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Ali Imam (Paquistão), Sem título (Deserted Town with a Black Sun), 1956.
Queridos amigos e amigas,
Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
As calamidades são familiares ao povo do Paquistão, que enfrentou vários terremotos catastróficos, incluindo os de 2005, 2013 e 2015 (para citar os mais danosos), bem como as horrendas inundações de 2010. No entanto, nada poderia preparar o quinto país mais populoso do mundo para os eventos devastadores deste verão, que começou com altas temperaturas e caos político seguido por inundações inimagináveis.
A frustração em cascata com o Estado paquistanês define o humor popular. Taimur Rahman, secretário-geral do Partido Mazdoor Kisan [Partido dos Trabalhadores e Camponeses], disse ao Peoples Dispatch que, após as enchentes de 2010, houve “enorme indignação pelo fato de o governo não ter feito nada para garantir que (…) quando haja um transbordamento de água, [este] possa ser controlado”. Evidências de fundos de ajuda sendo desviados por políticos corruptos e a elite rica começaram a definir o período pós-2010; essas memórias permanecem intactas. As pessoas entendem que quando o complexo industrial do desastre está em movimento, os ciclos de corrupção se aceleram.
O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social trabalhou com a Assembleia Internacional dos Povos para produzir o Alerta Vermelho n. 15 sobre as inundações no Paquistão e as implicações políticas desse desastre.
Um terço do vasto território do Paquistão foi afetado por inundações na última semana de agosto. Imagens de satélite mostraram a rápida propagação das águas que romperam as margens do rio Indo, cobrindo enormes porções de duas grandes províncias: Baluchistão e Sindh. Em 30 de agosto de 2022, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chamou de “monção com esteróides”, pois as águas da chuva mataram mais de mil pessoas e deslocaram cerca de 33 milhões. A situação é terrível, com aqueles que fugiram de suas casas em perigo imediato e de longo prazo. As pessoas acampadas em terras mais altas, como nas principais estradas, estão atualmente sob o risco de passar fome e de contrair doenças transmitidas pela água, como diarréia, disenteria e hepatite. A longo prazo, as pessoas que perderam suas plantações (algodão e cana-de-açúcar) e o gado enfrentam o empobrecimento. O ministro do Planejamento do Paquistão, Ahsan Iqbal, estima que os danos totalizarão mais de 10 bilhões de dólares.
À primeira vista, a principal razão para as inundações parece ser a forte chuva adicional no final de uma monção ou estação chuvosa já recorde. Um verão muito quente com temperaturas acima de 40°C por longos períodos em abril e maio fez do Paquistão “o lugar mais quente da Terra”, segundo Malik Amin Aslam, ex-ministro de mudanças climáticas. Esses meses escaldantes resultaram no derretimento anormal das geleiras do norte do país, cujas águas encontraram as chuvas torrenciais estimuladas por um “triplo mergulho” – três anos consecutivos de La Niña esfriando o Oceano Pacífico equatorial. Além disso, mudanças climáticas catastróficas – impulsionadas pelo capitalismo global movido a carbono – também causaram a chuva e o derretimento glacial.
Mas a natureza das inundações em si não se deve totalmente a padrões climáticos turbulentos. Significativamente, o impacto do aumento das águas sobre a população do Paquistão se deve ao desmatamento descontrolado e à infraestrutura deteriorada, como barragens, canais e outros meios para conter a água. Em 2019, o Banco Mundial disse que o Paquistão enfrenta uma “emergência verde” porque a cada ano cerca de 27 mil hectares de floresta natural são derrubados, dificultando muito a absorção da água da chuva no solo.
Além disso, a falta de investimento estatal em barragens e canais (agora fortemente assoreados) tornou muito mais difícil controlar grandes quantidades de água. As mais importantes dessas barragens, canais e reservatórios são a Barragem de Sukkur, o maior sistema de irrigação do mundo do gênero, que atrai o Indo para o sul do rio Sindh, e os reservatórios de Mangla e Tarbela, que desviam as águas da capital do Paquistão, Islamabad. A construção ilegal de imóveis em várzeas exacerba ainda mais o potencial de tragédia humana.
Deus tem pouco a ver com essas inundações. A natureza só agravou as crises subjacentes da catástrofe climática impulsionada pelo capitalismo e a negligência da gestão da água, da terra e das florestas no Paquistão.
Naiza H. Khan (Paquistão), Cemitério às 11h23, 2010.
