nossas esferas levanta a questão de quais são ou poderiam ser os efeitos de considerar e restringir nosso horizonte de mudança a esta perspectiva, e até mesmo o significado e as consequências que isso poderia ter para o Sul do mundo e para os povos de Nuestra América, e em particular para os desafios enfrentados pelos sujeitos subalternos e seu papel central na gestação destas alternativas de transformação social que são tão urgentes hoje. Responder a essas perguntas certamente significa começar com uma compreensão da estrutura discursiva e extra discursiva da qual emerge a noção do Green New Deal e os diferentes significados e implicações que ele teve e tem. Sobre essa questão, em particular, este artigo tem como objetivo oferecer algumas reflexões.

 

Um Green New Deal com a história

Uma das primeiras formulações do Green New Deal nos leva ao trabalho preparado pelo economista ambiental Edward Barbier em 2009, em nome do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), no contexto da crise econômica internacional que se desdobra desde 2008. Esse relatório argumentou que “um investimento de 1% do PIB global nos próximos dois anos [equivalente a um quarto do montante total de incentivos fiscais propostos na época diante da crise] (…) poderia fornecer a massa crítica de infraestrutura verde necessária para promover uma ‘ecologização’ significativa da economia global”. Tratava-se de reorientar parte do investimento público anunciado em nível internacional para promover atividades econômicas “verdes”, que embora “contribuam significativamente para o renascimento da economia mundial, para a preservação e criação de empregos, e para a proteção de grupos vulneráveis… devem promover o crescimento sustentável”. Uma iniciativa “em favor da ‘ecologização’ ativa dos pacotes de incentivos fiscais propostos”. Certamente, esses objetivos não parecem, à primeira vista, muito distantes do sentido que adota hoje em muitos casos a proposta de um Green New Deal diante das crises desencadeadas ou aprofundadas pela Covid-19.

A proposta formulada por Barbier e adotada e promovida pelo PNUMA foi parte da chamada “economia verde”. O próprio Barbier tinha feito parte da equipe, liderada por David Pearce e incluindo Anil Markandya, que escreveu o relatório de 1989 e depois o livro Blueprint for a green economy, publicado no mesmo ano, que deve ser a primeira formulação consistente dessa proposta. Assim, a economia verde foi apresentada como a resolução de uma série de oposições ou contradições que atravessaram o debate e as políticas ambientais desde os anos 1970 e 1990 e que se opunham, por exemplo, ao desenvolvimento econômico para a conservação ou proteção da natureza. Essa oposição entre economia e natureza – a forma de expressão que a problemática socioambiental adotou naqueles anos – parecia agora superada diante da integração da segunda à primeira, reduzindo o tratamento da problemática ambiental à promoção de certas atividades econômicas consideradas “verdes” em detrimento de outras consideradas prejudiciais ao meio ambiente. Como tem sido apontado muitas vezes, a economia verde significou reconsiderar o tratamento da questão ambiental apenas mudando a distribuição entre diferentes formas de capital, isto é, de privilegiar a economia “marrom” para priorizar a economia “verde”, confirmando assim a racionalidade do lucro, da concorrência e do mercado, as próprias relações sociais capitalistas e, em suma, usar a atenção da problemática “ambiental” como uma forma de fazer bons negócios.

Em termos da disputa global sobre o tratamento da questão ambiental, as propostas do Global Green New Deal e da economia verde e sua adoção por parte do PNUMA expressaram nesses anos uma tentativa de reformular e superar a referência ao desenvolvimento sustentável que ainda orientava os acordos das organizações internacionais e que implicava em admitir algum tipo de regulamentação ou limitação da atividade econômica com o objetivo de preservar a natureza ou a reprodução do capital natural. Assim, como mostraram as discussões no período que antecedeu a Cúpula Mundial Rio+20 em 2012, a promoção da economia verde foi o novo paradigma neoliberal para lidar com a questão ambiental. Não é por acaso que isso tenha coincidido, naqueles anos em Nuestra América, com uma nova ofensiva para a apropriação transnacional dos bens naturais e o aprofundamento do extrativismo.

 

Ecos e desafios do Green New Deal em Nuestra América

O uso da referência a um Green New Deal foi colocado em movimento e se espalhou junto com as crises neoliberais, abrangendo até mesmo setores progressistas e críticos nos Estados Unidos e na Europa. Por outro lado, o agravamento da dinâmica da crise climática, com suas perspectivas catastróficas, e a crescente importância de seus efeitos atuais, com a intensificação e extensão dos fenômenos climáticos extremos, fez inclusive com que o tratamento dessa dimensão da questão socioambiental se tornasse uma consideração central para as elites do mundo. Apenas relendo os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, insuspeito em relação à parcialidade política, pode-se compreender o cenário aterrorizante que se aproxima no futuro imediato se não forem feitas mudanças significativas. Ao mesmo tempo, os dados fornecidos pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostram que nas últimas décadas, enquanto os acordos e políticas ambientais progrediram, o aumento dos chamados “gases de efeito estufa” na atmosfera também continuou.

Nesse sentido, assim como houve uma preocupação burguesa pela preservação da natureza nos séculos XVIII e XIX, existem hoje diferentes tradições de ecologia liberal e até mesmo neoliberal. Neste contexto, a gravidade da crise climática também tem sido um dos pontos centrais da disputa entre as diferentes frações das elites globais e até mesmo dentro dos EUA. A política negacionista sobre as causas antropogênicas da mudança climática, apoiada por Trump, e sua decisão de retirar os Estados Unidos dos chamados “Acordos de Paris”, estão em contraste com a política promovida por seu antecessor, Barack Obama, favorável a tais acordos e à promoção das energias renováveis e da economia verde – acordos e políticas contestadas pelos movimentos populares. Desde a campanha contra a mudança climática lançada por Al Gore – vice-presidente dos EUA sob Bill Clinton 1993-2001, pela qual ele inclusive recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007 – até o recente trabalho de Jeremy Rifkin, conselheiro de Al Gore, intitulado The Green New Deal, os principais membros do Partido Democrata abraçaram essa proposta de um “acordo verde”.

