Construiremos o futuro: um plano para salvar o planeta

Dossiê n. 48

O fato mais escandaloso da atualidade é que 2,37 bilhões de pessoas estão tendo dificuldade em se alimentar. A maioria delas está nos países em desenvolvimento, mas muitas estão em Estados industriais avançados. Os governos dos países desenvolvidos afirmam que não há dinheiro suficiente para abolir a fome ou qualquer uma das outras mazelas da era moderna, seja analfabetismo, problemas de saúde ou falta de moradia. No entanto, durante a pandemia, os bancos centrais desses países garantiram 16 trilhões de dólares para proteger o oscilante sistema capitalista. Recursos estavam prontamente disponíveis para salvar empresas, mas não para pessoas famintas: essa é a bússola moral de nossos tempos.

Nesse período, os institutos de pesquisa dos Estados capitalistas criaram novas entidades e publicaram uma série de relatórios oferecendo supostos remédios para “salvar o capitalismo”. Entre essas novas instituições estão o Council for Inclusive Capitalism [Conselho por um Capitalismo Inclusivo] (cujos parceiros incluem o Banco da Inglaterra e o Vaticano) e o B Corporation Movement [Movimento Corporativo B]. O Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) e o Financial Times defenderam uma “grande reinicialização” para tornar o capitalismo “mais inclusivo”. “A pandemia representa uma rara, mas estreita janela de oportunidade para refletir, reimaginar e redefinir nosso mundo”, diz o fundador e presidente executivo da WEF, Klaus Schwab. Aqueles que nos levaram ao limiar da extinção e aniquilação afirmam que sabem como consertar nosso mundo. Como esperado, seu “capitalismo inclusivo” não oferece um programa claro, nada além de retórica vazia.

Enquanto isso, em meados de 2021, vinte e seis institutos de pesquisa de todo o mundo começaram a se reunir e discutir a produção de um esboço de um programa para enfrentar a crise atual. Sob a liderança da Aliança Bolivariana para os Povos de Nuestra América – Tratado de Comércio Popular (Alba-TCP), nossos encontros levaram à elaboração do documento Um plano para salvar o planeta, que publicamos neste dossiê. O objetivo é que ele seja discutido e debatido.

Um dos pontos-chave de diferenciação entre Um Plano para Salvar o Planeta e os vários documentos do “capitalismo inclusivo” é que não acreditamos que o capitalismo é um sistema que possa beneficiar a humanidade – independentemente de estar sendo apresentado com uma suposta cara nova – e tampouco acreditamos que o dilema que enfrentamos possa ser atribuído a uma “crise do coronavírus”. Em vez disso, argumentamos que estamos enfrentando uma crise do capitalismo em geral, uma crise que só pode ser superada por uma mudança em direção a um sistema projetado em torno das necessidades da classe trabalhadora e do campesinato e das exigências de um mundo natural sustentável. A maior parte deste dossiê apresentará nossa orientação, princípios e horizonte. Esta introdução examina os argumentos do “capitalismo inclusivo” e revela como – ao fim e ao cabo – eles procuram obsessivamente desviar a atenção das falhas do capitalismo e culpam a China por todos os seus males.

 

 

A crise do capitalismo

Ao chamá-la de “crise do coronavírus”, os gestores do capitalismo estão sugerindo que a pandemia é a culpada pela decadência econômica global e não a própria ordem social. Isso tem duas consequências: primeiro, esconde a crise do capitalismo; em segundo lugar, atribui a piora das condições da classe trabalhadora à pandemia, e não a um sistema que busca maximizar o lucro acima de tudo.

Quando a pandemia eclodiu, as esvaziadas instituições do Estado e da sociedade nos países capitalistas desmoronaram. A pandemia jogou luz na podridão, mas não a criou. A erosão de longo prazo das instituições do Estado e da vida social, na verdade, foi produto de uma crise estrutural com três dimensões centrais:

  1. A crise geral do capitalismo, infligida ao sistema pela ferocidade da competição e pela motivação do lucro. Essa crise secular é capaz de altos e baixos periódicos, com a recuperação baseada na eliminação dos capitalistas mais fracos, no desenvolvimento de novas formas de exploração e na criação de novos mercados.
  2. A crise engendrada pelo neoliberalismo, por meio do qual as classes capitalistas exercem seu poder sobre o Estado para reduzir sua capacidade de intervir no mercado e de garantir serviços sociais para a força de trabalho, o que inclui cortes drásticos em investimentos em saúde e bem-estar social.
  3. A crise-depressão prolongada que se seguiu ao colapso financeiro de 2007-08, cujo impacto permanece profundamente enraizado na estrutura da financeirização e no sistema da cadeia de valor global. O lucro das finanças é maior do que o da manufatura, o que direciona o investimento para setores não produtivos; o sistema da cadeia de valor global impulsiona empregos produtivos para áreas do mundo onde os salários são mantidos indecentemente baixos pelas pressões do imperialismo.

Essas três dimensões da crise infligiram um golpe sério ao capitalismo, cada uma com um ritmo diferente. A recuperação parece impossível de ser alcançada, a menos que um conjunto de novas tecnologias surja para aumentar a produtividade e o crescimento do emprego nos Estados capitalistas avançados. Setores oportunistas da classe capitalista estão fazendo uso do discurso da mudança climática para direcionar fundos públicos para mãos privadas, em uma tentativa de modernizar o capitalismo.

Como sinal do problema, a dívida total em 2007 era de 269% do PIB mundial; ao final de 2020, atingiu 331%. Os mercados financeiros vivem em outro planeta. As bolhas financeiras continuam a inflar, com o capital ocioso sendo escoado para instrumentos cada vez mais arriscados. Enquanto isso, as condições de trabalho são uberizadas: os trabalhadores são forçados a condições precárias, muitas vezes sem contratos ou qualquer proteção, absorvendo todos os riscos enquanto os capitalistas colhem os lucros.