As inundações revelaram um conjunto de problemas duradouros que paralisam o Paquistão. Pesquisas feitas em maio, antes das enchentes, mostraram que 54% da população considerava a inflação seu principal problema. Em agosto, o Escritório de Estatísticas do Paquistão informou que o índice de preços no atacado, que mede a flutuação nos preços médios das mercadorias, aumentou 41,2%, enquanto a taxa de inflação anual foi de 27%. Apesar da inflação ter aumentado globalmente e do reconhecimento de que o custo das inundações seria superior a 10 bilhões de dólares, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prometeu apenas 1,1 bilhão de dólares com condições semelhantes à austeridade, como “política monetária prudente”. É criminoso que o FMI imponha austeridade estrita quando a infraestrutura agrícola do país está totalmente destruída (essa ação inadequada é uma reminiscência da política colonial britânica de continuar a exportação de trigo da Índia durante a fome de 1943 em Bengala). O Índice Global da Fome de 2021 já colocou o Paquistão em 92º entre 116 países com crise alimentar – isso antes das enchentes – em um nível grave. No entanto, como nenhum dos partidos políticos burgueses do país levou a sério essas descobertas, sem dúvida, sua crise econômica se intensificará com pouca recuperação.
Isso nos leva à aguda crise política. Desde sua independência dos britânicos em 1947, há 75 anos, o Paquistão teve 31 primeiros-ministros. Em abril de 2022, o trigésimo, Imran Khan, foi removido para instalar o atual primeiro-ministro Shehbaz Sharif. Khan, que enfrenta acusações de terrorismo e desacato ao tribunal, alegou que seu governo foi removido a pedido de Washington devido a seus laços estreitos com a Rússia. O partido paquistanês de Khan, Tehreek-e-Insaf (PTI ou “Partido da Justiça”), não conquistou a maioria nas eleições de 2018, o que deixou sua coalizão vulnerável à saída de um punhado de legisladores. Foi exatamente o que fez a oposição, que chegou ao poder por meio de manobras legislativas, sem um novo mandato da população. Desde sua remoção, a posição de Imran Khan e do PTI aumentou no Paquistão, tendo vencido 15 das 20 eleições de julho em Karachi e Punjab, antes das enchentes. Agora, à medida que a raiva aumenta contra o governo de Sharif por conta do ritmo lento do socorro às vítimas das enchentes, a crise política só se aprofunda.
Huma Mulji (Paquistão), Lavadoras a seco Tip Top, 2015.
O Paquistão está sofrendo com o “apartheid climático”. Esse país de mais de 230 milhões de pessoas contribui com apenas 1% das emissões globais de gases de efeito estufa, mas está ameaçado pelo oitavo maior risco climático do mundo. O fracasso dos países capitalistas ocidentais em reconhecer sua destruição do clima do planeta significa que países como o Paquistão, que têm baixos níveis de emissões, já estão sofrendo desproporcionalmente o impacto das rápidas mudanças climáticas. Os países capitalistas ocidentais devem pelo menos fornecer seu total apoio à Agenda Global de Ação Climática.
Forças de esquerda e progressistas – como o Partido Mazdoor Kisan – e outros grupos civis organizaram uma campanha de socorro às inundações nas quatro províncias do Paquistão. Eles estão estendendo a mão principalmente com ajuda alimentar para combater a fome em áreas de difícil acesso, em grande parte rurais. A esquerda paquistanesa está exigindo que o governo impeça a onda de austeridade e inflação que certamente exacerbará a crise humanitária.
No verão de 1970, inundações repentinas na região montanhosa do Baluchistão causaram grandes danos. Alguns meses depois, nas eleições gerais, o poeta Gul Khan Nasir, do Partido Nacional Awami, ganhou um assento na assembleia provincial do Baluchistão e tornou-se ministro da educação, saúde, informação, bem-estar social e turismo. Gul Khan Nasir colocou suas convicções marxistas para trabalhar na construção da capacidade social do povo balúchi (incluindo a criação da única escola de medicina na capital da província, Quetta). Expulso do cargo por meios antidemocráticos, Nasir foi mandado de volta para a prisão, um lugar com o qual se havia familiarizado nos anos anteriores. Lá, ele escreveu seu hino, ‘Demaa Qadam’ [Marchar adiante]. Uma de suas estrofes, 50 anos depois, parece descrever o zeitgeist em sua terra natal:
Se o céu acima de suas cabeças
fica cheio de ira, cheio de fúria,
trovões, chuva, relâmpagos e vento.
A noite torna-se escura como breu.
O chão se torna como fogo.
Os tempos tornam-se selvagens.
Mas seu objetivo continua o mesmo:
Marchar, marchar, marchar adiante.
Cordialmente,
Vijay.
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