O significado é claro no livro de Rifkin mencionado acima – embora como autor seja mais conhecido por seu livro O Fim do Trabalho, de 1995 – no qual o reconhecimento da ameaça de uma sexta extinção da vida na Terra e o significado de mobilizar os jovens em torno dessas questões termina com uma observação sobre a necessidade de um plano econômico ousado para assegurar a transição efetiva de uma civilização baseada em combustíveis fósseis para o uso de energia renovável. Uma mudança que está enraizada no fato de que estas últimas estão se tornando cada vez mais um negócio atraente e lucrativo, marcando que “o mercado está falando e os governos terão que responder se quiserem sobreviver e prosperar”.

É nesse contexto que as duas primeiras cúpulas latino-americanas de economia verde organizadas pela Advanced Leadership Foundation, uma fundação estadunidense ligada ao Partido Democrata, aconteceram em 2016 e 2017 na província argentina de Córdoba, o coração do agronegócio.  Como o Governador Juan Schiaretti claramente apontou na abertura da II Cúpula, “em nenhum lugar está escrito que o cuidado com o meio ambiente tem que estar em desacordo (…) com o progresso produtivo (…) é hora de ambos se fundirem (…) que há oportunidades de negócios na economia sustentável (…) está sendo demonstrado pelo número de empresas da economia verde que o próprio EUA têm (…) é absolutamente compatível e rentável para o setor empresarial trabalhar na economia verde”. A presença de Obama nesta segunda cúpula marcou a relevância imperial corporativa da iniciativa, assim como a participação do então presidente argentino Mauricio Macri e de muitos de seus funcionários mostraram a influência sobre a política neoliberal do governo.

É nesse sentido que devemos entender as razões pelas quais foi o governo de Cambiemos [coalizão de Maurício Macri] que colocou a questão das energias renováveis na agenda pública com as licitações para esses empreendimentos incluídos nas convocatórias Renovar I, II e III. A proposta de fazer bons negócios com energias renováveis foi bem compreendida pelo próprio presidente que, atuando ao mesmo tempo como empresário, obteve, através do Grupo Macri, enormes lucros com a compra – após uma concessão sem licitação – e depois a revenda de seis parques eólicos, obtendo em meses uma diferença de pelo menos 15 milhões de dólares e com um prejuízo ao Estado de várias centenas de milhões, manobra para a qual há um processo judicial aberto.

Mas além desse exemplo dos efeitos do lucro sobre a legalidade e os ativos públicos comuns, o desenvolvimento de energias renováveis sob controle corporativo reproduz os processos de apropriação privada de bens naturais e seus efeitos de desapropriação, degradação ambiental e dependência sem assegurar efetivamente a transição energética. Um exemplo semelhante, ainda mais dramático, pode ser observado em relação aos interesses corporativos no controle das reservas de lítio por trás do golpe de 2019 na Bolívia e das descobertas de carros elétricos anunciadas na época por Tesla e Elon Musk. Nesse sentido, a chamada economia verde e o Green New Deal também expressam o surgimento de um poder corporativo empresarial que busca controlar e desenvolver essas atividades.

 

A construção do “verde”, inflexões neoliberais da questão ambiental

Como já assinalamos, a economia verde, mais do que consagrar um “verdeamento” da economia, propõe, na realidade, uma economização do “verde”. Assim, estimula os processos de valorização monetária do ambiente e da natureza, que se expressa na importância que se dá à contabilidade ambiental, à construção do capital natural, à extensão dos serviços ecossistêmicos e dos mecanismos de mercado no tratamento dos problemas ambientais como, por exemplo, os mercados de carbono em relação à mudança climática. Essa é a mercantilização ou capitalização da natureza e do meio ambiente; o que, como já dissemos, não está em desacordo com os significados do Green New Deal que examinamos.

A outra dimensão que constitui o tratamento neoliberal da questão ambiental se refere justamente ao que chamamos em outra ocasião de naturalização ou biologização do meio ambiente. Esse processo, que remonta às intervenções realizadas desde a primeira cúpula mundial convocada pelas Nações Unidas sobre essas questões, em 1972, a chamada Conferência de Estocolmo, pressupõe um conjunto de dispositivos destinados a dessocializar e des-historizar a questão socioambiental. A própria noção de “meio ambiente”, constituída nos anos 1990 como referência a um mundo físico e natural não humano no contexto da narrativa do desenvolvimento sustentável e em substituição às “problemáticas do meio humano”, constitui um acontecimento nesse longo processo que, inclusive, remonta à dualidade entre sociedade e natureza própria da modernidade colonial capitalista. Hoje, a construção do “verde” (green) e a redução das questões socioambientais a tal referência pressupõem um novo passo nesse processo de espoliar do meio ambiente sua dimensão social e histórica, nesse caso até mesmo sob a forma de reprodução (artificial) de certos processos biológicos. É essa redução “verde” do ambiente, da diversidade das formas de vida humanas e não humanas e de seus ecossistemas, e da natureza que pode ser integrada dentro da dinâmica econômica do mercado e da produção capitalista.

Essas observações alertam para a adoção do termo “verde” por parte de perspectivas críticas e progressivas. Dessa forma, devemos alertar para a visão da crise atual em termos de oportunidades. Uma das características da arte de governar neoliberal reside precisamente nessa capacidade de transformar as crises que ela própria engendra em um catalisador para o aprofundamento de suas próprias transformações. E, tragicamente, este é o resultado imediato que gerou a pandemia de Covid-19. Um aprofundamento dramático da dinâmica da desigualdade social, deterioração ou destruição das condições de vida de grandes parcelas da população, extrativismo e autoritarismo que caracterizam a neoliberalização capitalista em geral e, em particular, a ofensiva neoliberal que vem se desenrolando na região desde 2015. Em certa medida, poderíamos dizer que se trata de uma agudização e naturalização de uma dinâmica de crise que já estava presente na “normalidade” anterior.

 

Alternativas dos povos

No contexto atual de pandemia e da crise civilizacional que se aprofunda, as ideias de um Green New Deal ganharam nova força no campo progressista e crítico. A exigência de que o investimento público anticíclico considere a questão ecológica e que a resolução da urgência social incorpore as preocupações ambientais são boas intenções. Mas isso exige justamente conhecer as significações em que se inscrevem essas noções de um Novo Acordo ou Pacto Verde e os efeitos que isso tem ou pode ter sobre as práticas e horizontes emancipatórios.