A crise permitiu às empresas capitalistas “reformarem” os mercados de trabalho em todo o mundo, erodir as proteções trabalhistas e uberizar todos os tipos de trabalho. O aprofundamento do capitalismo de plataforma agora é rotina (em 2020, havia cinco vezes mais empresas de plataformas que em 2010). Novas leis foram aprovadas e as regulamentações, enfraquecidas em nome da aceleração dos produtos ao longo da obstruída cadeia de suprimentos até o mercado. Se esta crise é devido ao coronavírus, então essas medidas de “emergência” devem ser retiradas quando a pandemia terminar. Mas não é o que acontecerá. O que o capital ganha, mesmo em uma emergência, ele retém. Nada é devolvido aos trabalhadores sem uma grande luta. Algumas das formas mais comuns de erosão dos direitos trabalhistas incluem empregadores que assumem o controle dos procedimentos de demissão, dos salários, das horas de trabalho e das condições de trabalho, ao mesmo tempo que dão preferência a trabalhadores que não podem negociar e obter coletivamente proteções sociais, tirando vantagem dos desenvolvimentos tecnológicos para fragmentar os trabalhadores ao longo do processo de produção e facilitar, para as empresas, a tarefa de travar os esforços de organização do trabalho. Esses são dois sintomas do período atual: o capital esconde sua crise sistemática por trás da pandemia e usa a pandemia para obter ganhos à custa do trabalho.

Apesar desse esforço conjunto para desviar a culpa do capitalismo, até mesmo os críticos liberais estão tendo que reconhecer que há sérios problemas com o sistema. Duas questões são amplamente reconhecidas na literatura hegemônica:

  1. O aumento das taxas de desigualdade é uma ameaça à estabilidade social. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – composta pelos 38 países mais ricos do planeta – admite que a desigualdade de renda entre seus membros está “em seu nível mais alto desde a última metade do século. A renda média dos 10% mais ricos da população é cerca de nove vezes a dos 10% mais pobres em toda a OCDE; há 25 anos, em comparação, era de sete vezes”. Isso apenas dentro da OCDE. Se olharmos para a desigualdade global, o 1% mais rico do mundo tem mais do que o dobro da riqueza de 6,9 bilhões de pessoas. Colocando de forma ainda mais clara, 22 dos homens mais ricos do mundo têm mais riqueza que todas as mulheres na África. Essa extrema desigualdade produz imensos problemas sociais.
  2. A atividade econômica está cada vez mais divorciada das instituições democráticas. Como os ricos acumulam a maior parte da riqueza do mundo, inundando a política nos Estados capitalistas avançados com seu dinheiro, eles definem as políticas públicas. A democracia está erodida. E mais: à medida que a atividade econômica ocorre cada vez mais além da regulamentação governamental, vastas áreas da vida social são empurradas para fora do alcance do escrutínio democrático e entregues a tecnocratas e corporações. Isso permite que as empresas se comportem de maneira profundamente autoritária, como o uso de práticas trabalhistas que abusam do corpo humano sem limites. Implica também uma grave crise do Estado burguês, uma vez que grande parte da população já não acredita em atividades democráticas básicas como o voto.

Os gestores dos Estados capitalistas avançados estão cientes da crise, estão até mesmo assombrados por ela. No entanto, eles querem desviar a atenção de qualquer resposta genuína, o que inevitavelmente colocaria em questão o próprio sistema. Em vez disso, eles desenvolveram o costume de culpar a China.

 

 

A culpa é da China

Uma pesquisa de 2020 feita por Edelman descobriu que 56% das pessoas em todo o mundo concordam com a afirmação: “o capitalismo como existe hoje faz mais mal que bem no mundo”. A opinião pública parece ansiosa para olhar para o sistema em vez de usar a China como bode expiatório; mas as potências capitalistas desejam disputar a atenção por meio de uma Nova Guerra Fria. As mesmas narrativas são frequentemente utilizadas:

  1. A crise é causada pela pandemia, cujo responsável é a China.
  2. A crise é ocasionada pelas trapaças da China no comércio mundial; ou porque a China e a Índia produzem mercadorias baratas externalizando custos de energia por meio da poluição de carbono; ou por causa do avanço da tecnologia chinesa, que tem prejudicado a segurança global.

Cada uma dessas narrativas são falsas. A primeira – de que a pandemia é a culpada pela crise – já foi abordada anteriormente, quando tratamos das três dimensões da crise capitalista de longo prazo. As acusações de violações chinesas de regras de comércio e de propriedade de tecnologia também estão equivocadas (até a revista Foreign Policy rejeita essa visão, reconhecendo, em vez disso, que o jogo comercial é “manipulado”).

A Nova Guerra Fria desenvolvida e aprofundada pelo Ocidente tem quatro impactos imediatos:

  1. Desvia a atenção dos traumas que o capitalismo inflige à classe trabalhadora nas sociedades capitalistas.
  2. Permite que os Estados capitalistas avançados gerem uma imensa quantidade de propaganda contra a China, acusando-a de violações dos direitos humanos e de ser uma ameaça à segurança global.
      1. Isso permite que o Ocidente esconda notícias de que a China erradicou a pobreza extrema ou que conseguiu controlar a pandemia. As notícias anti-China não têm como alvo apenas o país asiático; são pensadas para impedir qualquer pensamento de uma alternativa ao discurso do “capitalismo inclusivo” propagado pelo Ocidente.
      2. Isso dá suporte à tentativa do Ocidente de minar qualquer envolvimento benéfico da China no Terceiro Mundo, como o anúncio do presidente Xi de um investimento de 40 bilhões de dólares e a doação de 1 bilhão de doses de vacinas contra a Covid-19 para o continente africano, espalhando o medo sobre a natureza supostamente insidiosa da influência chinesa.
  3. Ele impulsiona a expansão da já massiva indústria de armas, empurrando mais armas para os governos de Estados capitalistas avançados e seus aliados. As vendas de armas aumentaram durante a pandemia, de acordo com o Stockholm International Peace Research Institute, e os EUA continuam a dominar o comércio de armas: 54% das vendas entre as 100 maiores empresas de armas em 2020 foram de fabricantes estadunidenses, e os EUA têm, de longe os maiores gastos militares do mundo, respondendo por quase 1 trilhão de dólares – 39% dos gastos militares mundiais. Em contraste com os EUA, a China usa seus gastos militares para defender suas fronteiras, não para ameaçar outros países. No entanto, a natureza da mídia ocidental é tal que trata a defesa da China de suas próprias fronteiras como uma ameaça à ordem ocidental.
  4. Isso aumenta as ameaças militares de maneira severa e pode levar a um estopim. Esse militarismo inclui o fortalecimento do Quad na Ásia, o aumento da frequência das chamadas missões de “liberdade de navegação” no Mar da China Meridional, o anúncio do acordo de submarino nuclear AUKUS e as novas manobras de interoperabilidade do Comando Indo-Pacífico dos Estados Unidos com outros países da região. Inclui também os jogos de guerra dos EUA no Caribe – como o recém-concluído Tradewinds 2021, na Guiana, e o Panamex 2021, no Panamá, ambos demonstrações de força para os Estados latino-americanos que desejam defender sua soberania e buscar relações construtivas com a China.