Em Nuestra América, a ação dos sujeitos subalternos e de movimentos populares nas últimas décadas forjou uma diversidade de práticas e de programas que construíram articulações poderosas entre o social e o ambiental em uma perspectiva de mudança social. Referências aos bens comuns naturais e sociais, justiça social e ambiental, conviver bem ou viver bem, reforma agrária integral ou popular, são exemplos disso. Assim são as reformulações democrático-populares de soberania e suas expressões em termos de soberania alimentar – com suas articulações entre produção agrícola camponesa, indígena e familiar, agroecologia, mercados comunitários e acesso popular a alimentos em quantidade e qualidade suficientes – ou soberania energética – com o desenvolvimento de energias renováveis sob modelos comunitários de produção e distribuição e controle público estatal – que hoje estão se tornando mais significativos diante da crise social e reprodutiva que a pandemia acentua. Mesmo com relação à crise climática, só podemos partir das contribuições apresentadas pelas redes e plataformas globais, bem como dos acordos alcançados nas duas Conferências Mundiais dos Povos sobre Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra realizadas em 2010 e 2015 em Tiquipaya, na Bolívia. Diante da deterioração e destruição das condições de existência da vida humana e não humana que a atual fase neoliberal do capitalismo desdobra e traz consigo, todas essas propostas e experiências são aquelas que iluminam o caminho para as alternativas que devem ser construídas coletivamente.


O Green New Deal Ecossocialista nos EUA: entrevista com Thea Riofrancos

O Coletivo sobre “Crise Socioambiental e Espoliação” do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social entrevistou, em 2020, Thea Riofrancos, integrante do Comitê Diretor do Grupo de Trabalho Ecossocialista dos Socialistas Democratas da América (DSA, na sigla em inglês). Thea é professora de Ciência Política na Faculdade de Providence e bolsista no Instituto Radcliffe; ela é colaboradora regular do The Guardian, Jacobin e outros meios de comunicação. Suas publicações incluem A Planet to Win: why we need a Green New Deal? (2019, em colaboração) e Resource Radicals: From Petro-Nationalism to Post-Extractivism in Ecuador (2020).

Instituto Tricontinental: Como surgiu a proposta de desenvolver uma política de Green New Deal (GND) sobre a crise ambiental entre os Socialistas Democráticos da América (DSA)?

Thea Riofrancos: Em 2017, um grupo de membros do DSA criou o Grupo de Trabalho Ecossocialista para investigar os temas das crises climáticas e ambiental. Desde então, o grupo cresceu consideravelmente e é hoje um dos maiores da organização, com mais de mil membros (a organização tem um total de 70 mil integrantes). No primeiro ano do grupo, trabalhamos muito na área da “democracia energética”: a proposta de “democratizar” as empresas de eletricidade, desprivatizá-las e desmercantilizá-las (estabelecer empresas e serviços públicos). Agora contamos com cerca de 15 capítulos locais, com campanhas de “democracia energética”. Quando a questão do Green New Deal emergiu, no final de 2018, começamos a desenvolver os “Princípios para um Green New Deal Ecossocialista” que foram publicados em fevereiro de 2019. Os princípios retomam o paradigma do GND ao passo que o radicalizam, declarando que a raiz da crise climática é o capitalismo global e que nossa sociedade deve ser reconstruída para valorizar as necessidades humanas e a saúde planetária em vez dos lucros da classe dominante. Nosso próximo passo foi desenvolver uma proposta para priorizar o GND Ecossocialista como uma campanha central da DSA. Conseguimos isso em nossa convenção de 2019. Lá, mais de mil delegados representando os capítulos locais tomaram decisões para orientar os próximos dois anos de atividade da organização e para eleger o novo Comitê Nacional Político. Uma dessas decisões, com uma votação quase unânime, foi adotar uma campanha de promoção do Green New Deal Ecossocialista.  Desde então, temos atuado dentro do Grupo de Trabalho para implementar essa resolução, apoiando os capítulos locais com seu trabalho ecossocialista, projetando novas plataformas para facilitar a coordenação entre os capítulos e desenvolvendo estratégias com a participação de nossos membros.

Instituto Tricontinental: Resumidamente, quais seriam as principais características da proposta de um GND?

Thea Riofrancos: Primeiro, o GND propõe descarbonizar a economia dentro do prazo que a ciência climática nos apresenta; isso significa reduzir pela metade as emissões globais até 2030. Para isso, propomos que os países do Norte Global reduzam as emissões ainda mais rapidamente, tendo em vista seu papel histórico na acumulação de emissões. Para alcançar esse objetivo, a matriz energética deve ser transformada (de hidrocarbonetos para energia renovável), muitos processos devem ser eletrificados (transporte, aquecimento/arrefecimento, atividades industriais, etc.), o sistema agrícola deve ser alterado (de um sistema energético intensivo e poluente para a agroecologia), entre outras mudanças profundas.

Além disso, propomos conduzir essa transição, que ocorreria em muitas áreas sociais e econômicas, com intervenção pública e investimento em escala maciça, comparável à mobilização de recursos que ocorreu nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial. O tipo e o ritmo de transformação necessário não podem se concretizar por meio de mecanismos de mercado ou por empresas privadas, e muito menos por mudanças no nível individual. Pelo contrário, requer planejamento e coordenação do Estado em todos os níveis de governo, financiamento com recursos públicos e o apoio à mobilização social e à ação coletiva.

E finalmente, o paradigma do GND Ecossocialista vincula fortemente a questão da mudança climática à questão da desigualdade socioeconômica. Portanto, não se trata apenas de reduzir as emissões, mas também de garantir saúde, emprego, moradia, transporte público e o direito à sindicalização. Ela prevê uma grande transformação no planejamento urbano, suburbano e rural para tornar essas áreas mais igualitárias, mais democráticas, com um habitat que integre mais espaços públicos verdes e que seja guiado pelo bem-estar social em todo o planeta, e não pelo lucro imobiliário.

Desde o início, a política em torno do GND tem sido marcada por um processo dinâmico entre movimentos sociais e políticos progressistas. Em novembro de 2018, Alexandria Ocasio-Cortez, a jovem deputada estadunidense Democrática Socialista, uniu-se aos membros do Movimento Sunrise, um movimento de jovens mobilizados em torno da questão da mudança climática, para ocupar o escritório de Nancy Pelosi, deputada do Partido Democrata e presidente da Câmara dos Deputados.

Isso nos mostrou como o GND provocou uma luta dentro do próprio Partido Democrata, entre as tendências mais à esquerda e as mais de centro. Os democratas mais centristas, e obviamente o Partido Republicano, rejeitam o vínculo que o GND faz entre a mudança climática e a desigualdade social, e também rejeitam a escala maciça de investimento público que se coloca.

Mas vale a pena notar que Ocasio-Cortez não inventou o paradigma do GND. Durante anos, os movimentos pela justiça ambiental têm vinculado a mudança climática e os impactos ambientais à estrutura desigual de nossas sociedades. De fato, Ocasio-Cortez atribui seu compromisso com a política climática (e sua decisão de concorrer ao Congresso) a um desses movimentos: a mobilização das nações indígenas e seus aliados contra o oleoduto «Acesso Dakota» em Standing Rock, Dakota do Norte. Esses movimentos apontam que, por um lado, as classes e os países ricos têm a maior responsabilidade pelas emissões e pelos danos ambientais e, por outro, que as vítimas do aquecimento global são as comunidades indígenas, os afro-americanos, a classe trabalhadora e os setores marginalizados em geral.

Instituto Tricontinental: Daqui (ao sul do sul), a ideia é que o GND esteja ligado às propostas do capitalismo verde ou da economia verde, pelo menos em suas primeiras formulações. Então, em que este GND difere das propostas orientadas para a economia verde? Quais são os aspectos fundamentais que os contrapõem?

Thea Riofrancos: O “capitalismo verde” visa mitigar os sintomas do capitalismo – aquecimento global, extinção em massa de espécies, destruição de ecossistemas – sem transformar o modelo de acumulação e consumo que causou a crise climática. É uma “tecno-solução”, a fantasia de mudar tudo sem mudar nada. Vemos esse tipo de proposta agora no Green Deal na Europa. Também vemos isso, por exemplo, no modelo de eletromobilidade de empresas como a Tesla. Sob essa visão, nada mudaria além de uma troca de nossos veículos tradicionais por veículos eletrônicos, mantendo o domínio das rodovias e carros sobre nossos espaços urbanos e suburbanos e, além disso, reproduzindo um padrão de extrativismo insustentável (porque para produzir um carro elétrico são necessários mais de 80 quilos de cobre, bem como lítio, cobalto, níquel e outros recursos terrestres).

Em contraste com esta falsa solução, o ecossocialismo entende que a crise ambiental reside no próprio capitalismo. É por isso que nós, do DSA, desenvolvemos o GND ecossocialista. Essa visão reconhece os limites físicos do planeta, a impossibilidade de “crescimento verde” e a urgência de mudar o modo de acumulação: (a) padrões diários de consumo, trabalho, transporte, moradia, planejamento, alimentação e muito mais, a fim de garantir uma vida digna para todos; (b) desmercantilizar os serviços básicos de sobrevivência e bem-estar; mudar de um modelo de consumo privatizado, individual e desigual para um modelo de consumo coletivo e democrático, dentro dos limites planetários; c) democratizar a economia e o controle dos recursos naturais e da tecnologia (incluindo tecnologias verdes, como a eletromobilidade ou painéis solares); d) transformar nossas comunidades para que sirvam às pessoas, aos ecossistemas e ao planeta e não aos lucros da classe dominante; e, finalmente, e) desmilitarizar, descolonizar e trabalhar para um futuro de cooperação e solidariedade planetária.

Instituto Tricontinental: Na sua opinião, quais seriam os primeiros passos a serem dados no curto prazo para a construção de um GND?

Thea Riofrancos: Nos Estados Unidos, os primeiros passos em termos de política pública para um GND seriam: (1) desmantelar o setor de hidrocarbonetos, acabar com os subsídios ao setor; manter o petróleo, o carvão e o gás no solo (por meio de fortes regulamentações) e nacionalizar as empresas petrolíferas; (2) investir maciçamente, a partir do setor público, na descarbonização da matriz energética; e (3) garantir empregos para todas as pessoas, com foco nos setores verdes.

Mas não ganharemos isso sem uma forte e constante mobilização social em todas as áreas da vida. Em 2019, vimos uma escala histórica de mobilização nos EUA, contra a brutalidade policial direcionada às comunidades afro-americanas, e em 2018 uma onda histórica de greves de professores e enfermeiros, entre outros setores. Precisaríamos de algo semelhante em escala e militância para as propostas do GND. Sabemos que não há progresso social sem luta social, a partir de baixo e com o protagonismo dos setores populares. E podemos ver pela história dos governos de esquerda que as lutas podem, embora sempre provisoriamente, serem institucionalizadas em políticas públicas.

Agora, vale a pena mencionar que estamos atualmente numa encruzilhada de múltiplas crises. Enfrentamos uma pandemia, uma crise econômica e também uma crise climática. Além disso, nos EUA, estamos vendo uma rebelião não apenas contra a violência policial nas comunidades afro-americanas, mas também contra uma sociedade baseada na opressão racial e contra um governo que não investe nas necessidades básicas das comunidades, enquanto investe na polícia, nas prisões e nas guerras.

Portanto, é importantíssimo que os próximos passos em direção a um GND abordem os problemas concretos que as classes trabalhadoras estão enfrentando em sua vida diária. Para isso, temos trabalhado em uma proposta chamada Estímulo Verde, uma plataforma que aplica os princípios do GND à crise imediata que enfrentamos.

É uma proposta de usar o dinheiro público para catalisar a transição energética, criando ao mesmo tempo milhões de empregos decentes em setores econômicos com menor impacto ambiental ou mesmo com impacto positivo, uma proposta que beneficiaria as comunidades marginalizadas que sofrem não apenas com a pandemia, mas também com o desespero econômico. A ideia do estímulo verde não é pressionar pelo “crescimento verde”, mas aproveitar o momento para nos colocar no caminho de uma sociedade social e ambientalmente justa, com uma economia de baixas emissões, planejamento mais sustentável e soberania alimentar.