Do ponto de vista do Terceiro Mundo, a emergência da China como entidade no cenário global oferece uma alternativa à agenda de desenvolvimento impulsionada pelo Fundo Monetário Internacional. Nas últimas cinco décadas, o FMI avançou com uma estrutura de política que recebeu muitos nomes, mas continua sendo melhor descrita por seu apelido original: políticas de ajuste estrutural. O FMI diz aos governos do mundo em desenvolvimento que não dará boas classificações de crédito, a menos que esses países ajustem estruturalmente suas políticas internas. O ajuste estrutural consiste em privatizar os serviços públicos, construir regimes de metas de inflação, liberalizar a política comercial (incluindo subsídios e cortes tarifários) e cortar gastos para o desenvolvimento humano. Essas políticas corroeram a soberania nacional, aumentaram o sofrimento para a maioria da população, endureceram as hierarquias de gênero, já que aumentou o trabalho de cuidado para as mulheres, e destruíram importantes infraestruturas sociais – tudo isso enquanto os detentores de títulos ricos em países desenvolvidos continuaram a exigir que o fardo da dívida seja pago. Durante a pandemia, a Oxfam descobriu que “64 dos países mais pobres do mundo gastaram mais no pagamento de dívidas aos países ricos e instituições financeiras do que em saúde”. Desde 1960, os países desenvolvidos drenaram 152 trilhões de dólares do mundo em desenvolvimento: essa é a melhor ilustração do impacto da forma de desenvolvimento do FMI. É por isso que 30% da população peruana, de 33 milhões de pessoas, vive na pobreza, por exemplo.

Está claro que o modelo de austeridade-privatização do FMI está sendo desafiado pelo modelo de desenvolvimento de investimento da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR, ou a Nova Rota da Seda). Por cinquenta anos, o FMI se posicionou como a única opção para o desenvolvimento econômico e promoveu o neoliberalismo como a única estrutura política. Em contraste, o ICR – com uma agenda moldada em torno de investimento em infraestrutura e desenvolvimento humano – oferece uma escolha aos países do Sul Global. O surgimento da ICR como alternativa ao FMI fez com que os EUA contestassem o surgimento de investimentos chineses no mundo em desenvolvimento, não apenas na América Latina, mas também em partes da Ásia e da África. Países como Argentina, Bolívia, Cuba, Nicarágua, Venezuela e Peru acolhem de bom grado as opções oferecidas pela ICR. Em breve, chegará o dia em que os países do Sul não terão que ir com o chapéu na mão aos credores governamentais, como o Clube de Paris, e aos credores privados, como o Clube de Londres, e implorar pelo alívio da dívida, nem terão que atender os caprichos das missões de estudo do FMI, que vêm por alguns dias e fazem um julgamento duradouro sobre um país. Projetos de desenvolvimento soberanos precisam de espaço para serem idealizados; o espaço aberto pela ICR deve permitir que os países do Sul sonhem com seus próprios caminhos. Esse é o benefício líquido da ascensão da China e da competição comercial que ela cria com o Ocidente.

 

 

Luta de classes global

À medida que a crise do capitalismo se intensifica, o mesmo ocorre com a luta de classes global. Aqui estão três exemplos-chave do atual momento:

      1. A luta dos agricultores indianos: os agricultores indianos se posicionaram contra três leis agrícolas que teriam efetivamente uberizado a produção agrícola. Eles lutaram por um ano para forçar o governo indiano a anular essas leis e ganharam, mas eles estão indo além, lutando por preços mínimos de apoio, eletricidade subsidiada e uma série de outras reivindicações que levariam o governo a um papel mais intervencionista e social no sistema agrícola. Os agricultores reconhecem que essa é uma luta existencial, por isso não vão recuar.
      1. Make Amazon Pay [Faça a Amazon pagar]: essa campanha internacional que abrange desde trabalhadores de confecções em Bangladesh e Camboja até trabalhadores de entregas na Itália e nos Estados Unidos visa forçar a empresa a pagar “salários justos, seus impostos e por seu impacto no planeta”. A Amazon é uma empresa de 1 trilhão de dólares que pagou apenas 1,2% de imposto em seu país de origem, os EUA, em 2019 e retém indenizações de trabalhadores na Ásia. No Camboja, os trabalhadores da Hulu Garment foram fraudados em 3,6 milhões de dólares em indenizações; ao todo, os trabalhadores do setor de confecções em todo o Camboja precisam receber 393 milhões de dólares em salários pendentes e indenizações acumuladas durante a pandemia. A militância aumentou em toda a cadeia de valor global.
      1. A luta dos profissionais de saúde: profissionais de saúde dos Estados Unidos e África do Sul, passando pela Grécia, Quênia, Guiné-Bissau, Polônia e Turquia realizaram greves para chamar a atenção para os baixos salários e as péssimas condições de trabalho. Na Grécia, os sindicatos lutaram contra a privatização dos hospitais e a uberização dos trabalhadores da saúde. Enquanto isso, enfermeiras de 28 países apresentaram uma queixa contra “criminosos da Covid-19” nas Nações Unidas, dizendo: “esses países violaram nossos direitos e os direitos de nossos pacientes – e causaram a perda de inúmeras vidas – de enfermeiras e outros cuidadores e daqueles de quem cuidamos”. No ano passado, sindicatos brasileiros da área de saúde levaram o governo de Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional e o acusaram de crimes contra a humanidade.

Estamos operando com o pressuposto, entretanto, de que, embora existam as condições objetivas para a intensificação da luta de classes, as condições subjetivas não estão facilmente disponíveis. Parte disso tem a ver com a tendência do capitalismo de gerar uma consciência reformista entre a classe trabalhadora ou de impulsionar uma ideologia chauvinista entre os trabalhadores. O reformismo favorece tanto os setores social-democratas quanto os neoliberais, que fazem promessas de empreendedorismo para atrair sonhos de mobilidade ascendente; o chauvinismo é a moeda da extrema direita, embora ambas as tendências sejam adotadas pela gama de atores políticos burgueses.