Instituto Tricontinental: Em quais sujeitos sociais recai a possibilidade de colocá-lo em movimento? Quais parcerias você acha que são necessárias?

Thea Riofrancos: Sabemos que a transformação social só vem do poder popular. Esse poder popular vem de organizações sociais: sindicatos, organizações camponesas, movimentos indígenas, organizações de bairro. No caso dos EUA, a força social para um GND vem das lutas urbanas pelo direito à moradia, ao transporte público, aos espaços verdes e públicos. Os sindicatos de educação, saúde e trabalho assistencial são essenciais: a maioria desses trabalhadores são mulheres racializadas e migrantes e, portanto, seu trabalho é marginalizado e subvalorizado. Esses sindicatos geralmente apoiam o GND e têm uma visão de bem-estar coletivo. O trabalho de cuidado – compreendido de uma forma ampla – é fundamental em uma sociedade ecossocialista. As comunidades e o planeta precisam ser cuidados. A mobilização dos jovens também é extremamente importante. Em geral, os jovens de hoje não apenas reconhecem a emergência ambiental e são protagonistas do movimento de justiça climática, mas também têm se radicalizado por viverem uma crise após outra. Por outro lado, há os movimentos indígenas e movimentos aliados na luta contra o extrativismo que ameaça seus territórios e direitos coletivos. E ainda há os movimentos de “justiça ambiental” que lutam contra a contaminação tóxica (de fábricas, usinas elétricas, plantas petroquímicas, etc.) que afetam principalmente as comunidades afro-americanas e outros setores marginalizados.

Finalmente, a DSA desempenha um papel importante na mobilização da juventude de esquerda, radicalizando o debate público sobre o meio ambiente e recrutando candidatos para as campanhas eleitorais. Em muitos estados e cidades dos EUA há funcionários públicos eleitos que são membros da DSA e estão promovendo o GND, entre outras políticas transformadoras. Há até mesmo duas integrantes do DSA no próprio Congresso: Alexandria Ocasio-Cortez e Rashida Tlaib.

Instituto Tricontinental: Com uma sociedade ecossocialista como meta, como o DSA prevê essa transição? O GND poderia ser uma oportunidade para isso? Que papel a classe trabalhadora tem que desempenhar nesse processo?

Thea Riofrancos: Primeiro, a organização sindical é importante, e nos EUA  houve uma onda recente de greves, especialmente no setor educacional, mas também no setor de saúde, supermercados e outros. Estamos vendo novos laços entre o movimento sindical e os movimentos ambientais. Por exemplo, em janeiro de 2019, houve a greve histórica de 30 mil professores em Los Angeles, na qual eles conquistaram, entre outras reivindicações, espaços verdes para as escolas. Anteriormente, professoras em greve na Virgínia Ocidental reivindicavam que as empresas de carvão com minas em seu estado pagassem mais impostos. Além destas reivindicações específicas, deve-se enfatizar que os setores de educação e saúde são absolutamente essenciais para um mundo mais igualitário e sustentável. Portanto, as outras vitórias dessas greves, como o aumento do orçamento para a educação pública, também são vitórias “verdes”, e essenciais para um GND. E vale mencionar que os sindicatos nos setores de serviços e de enfermagem têm sinalizado seu apoio a um GND. Obviamente, os setores de trabalhadores mais complicados em termos de transição energética são aqueles que costumavam trabalhar com hidrocarbonetos. É uma questão incrivelmente complicada, mas o paradigma mais importante nessa área é o da “transição justa”, que enfatiza que se deve proteger os trabalhadores que perderiam seus empregos devido à transição energética.

Instituto Tricontinental:  Com outros autores, você publicou recentemente um livro sobre o assunto (A Planet to Win: Why We Need a Green New Deal). No livro que você chama de “internacionalismo recarregado”. O que você pode nos dizer sobre essa proposta?

Thea Riofrancos: Nesse livro que publicamos afirmamos que a crise climática é uma crise planetária e, portanto, os horizontes do GND devem ser planetários também. Mas não estamos falando do Acordo de Paris ou de outros acordos entre elites que são muito fracos e lentos demais, e protegem os interesses das economias e corporações mais poderosas. Em vez disso, falamos de um novo tipo de “internacionalismo”, propomos um internacionalismo vindo de baixo e à esquerda, e nos concentramos na questão das cadeias de produção global de tecnologias verdes e, em particular, das baterias de lítio. Essas baterias são a chave para a transição energética. Eles são necessários para carregar carros, ônibus, bicicletas, cadeiras de roda elétricas e outros; e são necessários para armazenar energia em redes renováveis, porque as energias solar e eólica são intermitentes e variáveis. Por essas razões, em termos globais, a demanda de lítio deverá aumentar acentuadamente, principalmente devido ao crescimento do mercado de eletro-mobilidade (especialmente carros elétricos pessoais). O Chile é um dos principais exportadores mundiais de lítio e as salinas andinas no país, na Argentina e na Bolívia possuem mais de 50% das reservas conhecidas do mundo. Enquanto o lítio é essencial para combater a crise climática, a extração de lítio no Chile implica uma série de impactos socioambientais para os ecossistemas e comunidades indígenas que vivem no entorno do Salar de Atacama, a maior planície de sal do país. A combinação dos setores de lítio e cobre resultou em um forte desequilíbrio hídrico no Salar, e também diminuiu a população de espécies como o flamingo andino. Os direitos coletivos e territoriais das comunidades indígenas e seus outros meios de subsistência foram violados, e a produção de lítio tem sido marcada pela repressão trabalhista.

Dados estes impactos, e os movimentos locais contra o “extrativismo verde” (tais como o Observatório Plurinacional das Salinas Andinas), o GND não pode reproduzir os mesmos padrões de produção e consumo que o capitalismo atual. No livro, enfatizamos a necessidade de mudar de um modelo autocêntrico, no qual cada pessoa tem seu próprio carro particular, para um sistema de trânsito público, que utiliza os recursos de forma muito mais racional, sob um modelo de consumo coletivo (um ônibus elétrico faz muito mais sentido ecológico e social do que milhões de Teslas). O modelo de comércio internacional também deve ser transformado. Rejeitamos acordos de “livre comércio” e favorecemos modelos de comércio justo e verde que priorizem os direitos trabalhistas e indígenas e protejam os ecossistemas. E, porque não acreditamos que a mudança venha “de cima”, propomos novas relações de solidariedade além fronteiras, entre trabalhadores e comunidades que trabalham e vivem nos nós das cadeias produtivas, reivindicando seus direitos e articulando visões de um mundo alternativo.