Nossos movimentos ao redor do mundo enfrentam diretamente as limitações do reformismo e do chauvinismo. Um Plano para Salvar o Planeta, o documento no qual este dossiê se baseia, é uma contribuição para a contínua batalha de ideias que é uma parte fundamental da luta de classes global. Esse documento, que apenas amplifica as vozes das organizações de trabalhadores e camponeses, já começou a estimular o debate entre as forças do progresso. É a partir das grandes lutas de nosso tempo – que levantam essas idéias e as tornam materiais – que aumentaremos nossa confiança e nosso poder de construir um sistema que nos permitirá ser humanos e permitirá que a natureza prospere.

 

 

 

 

Um plano para salvar o planeta

Setembro de 2021

 

Prefácio

Sacha Llorenti

Quase cinco milhões e meio de pessoas morreram infectadas pela covid-19. Essa tragédia global é a lente através da qual devemos analisar como e a favor de quem funciona o sistema que impera no planeta.

A pandemia conseguiu condensar, em poucos meses, fenômenos políticos, econômicos e sociais cujas consequências, em outras circunstâncias, se advertem há muitos anos.

A precariedade trabalhista, o déficit nos sistemas de saúde, a desigualdade, as relações Norte-Sul, a debilidade da Organização das Nações Unidas (ONU) para enfrentar de forma coordenada um esforço coletivo, o uso das medidas coercitivas unilaterais como uma arma de controle e castigo exemplar contra muitos povos, a vulnerabilidade da economia global e o papel do Estado constituem algumas das características claramente ampliadas sob a lente do fenômeno da pandemia.

O caráter multidimensional e existencial das crises que a humanidade e a vida no planeta enfrentam nos obriga a construir e fortalecer todos os espaços de encontro possíveis para que, de maneira coletiva, construamos um horizonte comum, interseccional e inclusivo, que nos permita recuperar a iniciativa social e política.

Nesse contexto, a Secretaria Executiva da ALBA-TCP junto com o Instituto Simón Bolívar para a Paz e a Solidariedade entre os Povos e o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social tomamos a iniciativa de realizar um encontro de centros de pensamento com o propósito de levar adiante a ambiciosa e urgente tarefa de elaborar Um plano para salvar o planeta.

Depois de várias semanas de trabalho, temos diante de nós um conjunto sistematizado de propostas, que nos permite fazer uma alteração de rota e assim mudar o rumo para o qual o sistema capitalista está levando a nossa espécie e a todos os seres vivos que habitam o nosso planeta.

Esse documento já tem vida própria e pertence a todas as pessoas e a todos os coletivos que queiram enriquecê-lo e convertê-lo em um instrumento de luta contra o imperialismo, o colonialismo e o capitalismo.

 

Introdução

Carlos Ron e Vijay Prashad

Ao longo desta pandemia, cresceu a consciência sobre a fragilidade da sociedade humana. Muitas partes do mundo ruíram diante da covid-19, enquanto a concretude das mudanças climáticas nos apresentou a realidade de que várias espécies de plantas e animais foram e estão sendo extintas. Entre a aniquilação e a extinção está o destino do planeta.

Sacha Llorenti, secretário-geral executivo da ALBA-TCP, reuniu um grupo de institutos de pesquisa para elaborar Um plano para salvar o planeta. Esse plano deveria ser escrito a partir de uma perspectiva centrada nos povos, contra a abordagem centrada no lucro de instituições internacionais, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Fórum Econômico Mundial. Este documento surge dessa demanda.

 

O que é a ALBA-TCP?

A Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, ou ALBA, nasceu em 2004, em Havana, Cuba, quando uma declaração conjunta e um acordo de implementação foram assinados pelos comandantes Hugo Chávez Frías e Fidel Castro Ruz. Em abril de 2006, a Bolívia aderiu à Aliança, complementando seus princípios, e foi incorporado o Tratado de Comércio dos Povos (TCP), que propõe o comércio baseado na complementaridade, solidariedade e cooperação.

A ALBA-TCP é um órgão interestatal composto por nove Estados que promove o duplo objetivo de soberania em relação à dominação externa e de integração para o avanço interno. Alguns desses métodos de integração incluem o desenvolvimento de uma moeda regional comum para reconciliar o comércio inter-regional (o Sucre), a criação de empresas regionais de energia para promover objetivos sociais (PetroCaribe e PetroSur) e o estabelecimento de uma rede de televisão para democratizar o sistema global de comunicações (TeleSur). A ALBA-TCP faz parte de um conjunto de dinâmicas regionais que promovem a soberania e a integração, incluindo a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

 

O que é a rede de institutos de pesquisa?

Para desenvolver Um plano para salvar o planeta, a ALBA-TCP trabalhou com dois institutos de pesquisa: o Instituto Simón Bolívar pela Paz e Solidariedade entre os Povos e o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Nossos dois institutos reuniram outros centros de pesquisa com os quais trabalhamos ao longo dos anos e estabeleceram uma rede para a construção deste documento. Essa rede é um encontro informal que foi fortalecido pelo nosso trabalho comum e que conduzirá a mais projetos coletivos no futuro. Se outros institutos de pesquisa estiverem interessados em ingressar nessa rede, escreva para [email protected]

 

O que é Um plano para salvar o planeta?

Em 1974, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução chamada Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), desenvolvida pelo Movimento dos Não-Alinhados, o G-77 e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Essa resolução foi baseada na “equidade, igualdade soberana, interdependência, interesse comum e cooperação entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas econômicos e sociais, que devem corrigir as desigualdades e reparar as injustiças existentes, permitindo eliminar o fosso cada vez maior entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, e garantir uma aceleração constante do desenvolvimento econômico e social, paz e justiça para as gerações presentes e futuras”. Não há nada a ser atualizado em relação a esses sentimentos.

O enfraquecimento do Projeto do Terceiro Mundo, o fim da União Soviética (URSS) e do sistema de Estado comunista na Europa Oriental e o colapso da social-democracia nos países capitalistas avançados significaram que a NOEI – e toda a sua agenda de desenvolvimento – foram deixados de lado. Em seu lugar, surgiu a agenda de austeridade e segurança (guerra) neoliberal. O estabelecimento da Comissão do Sul sob a liderança de Julius Nyerere, entre 1987 e 1990, foi uma tentativa de ressuscitar a NOEI, mas seu documento final, O Desafio para o Sul, não recebeu a atenção séria que exigia. Um plano para salvar o planeta é elaborado na tradição da NOEI (1974) e de O Desafio do Sul (1990).