Uma visão ecossocialista para a descarbonização na América Latina

Sabrina Fernandes

Doutora em sociologia e ativista ecossocialista no Brasil; é editora da Jacobin Brasil e pesquisadora do “Grupo de Pesquisa Internacional sobre autoritarismo e contraestratégias” (IRGAC) da Fundação Rosa Luxemburgo.

Estamos em uma corrida contra o tempo em relação à mudança climática. Para freá-la, é necessário lutar por um tipo diferente de mudança. O sistema em que vivemos deve ser mudado, mas essa não é uma tarefa simples. Uma posição anticapitalista não é suficiente sem um plano para o que queremos no futuro. No entanto, temos um problema de tempo. Para evitar a mudança climática, precisamos mudar o sistema, mas as condições políticas de hoje não são as melhores. A direita está forte em muitos países e o negacionismo em relação à ciência climática permanece forte. Precisamos elaborar um plano que possibilite mudanças na matriz energética, nas cidades, nos transportes e na produção de alimentos, já para os próximos anos. Um plano de descarbonização criaria as condições para mudanças mais profundas em outra conjuntura política, retardando nossa corrida contra o tempo.

É impossível pensar na descarbonização sem considerar as condições históricas da América Latina e o papel dos processos de desenvolvimento e extrativismo que afetam a região e seu ciclo de produção capitalista. Se pretendemos mudar o mundo para uma sociedade ecossocialista, é imperativo que comecemos aqui do Sul.

 

Um Green New Deal que vá à raiz

O debate sobre um Green New Deal (GND), seja o que ocorre nos Estados Unidos ou as propostas vindas da América Latina, é bastante diverso. Embora todos falem de descarbonização e investimento em energia renovável, o que isso significa varia de acordo com quem está propondo.

Quando penso em um GND, penso em um plano de descarbonização que é urgente nesta década e na próxima. É um plano que exige ousadia. Portanto, seja o GND nos Estados Unidos ou um projeto similar sob outro nome no contexto de outros países, o imperativo é que não seja possível falar de descarbonização como se ela envolvesse apenas alguns ajustes aqui e ali. Também não devemos aceitar que os termos sejam dados por grandes corporações que veem nos esquemas “verdes” uma oportunidade de lucro e reposicionamento no mercado.

A crise climática resulta de um longo processo de expansão econômica e de seus impactos ambientais. No capitalismo, a natureza é tratada como uma fonte de recursos e mesmo sua proteção tem que ser legitimada pelo lucro ou tem que se adequar aos interesses do capital. Nesse sentido, não surpreende que muitas iniciativas de “compensação de carbono” desempenhem um papel no mercado financeiro e possam ser utilizadas para justificar as emissões em outras áreas. Embora os fundos públicos possam ajudar a preservar os biomas, o mercado insiste em promover soluções que tornem o Estado um parceiro nos negócios, no mercado de ações e nos sistemas de crédito e empréstimo. Por isso dizemos que a ecologia capitalista é uma falsa ecologia, porque não identifica a causa raiz da crise climática e ecológica em geral.

É por isso que nós, ecossocialistas, pensamos na importância de regular tanto o metabolismo social quanto o metabolismo da natureza, para não esquecer que também somos natureza, e é por isso que tentamos disputar as direções dos projetos de transição climática. Isto inclui o GND e outros planos. Assim como a necessidade de elaborar essas construções de baixo para cima.

As organizações populares devem estar no centro dos planos de descarbonização. Se isso não acontecer, testemunharemos projetos que são insuficientes, lentos e que atrasam a transição, subordinando-a aos interesses do mercado. Os capitalistas sabem que o petróleo não durará para sempre e é por isso que uma parte deles também está engajada na busca de alternativas. É por isso que procuram alcançar a descarbonização, mas sob condições que garantam a soberania do setor privado e uma velocidade conveniente para garantir o lucro até a última gota. Um bom plano de transição deve trabalhar com reformas importantes, mas sempre atento às condições necessárias para mudar todo o sistema e garantir um novo que, como propõem os ecossocialistas, não copie as tendências produtivistas do capitalismo.

 

A resposta está na solidariedade entre os povos explorados

É indiscutível que não há tempo para alcançar primeiro o socialismo e depois investir nas mudanças ecológicas que precisamos. Há pouco tempo para alterar as emissões de gases de efeito estufa antes que os danos sejam irreparáveis. Para os povos explorados, há ainda menos tempo. São aqueles que já vivem sob duras condições que sofrerão ainda mais com os impactos da crise climática. Novos estudos sugerem que a temperatura média aumentará em 3°C, e é possível que o aumento seja de até 6°C em muitos lares. Aqueles com mais dinheiro poderão pagar pela instalação de ar-condicionado em suas casas e escritórios, o que também aumentará a demanda por eletricidade. Aqueles que trabalham sob o sol, tais como agricultores, varredores de rua, vendedores ambulantes, entregadores, trabalhadores da construção civil e muitos outros, terão muita dificuldade para trabalhar, correndo o risco de desenvolver doenças e até mesmo de morrer.

Os sindicatos têm, portanto, um papel fundamental a desempenhar na construção da descarbonização. Sabemos como os bens naturais da América Latina são vistos como meros recursos pelo sistema capitalista. Os trabalhadores das empresas estatais de petróleo e mineração estão sempre lutando contra as tentativas de privatização. Em termos de combate à mudança climática, não há garantia de que uma empresa estatal no setor de energia suja seja mais sustentável. Muitas mudanças são necessárias para transformar o setor energético poluente, que já é obsoleto, mas as empresas estatais devem ser protegidas. Em primeiro lugar porque os trabalhadores organizados são capazes de fazer valer suas demandas com mais força no setor público. Segundo, porque um grande plano de descarbonização requer maior controle do setor energético (e isso não será possível a partir da esfera privada). Dessa forma, é possível que as pessoas que melhor conhecem o setor, porque trabalham lá, também possam se tornar militantes do clima, já que sua inclusão é fundamental para uma transição justa, com mais empregos e fortalecimento da ação pública.