Um plano para salvar o planeta é um texto provisório, um rascunho construído a partir das análises e reivindicações dos movimentos e governos populares. Deve ser lido e discutido, para ser criticado e desenvolvido cada vez mais. Este é o primeiro rascunho de muitos que virão. Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected] com suas críticas e sugestões, pois este é um documento vivo que acabará avançando por meio de nossos movimentos e nossas instituições, construindo uma resolução nas Nações Unidas para salvar o planeta.

 

Um plano para salvar o planeta

Inseguranças de vários tipos dominam o planeta. O impacto da pandemia de covid-19 produziu a maior retração econômica desde a Grande Depressão. Essa queda não se reflete nos preços das ações ou nos relatórios de lucros das principais empresas multinacionais, mas nos dados sobre desemprego e desigualdade, no aumento da fome e dos sentimentos de desolação e raiva. Estima-se que centenas de milhões de pessoas serão empurradas para a pobreza absoluta pelo impacto da pandemia de covid-19. Este é apenas um dos fatos em meio a uma avalanche de más notícias para aqueles que estão assistindo a queda de muitos países em dívida catastrófica e desespero. Um programa de emergência global deve ser realizado para prevenir esse resultado. É crucial que os países deixem de lado as estreitas preocupações nacionalistas e se engajem em uma resposta comum e cooperativa a esta crise.

Três apartheids – financeiro, sanitário e alimentar – governam a situação imediata no mundo:

Apartheid financeiro. A dívida externa dos países em desenvolvimento é superior a 11 trilhões de dólares, com projeções de que os pagamentos do serviço da dívida chegarão a quase 4 trilhões até o final de 2021. Em 2020, 64 países gastaram mais com o serviço da dívida do que com saúde. Houve uma conversa modesta sobre a suspensão do serviço da dívida, com uma pequena assistência de várias agências multilaterais. Essa conversa acompanha a política do Fundo Monetário Internacional (FMI) para que os Estados peguem mais dinheiro emprestado, já que as taxas de juros estão baixas. Em vez de emprestar mais, por que não simplesmente cancelar a dívida externa total e, ao mesmo tempo, incorporar os pelo menos 37 trilhões de dólares em paraísos fiscais ilícitos? A palavra que costuma ser usada para definir o cancelamento da dívida é “perdão”. No entanto, não há nada a perdoar, já que essa dívida é consequência de uma longa história de roubo colonial, expropriação imperialista e pilhagem. Os países mais ricos podem tomar empréstimos com taxas de juros baixas, quase a zero, enquanto o mundo em desenvolvimento paga taxas abusivas e tem dívidas odiosas para pagar com fundos preciosos que deveriam ser destinados ao combate à pandemia de covid-19.

Apartheid sanitário. O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que o mundo está à beira de um “fracasso moral catastrófico”. Ele estava se referindo ao nacionalismo e à acumulação de vacinas. Os Estados do Atlântico Norte (Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e muitos Estados europeus) ignoraram o apelo da Índia e da África do Sul para suspender as regras de propriedade intelectual relacionadas à vacina. Esses Estados do Norte têm subfinanciado o projeto Covax, que, como resultado, corre um alto risco de fracassar, com expectativas crescentes de que muitas pessoas nos países em desenvolvimento não verão uma vacina antes de 2023. Enquanto isso, os Estados do Norte acumularam vacinas: só o Canadá acumulou reservas de cinco vacinas por habitante, tirando algumas dessas vacinas da Covax. Ghebreyesus chama isto de “apartheid vacinal”.

Apartheid alimentar. A fome no mundo, que havia diminuído de 2005 a 2014, começou a aumentar desde então, com a China – que erradicou a pobreza extrema em 2020 – como uma grande exceção a essa tendência global. A fome mundial está agora nos níveis de 2010. O relatório de 2021 da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo, observa que “quase uma em cada três pessoas no mundo (2,37 bilhões) não tinha acesso a alimentos adequados em 2020 – um aumento de quase 320 milhões de pessoas em apenas um ano”. A fome é insuportável. O Programa Mundial de Alimentos da ONU projeta que o número de pessoas que passam fome pode dobrar antes que a pandemia seja contida por completo, “a menos que uma ação rápida seja tomada”.

Qual é a causa desses três apartheids? O controle que um punhado de empresas e governos exercem sobre a economia global:

Controle sobre ciência e tecnologia
Controle sobre os sistemas financeiros
Controle sobre o acesso aos recursos
Controle sobre armamentos
Controle sobre as comunicações

Nós, uma rede de instituições de pesquisa que tem observado de perto as crises de longo prazo da austeridade neoliberal, regimes de dívida induzida e mau desenvolvimento, produzimos um conjunto de políticas voltadas para uma nova ordem mundial. Nosso plano – baseado na linha da NOEI – apresenta uma visão para o presente e o futuro imediato centrada em 12 temas principais: democracia e ordem mundial, meio ambiente, finanças, saúde, habitação, alimentação, educação, trabalho, trabalho de cuidado, mulheres, cultura e o mundo digital. Este é o esqueleto de um plano muito mais completo que produziremos no próximo ano.

 

 

 

Democracia e a ordem mundial

  1. Afirmar a importância da Carta das Nações Unidas (1945).
  2. Insistir para que os Estados membros das Nações Unidas cumpram a Carta, incluindo seus requisitos específicos sobre o uso de sanções e força (Capítulos VI e VII).
  3. Reconsiderar o poder de monopólio exercido pelo Conselho de Segurança da ONU sobre as decisões que afetam uma grande parte do sistema multilateral; envolver a Assembleia Geral da ONU em um diálogo sério sobre a democracia dentro da ordem global.
  4. Insistir para que os órgãos multilaterais – como a Organização Mundial do Comércio (OMC) – formulem políticas de acordo com a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); proibir qualquer política que aumente a pobreza, a fome, a falta de moradia e o analfabetismo.
  5. Afirmar a centralidade do sistema multilateral sobre as principais áreas de segurança, política comercial e regulamentos financeiros, reconhecendo que órgãos regionais como a OTAN e instituições limitadas como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) suplantaram as Nações Unidas e suas agências (como a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) na formulação dessas políticas.
  6. Formular políticas para fortalecer os mecanismos regionais e aprofundar a integração dos países em desenvolvimento.
  7. Impedir o uso do paradigma de segurança – notadamente, contraterrorismo e antinarcóticos – para enfrentar os desafios sociais do mundo.
  8. Limitar gastos com armas e militarismo; assegurar que o espaço seja desmilitarizado.
  9. Converter os recursos gastos na produção de armas para financiar produções socialmente benéficas.
  10. Garantir que todos os direitos estejam disponíveis para todas as pessoas, não apenas para aqueles que são cidadãos de um Estado; esses direitos devem se aplicar a todas as comunidades até então marginalizadas, como mulheres, povos indígenas, pessoas não brancas, migrantes, pessoas sem documentos, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQ+, castas oprimidas e pobres.

 

 

O meio ambiente

  1. Com base na formulação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, obrigar os países desenvolvidos que carregam a responsabilidade histórica de ter causado a catástrofe climática a reduzirem rapidamente suas emissões de carbono para impedir que as temperaturas globais aumentem acima do limite crítico de 1,5 °C
  2. Exigir que os países desenvolvidos reduzam as emissões médias de carbono per capita para um máximo de 2,3 toneladas até 2030, que é o que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas avalia ser a média global necessária para limitar o aquecimento global a 1,5 °C.
  3. Garantir que os países desenvolvidos do Norte global forneçam compensação climática pelas perdas e danos causados por suas emissões de carbono e financiem fortemente a infraestrutura pública para substituir a dependência de energia baseada em carbono.
  4. Cumprir as promessas do Acordo de Paris sobre Mudança Climática de que os países desenvolvidos forneçam 100 bilhões de dólares por ano para atender às necessidades dos países em desenvolvimento. Essas necessidades incluem adaptação e resiliência ao impacto real e desastroso da mudança climática, que já está sendo suportado por países em desenvolvimento (particularmente países de baixa altitude e pequenos Estados insulares).
  5. Transferir tecnologia e financiamento para países em desenvolvimento para mitigação e adaptação de sistemas de energia baseados em carbono.
  6. Exigir que os países desenvolvidos responsáveis por poluir as águas, o solo e o ar com resíduos tóxicos e perigosos – incluindo resíduos nucleares – arquem com os custos de despoluição e parem de produzir e usar resíduos tóxicos.
  7. Sob uma definição coerente, revisada e ajustada às urgências imediatas dos países em desenvolvimento, elaborar um programa de transição rumo a um paradigma capaz de mitigar e adaptar os sistemas de energia baseados no carbono. Isso deve ser combinado com canais de financiamento racionais para os países em desenvolvimento, incluir o envolvimento direto destes e ser ajustado de acordo com a escala de necessidades e disposição para coordenar o financiamento. Esse roteiro para um paradigma combinado com os principais países, em qualquer caso, precisaria fornecer a matéria-prima para qualquer transição energética no futuro próximo.

 

 

 

Finanças

 

  1. Renegociar todas as dívidas externas odiosas dos países em desenvolvimento.
  2. Iniciar discussões sobre reparações por pilhagem colonial, incluindo escravidão.
  3. Apreender ativos mantidos em paraísos fiscais ilícitos.
  4. Adotar limites para as taxas de juros que os credores comerciais e multilaterais cobram dos países em desenvolvimento.
  5. Desestimular as atividades de transferência de lucros das corporações multinacionais e adotar uma abordagem unitária para tributar a parcela dos lucros globais gerados pelas subsidiárias das corporações multinacionais.
  6. Implementar impostos sobre riqueza e herança.
  7. Implementar taxas mais altas de tributação sobre a renda, como ganhos de capital, feitos por meio de especulação financeira por todas as entidades corporativas não bancárias.
  8. Democratizar o sistema bancário, expandindo o papel e o tamanho dos bancos públicos e implementando mais regulamentação e transparência para os bancos privados.
  9. Aplicar limites em porcentagens das responsabilidades sobre a atividade bancária especulativa dos bancos comerciais.
  10. Regular as taxas de juros que os bancos cobram por bens específicos, como empréstimos para habitação.
  11. Definir controles de capital para evitar a fuga de capitais.
  12. Criar alternativas centradas nas pessoas ao financiamento do FMI e do Banco Mundial para programas de desenvolvimento.
  13. Incentivar a criação de mecanismos de reconciliação comercial regional.
  14. Implementar regulamentações rígidas para os fundos de pensão, de modo que as poupanças das pessoas não sejam usadas imprudentemente para especulação financeira; incentivar a criação de fundos de pensão do setor público.

 

 

Saúde

 

  1. Avançar na proposta de uma vacina popular para a covid-19 e para doenças futuras.
  2. Remover os controles de patentes sobre medicamentos essenciais e facilitar a transferência tanto do conhecimento médico quanto da tecnologia para os países em desenvolvimento.
  3. Desmercantilizar, desenvolver e aumentar o investimento em sistemas públicos de saúde robustos.
  4. Desenvolver a produção farmacêutica do setor público, principalmente nos países em desenvolvimento.
  5. Formar um Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Ameaças à Saúde.
  6. Apoiar e fortalecer o papel que os sindicatos dos trabalhadores da saúde desempenham no local de trabalho e na economia.
  7. Assegurar-se de que as pessoas de territórios desfavorecidos e de áreas rurais tenham acesso à formação para se tornarem médicas.
  8. Ampliar a solidariedade médica, inclusive por meio da Organização Mundial da Saúde e de plataformas de saúde associadas, a órgãos regionais.
  9. Mobilizar campanhas e ações que protejam e ampliem os direitos reprodutivos e sexuais.
  10. Cobrar um imposto de saúde sobre grandes empresas que produzem bebidas e alimentos amplamente reconhecidos por organizações internacionais de saúde como prejudiciais às crianças e à saúde pública em geral (como aqueles que causam obesidade ou outras doenças crônicas).
  11. Limitar as atividades promocionais e despesas de publicidade de empresas farmacêuticas.
  12. Construir uma rede de centros de diagnóstico acessíveis e financiados com recursos públicos, e regular estritamente a prescrição e os preços dos testes de diagnóstico.
  13. Fornecer atendimento psicológico como parte dos sistemas públicos de saúde.