A transição justa é de fato um conceito que deve ser sempre abordado no debate para um acordo verde. Se garantirmos que os trabalhadores organizados façam parte dos debates, é mais provável que a transição seja discutida. Ou as empresas capitalistas que afirmam estar comprometidas com o planeta promoverão a criação de empregos verdes no setor das energias renováveis? Serão bons empregos? As empresas irão renunciar aos lucros para garantir esses empregos e fazer os investimentos necessários, mesmo que isso resulte em prejuízos econômicos? É claro que não, porque o setor privado é movido pelo lucro. O “verde” nesses “empregos verdes” em grandes empresas se refere apenas às tecnologias verdes empregadas e não significa necessariamente uma preocupação genuína com a natureza.

Nesse ponto, e em nossa região, precisamos entender a grande importância dos povos indígenas e movimentos camponeses latino-americanos nessa tarefa. Esses movimentos têm alertado sobre a crise ecológica muito antes de os governos começarem a agir. É por isso que os ensinamentos do buen vivir e do teko porã tradicionais inspiram pesquisadores e militantes socioambientais em todo o mundo hoje. Mas não se pode permitir que estas perspectivas sejam reduzidas a meras palavras bonitas. Falar de buen vivir hoje requer atenção às reivindicações dos povos indígenas e respeito por seus conhecimentos, mas também o pressuposto de que não basta falar e que é necessário criar as condições para uma mudança radical na sociedade, pois resta ainda menos tempo para eles. Naturalmente, isso também significa analisar as contradições econômicas presentes na América Latina e as exigências de desenvolvimento e projetar outra concepção de desenvolvimento, que garanta a qualidade de vida em um paradigma de sustentabilidade.

As trabalhadoras também devem ser incluídas na discussão da descarbonização. Não é possível falar de transição justa sem reconhecer o papel fundamental da mulher no cuidado das famílias e da natureza. Quando não há água, é comum que as mulheres tenham que ir buscar o recurso. Quando as crianças adoecem, nossa sociedade ainda espera que as mulheres tomem conta delas. As mulheres são maioria nos setores de serviços estratégicos em muitos países, especialmente em saúde e educação. Os investimentos nesses setores podem contribuir para aliviar a sobrecarga de trabalho das mulheres na área da reprodução social, ao mesmo tempo em que produzem valor social com menor impacto ambiental. Além disso, tais investimentos têm o maior impacto sobre qualquer grupo de excluídos dos planos de desenvolvimento convencionais. A população negra em muitos países da América Latina não tem acesso adequado à saúde e sofrerá mais com as consequências climáticas devido à sua vulnerabilidade social. A proposta para nossa descarbonização deve, naturalmente, incluir também uma luta contra o racismo ambiental.

Um plano de descarbonização construído de baixo é de interesse vital para os povos explorados, pois enfrenta tanto a crise climática quanto suas condições materiais de vida sob o capitalismo. Sabemos que o setor privado de energias renováveis e outras tecnologias verdes, com a força econômica que tem, será uma parte central da transição. Entretanto, esses setores não podem ser os líderes desse processo.

A solidariedade popular é a chave para conectar as lutas contra os impactos da mudança climática, desde os milhões de refugiados às dificuldades do cultivo de alimentos, passando pelas dificuldades em trabalhar e às novas doenças. Um povo não precisa passar pelo mesmo que outro para reconhecer a importância dessas lutas. Nesse sentido, um plano global de descarbonização deve ser capaz de provocar mudanças que não favoreçam apenas os ricos ou que simplesmente queiram tapar o sol com a peneira.

Portanto, os debates imediatos sobre a descarbonização devem incluir assembleias populares que abordem as demandas por uma transição justa, desde a necessidade de empregos até a luta por territórios, para que os responsáveis pela elaboração dos projetos de lei e planos de ação o façam em sintonia com os protagonistas dessas reivindicações. Isso é importante para que não se produza um plano puramente tecnocrático que possa ser facilmente apropriado pelo capital e, em particular, para que tenhamos a força política capaz de pressionar governos de direita ou moderados (às vezes até de esquerda) para uma transição justa o mais rápido possível.

As assembleias populares são um elemento muito comum das organizações e lutas populares na América Latina. Experiências recentes, como o Fórum Mundial Alternativo da Água (2018), a Cúpula dos Povos (2017) e o Fórum dos Povos pela Natureza (2020) servem como exemplos da importância de reunir diversos grupos, de ativistas socioambientais a organizações indígenas. Os ecossocialistas no Brasil e em outros países estão comprometidos com a construção desses espaços porque sabemos que as possibilidades de mudanças radicais dependem da organização coletiva.

 

O que podemos fazer hoje?

A pandemia de Covid-19 afetou a dinâmica da produção de mercadorias e a organização da vida. Especialmente em países empobrecidos e países que vivem sob governos de extrema direita, pandemia significa morte pelo vírus ou morte por inanição. No Brasil, por exemplo, o desemprego afeta cerca de 12,6% da classe trabalhadora. Por outro lado, o trabalho informal é a única opção para muitos trabalhadores, portanto, ficar em casa significa não ter como pagar aluguel ou colocar comida na mesa. A situação é pior para a população negra. O governo Bolsonaro aproveitou esta situação para promover a intervenção do setor privado no sistema de saneamento e no desmatamento, que continua a um ritmo muito preocupante. No Chile, a pandemia significa mais repressão contra a população, com regras de confinamento muito severas, enquanto acontece uma crise hídrica nas regiões de Coquimbo e Valparaiso.

A pandemia desmascara as injustiças sociais que muitos optam por ignorar diariamente. Há muitas crises juntas, não podemos nos enganar sobre a solução. Não devemos voltar ao “normal”, como promovido por governos e corporações. O “normal” é parte do problema. Portanto, é hora de exigir algumas mudanças estratégicas, com respostas mais radicais que criem condições para novas mudanças no futuro. Uma grande descarbonização pode nos ajudar hoje em dia. Entretanto, sem uma mobilização da classe trabalhadora, também não será fácil exigir reformas estruturais. Aqui vemos o importante papel dos movimentos sociais da América Latina em exigir o impossível, especialmente quando qualquer outra perspectiva pode nos empurrar ainda mais para o abismo.