 

 

 

Habitação

  1. Garantir a construção de moradias suficientes, com ênfase no desenvolvimento de diversos bairros com uma mistura de zonas residenciais e comerciais.
  2. Determinar controles de aluguel em unidades habitacionais destinadas à locação.
  3. Transformar propriedades ociosas em centros comunitários ou unidades habitacionais.
  4. Construir e reaproveitar empreendimentos habitacionais ligados aos sistemas de transporte público, para reduzir a necessidade de transporte privado, como carros.
  5. Exigir que todos os edifícios acima de 2 mil metros quadrados tenham telhados verdes ou painéis solares.
  6. Desenvolver novas unidades habitacionais com materiais inovadores que demonstrem resistência térmica.

 

Alimentação

 

  1. Melhorar os sistemas alimentares nacionais e regionais.
  2. Rever e revogar acordos bilaterais e multilaterais que proíbem ou penalizam os sistemas públicos de alimentos e as compras públicas de alimentos.
  3. Garantir que os países desenvolvidos que usam mecanismos do comércio internacional para impedir que os países em desenvolvimento subsidiem sua agricultura sejam proibidos de seguir políticas hipócritas, como as que subsidiam seus próprios agronegócios; aplicar as regras da OMC para facilitar o desenvolvimento e não para subordinar os países em desenvolvimento.
  4. Redistribuir a terra, reconhecendo-a como um recurso comum do povo; limitar o tamanho da propriedade da terra e colocar limites nas propriedades de famílias e empresas.
  5. Desenvolver irrigação sustentável com financiamento público e infraestrutura relacionada, para ajudar os agricultores a cultivarem em condições climáticas cada vez mais extremas.
  6. Construir sistemas de distribuição pública de alimentos, com foco especial na eliminação da fome.
  7. Aumentar o apoio público aos agricultores nos países em desenvolvimento para garantir que o trabalho agrícola proporcione uma renda decente aos agricultores e trabalhadores agrícolas.
  8. Desenvolver sistemas de crédito para os agricultores para sustentar a agricultura e evitar o esgotamento da receita das unidades rurais.
  9. Aumentar a produção de alimentos do setor cooperativo e incentivar a participação popular nos sistemas de produção e distribuição de alimentos.
  10. Fornecer crédito barato, insumos subsidiados, assistência técnica gratuita e terra para o estabelecimento de propriedades rurais e mercados cooperativos.
  11. Desenvolver redes de transporte com financiamento público, incluindo instalações de armazenamento, para garantir que as pequenas propriedades possam levar seus produtos aos mercados.
  12. Garantir que alimentos saudáveis sejam colocados à disposição de escolas e creches públicas.
  13. Construir capacidade técnica e científica para uma agricultura sustentável e ecológica.
  14. Remover patentes de sementes e promover marcos jurídicos para proteger as sementes nativas contra a mercantilização do agronegócio.

 

 

 

Educação

  1. Desmercantilizar a educação, o que inclui o fortalecimento da educação pública e a prevenção da privatização da educação.
  2. Promover o papel dos professores na gestão das instituições de ensino.
  3. Garantir que setores menos privilegiados da sociedade tenham acesso à formação para se tornarem professores.
  4. Garantir acesso à eletricidade e diminuir as desigualdades digitais.
  5. Construir sistemas de internet de banda larga de alta velocidade com financiamento e controle públicos.
  6. Garantir que todas as crianças em idade escolar tenham acesso a todos os elementos do processo educacional, incluindo atividades extracurriculares.
  7. Desenvolver canais por meio dos quais os alunos participem dos processos de tomada de decisão em todas as modalidades de ensino superior.
  8. Fazer da educação uma experiência para a vida toda, permitindo que pessoas em todas as fases da vida possam desfrutar da prática de aprendizagem em vários tipos de instituições. Isso reforçará a ideia de que a educação não é apenas construir carreiras, mas construir uma sociedade que apoie o crescimento e o desenvolvimento contínuos das pessoas e da comunidade.
  9. Subsidiar a educação superior e cursos profissionalizantes para trabalhadores de todas as idades nas áreas relacionadas à sua ocupação.
  10. Tornar a educação, inclusive o ensino superior, disponível a todos em suas línguas nativas; garantir que os governos assumam a responsabilidade de fornecer materiais educacionais nas línguas nativas em seus países, por meio de traduções e outros meios.
  11. Estabelecer institutos de educação em gestão que atendam às necessidades das cooperativas nos setores industrial, agrícola e de serviços.

 

 

 

Trabalho

  1. Exigir que os governos assumam a responsabilidade de garantir que suas leis trabalhistas cumpram as convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), especialmente as convenções 87 e 98 sobre os direitos de organização e negociação coletiva.
  2. Aumentar o nível dos bens sociais – como saúde pública, educação pública e lazer público – para diminuir a pressão sobre os salários.
  3. Incentivar o princípio de salários iguais para trabalho igual.
  4. Fortalecer a cultura sindical e promover a negociação coletiva para conter o desequilíbrio inerente de poder no local de trabalho; dar aos trabalhadores uma voz democrática e evitar que os indivíduos se sintam isolados e sobrecarregados com a tarefa de melhorar seus locais de trabalho por conta própria.
  5. Certificar-se de que todos os que trabalham – incluindo aqueles na economia informal e sazonal – estejam cobertos por proteções básicas no local de trabalho.
  6. Focar na redistribuição do tempo de trabalho por meio do processo de negociação coletiva, proporcionando jornada de trabalho suficiente para todos com um salário mínimo.
  7. Garantir que todo trabalhador tenha direito a condições de trabalho saudáveis ​​e seguras; tornar os governos responsáveis ​​por garantir que os padrões de segurança sejam devidamente monitorados e aplicados.
  8. Criar centros de emprego com financiamento público para ajudar os desempregados na procura de emprego; esses centros podem estar enraizados, por exemplo, em uma rede de sindicatos de desempregados.
  9. Fornecer sistemas robustos de bem-estar social com financiamento público, sem provas de recursos ou requisitos de trabalho.
  10. Garantir pensões adequadas a todos os cidadãos em idade para se aposentar.
  11. Garantir que o Estado forneça indenizações e pensões adequadas para os feridos ou incapacitados durante o trabalho, especialmente para os trabalhadores desorganizados, precários e autônomos.
  12. Garantir que os governos promovam cooperativas de trabalhadores, contribuam para o capital inicial de tais cooperativas e garantam crédito e preços razoáveis.
  13. Desenvolver as infraestruturas dos países em desenvolvimento em colaboração com essas cooperativas, institutos públicos de pesquisa e tecnologia e bancos; garantir que uma parte significativa dos gastos do governo em infraestrutura seja alocada a essas cooperativas.
  14. Construir uma rede de transporte público barata e adequada (ônibus, trem e metrô) nas cidades para economizar o tempo dos trabalhadores e os recursos gastos em transporte.
  15. Construir uma rede de lojas de alimentos cooperativas apoiadas pelo governo nas cidades e atender aos trabalhadores migrantes, precários e desorganizados.