Iniciar o debate sobre a questão do emprego pode ajudar a envolver mais pessoas, ainda mais se as principais exigências incluírem melhorias rápidas e simples em sua qualidade de vida. Se o desemprego é um problema, a tarefa dos governos é investir na criação de empregos, mas não de qualquer tipo de emprego. É possível criar novos empregos que pagam melhor, exigem menos horas de trabalho e contribuem para setores onde o crescimento é necessário. Se tivermos pressa, devemos trabalhar tanto com metas de longo como de curto prazo. No  horizonte mais próximo, isto significa investimentos imediatos, cujos resultados podem ser vistos em poucos anos, em pelo menos três setores: energia, transporte e alimentos.

Os países do Sul, com uma economia dependente, exportam matérias-primas e importam bens manufaturados, incluindo combustível de refinarias estrangeiras. Portanto, se fizermos o contrário e promovermos projetos de energia renovável, novos empregos poderão ser criados e a distribuição de energia poderá ser melhorada ao mesmo tempo em que combateremos a dependência econômica e os déficits comerciais que tornam nossas nações mais vulneráveis à vontade do capital internacional.

Deve-se mencionar que uma transição energética na América Latina exige que abordemos não apenas os problemas da indústria do petróleo ou do gás natural, mas também os da grande indústria de mineração, seja ela nacional ou estrangeira. Neste campo, são necessárias regulamentações e proteções locais e investimento nas empresas estatais, para que a demanda não dependa das pressões do mercado global de minerais e combustíveis fósseis, mas de uma lógica social que oriente a extração desses bens pelo valor de uso e não pelo valor de troca.

As energias renováveis não são uma panaceia. Não existe uma solução perfeita que não envolva nenhum impacto na natureza; mas com um bom planejamento e investimento do setor público é possível estabelecer metas viáveis de transição da matriz energética. Ao mesmo tempo em que se promove a pesquisa em ciência e tecnologia que pode ajudar com os desafios colocados em termos de eficiência e de resíduos.

Esse processo deve incluir a discussão sobre o decrescimento estratégico; em outras palavras, não se trata de decrescimento como regra, pois isso tornaria a vida em nosso continente pior, mas de perspectivas que alocam a produção de energia para atividades que melhoram nossa qualidade de vida, tais como saúde, educação, cultura e recreação, bem como para mudanças no transporte e na produção de alimentos. Ao mesmo tempo, o consumo de produtos nocivos ao meio ambiente e o consumismo desenfreado estimulado pela comercialização devem ser combatidos.

Sabemos que as maiores taxas de consumo estão nos países mais ricos, mas a grande indústria sabe que deve empurrar os consumidores do Sul em uma direção semelhante se quiser ter mais lucro. As mudanças nos setores de produção local, bem como nos regulamentos de publicidade, podem ajudar a garantir que as classes média e alta não consumam nos níveis problemáticos de países como os Estados Unidos. Simultaneamente, uma melhor qualidade de vida pode ser garantida para os mais pobres, especialmente para as pessoas que hoje não têm acesso a bens básicos, como geladeiras e computadores, ou a saúde e moradia acessíveis e de qualidade.

O investimento estatal no transporte público nas cidades é uma forma de mudar o padrão dos carros particulares em favor dos pedestres, ciclistas e ônibus. É possível criar novos empregos de qualidade quando há mais ônibus nas ruas, assim como com a produção de ônibus elétricos ou a construção de linhas de metrô. Um plano de descarbonização para as cidades também será um plano de criação de bons empregos. É evidente que muitos “empregos verdes” também precisam de trabalhadores com conhecimentos específicos e, portanto, se reforça a necessidade de investir em educação.

Por outro lado, o setor de produção de alimentos é estratégico na luta contra a mudança climática, bem como para o ecossocialismo, pois a soberania alimentar deve ser uma prioridade para qualquer sociedade sustentável. O desmatamento resultante das práticas do agronegócio é combinado com os impactos do uso de fertilizantes químicos e adubos. Juntos, esses elementos contribuem para a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Além disso, o avanço do agronegócio destrói os modos de vida tradicionais e desempenha um papel ativo na violência contra os povos indígenas e camponeses.

Qualquer “plano verde” na América Latina que se proponha ser radical e se considere uma alternativa aos planos do “capitalismo verde” (também conhecido como “economia verde”) tem a obrigação de abordar a questão da reforma agrária. A concentração da terra na região é responsável pela destruição da natureza e pela grande desigualdade entre as classes. As vozes dos movimentos que lutam pela reforma agrária agroecológica e popular devem ser ouvidas e seus líderes incluídos nas formulações de políticas públicas. Somente então um “Green New Deal” na região conseguirá conectar as lutas, desde aqueles que clamam por terra até aqueles que vivem nas grandes cidades e anseiam por alimentos saudáveis e livres de agroquímicos.

Um grande “plano verde” na América Latina pode ser a resposta necessária do povo para os dias de hoje. Embora haja muitos golpes para resistir, os movimentos são mais fortes quando fazem reivindicações construtivas que são capazes de propagar laços de solidariedade para além dos momentos defensivos.

A combinação da resistência de nosso tempo com as exigências radicais contra a mudança climática será muito poderosa. Seria certamente muito mais fácil se a maioria dos países de nossa região não estivesse em circunstâncias tão difíceis. Entretanto, não há tempo a perder e todas as respostas às crises também devem ser respostas para sair de um sistema de crise.

Mas cuidado, o que temos hoje não é uma janela de oportunidade, pois uma política e um cenário global de morte não oferecem oportunidades. Aqueles que falam assim, a partir de uma ideologia capitalista, são muito cínicos. Existe, porém, uma janela de responsabilidade, e cabe a nós lutar por mudanças estratégicas diante das crises econômicas e sanitárias e enfrentar também a crise ecológica. Afinal, qualquer política que não aborde a crise climática é também uma política de morte.