 

 

Trabalho de cuidado

 

  1. Melhorar os sistemas de proteção social, incluindo programas de atendimento a crianças e idosos.
  2. Construir um sistema de creches para crianças com financiamento público e administrado por bairros; criar instalações para creches depois da escola que forneçam refeições, com financiamento público e administradas pela vizinhança.
  3. Construir um sistema de instalações administradas por bairros com financiamento público para a vida social e o cuidado dos idosos.
  4. Garantir que os trabalhadores em creches e instituições para idosos recebam salários decentes, treinamento e controle sobre seu local de trabalho.

 

 

Mulheres e população LGBTQ+

  1. Nomear lideranças de organizações de mulheres da classe trabalhadora para órgãos influentes que moldam as políticas públicas.
  2. Apoiar organizações e redes de mulheres, incluindo organizações de trabalhadoras, organizações comunitárias e grupos de apoio mútuo.
  3. Reconhecer e contabilizar as trabalhadoras informais, bem como o trabalho doméstico não remunerado nas contas nacionais. Isso deve incluir mulheres trabalhadoras em setores ocultos ou invisíveis.
  4. Estabelecer políticas de licença parental remunerada.
  5. Diminuir a carga crescente de trabalho de cuidados sobre as mulheres; garantir que os pacotes de apoio financeiro considerem o trabalho de cuidado não reconhecido e não remunerado mais frequentemente realizado por mulheres, como o serviço de cuidados infantis.
  6. Fornecer ajuda imediata em dinheiro, ajuda alimentar e medidas de proteção social para mulheres trabalhadoras; garantir que as famílias chefiadas por mulheres recebam tanta ajuda quanto as famílias chefiadas por homens; e garantir que as pessoas LGBTQ+ tenham igual acesso a programas sociais e subsídios.
  7. Reconhecer as necessidades específicas das trabalhadoras de saúde, muitas das quais não são tratadas como trabalhadoras, mas como voluntárias; garantir que elas recebam compensação adequada e equipamento adequado.
  8. Fornecer crédito para cooperativas de mulheres.
  9. Criar programas para encorajar o compartilhamento do trabalho reprodutivo social no lar.
  10. Estabelecer sistemas que eliminem a violência contra mulheres e pessoas LGBTQ+; implementar planos para erradicar a violência patriarcal e garantir que as políticas econômicas não ignorem inadvertidamente o problema da violência patriarcal.
  11. Garantir que todas as pessoas tenham acesso igual a programas e serviços sociais – como o direito à moradia segura e alimentação saudável – independentemente de gênero, identidade de gênero, orientação sexual ou outras identidades excluídas.

 

 

 

Cultura

  1. Promover as ideias da Constituição da Unesco de 1945, particularmente a ideia de que a ampla difusão da cultura e da educação é indispensável para a dignidade humana e para a paz mundial.
  2. Estender o apoio público às instituições culturais que defendem os valores da dignidade, igualdade e respeitabilidade.
  3. Incentivar atividades culturais que não sejam reduzidas ao consumismo irracional.
  4. Fomentar iniciativas culturais e artísticas contra a discriminação de todas as formas (como racismo, castismo, misoginia, transfobia etc.).
  5. Endossar atividades culturais que retratam a harmonia ecológica e lutam contra a devastação dos recursos da terra para lucro privado.
  6. Estimular as artes tradicionais populares e evitar sua mercantilização e distorção por um nacionalismo cultural cruel.
  7. Defender o direito dos artistas e intelectuais à liberdade de expressão.

 

 

Mundo digital

 

  1. Lutar para estender os bens comuns globais digitais, criando acesso público a espaços controlados e regulamentados publicamente na Internet.
  2. Seguir a Resolução da ONU de 2016, que define o acesso à internet como um direito humano.
  3. Nacionalizar a infraestrutura de telecomunicações e garantir o acesso à Internet e a alfabetização digital a todos os setores da sociedade.
  4. Proteger todos os dados públicos e pessoais de exploração por corporações transnacionais; construir sistemas participativos para análise computacional e para o controle e uso de big data para fins públicos.
  5. Promover e financiar o desenvolvimento de hardware e software gratuito com foco no fornecimento de soluções para problemas públicos.

 

Rede de institutos de pesquisa:

A Rede de Institutos de Pesquisa é um coletivo formado pela ALBA-TCP, Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e Instituto Simón Bolívar pela Paz e Solidariedade entre os Povos. O texto acima faz parte de um processo iniciado por este grupo.

    1. América Latina en movimiento, ALAI (Quito, Equador)
    2. Centre for Research on the Congo (Kinshasa, DR Congo)
    3. Centro de Investigaciones de la Economía Mundial (CIEM) (Cuba)
    4. Centro de Investigaciones de Política Internacional (CIPI) (Cuba)
    5. Centro per la Riforma dello Stato (Roma, Itália)
    6. Chris Hani Institute (África do Sul)
    7. Consultation and Research Institute (Beirute, Líbano)
    8. Dominica Association of Industry & Commerce (Roseau, Dominica)
    9. Dominica State College (Roseau, Dominica)
    10. Foundation for Education in Social Transformation and Progress (Quênia)
    11. The Centre for International Gramscian Studies (GramsciLab), University of Cagliari (Itália)
    12. Instituto Simón Bolívar para la Paz y la Solidaridad entre los Pueblos (Venezuela)
    13. Internationale Forschungsstelle DDR (Berlim, Alemanha)
    14. Institute of Employment Rights (Londres, Reino Unido)
    15. Marx Memorial Library (Londres, Reino Unido)
    16. Instituto Internacional de Investigación ‘Andrés Bello’ (Bolívia)
    17. Instituto Patria (Argentina)
    18. Instituto Patria Grande (Bolívia)
    19. Instituto Samuel Robinson (Venezuela)
    20. Observatorio del Sur Global (Argentina)
    21. Research Group of the Popular Education Initiative (Acra, Gana)
    22. Sam Moyo African Institute of Agrarian Studies (Harare, Zimbábue)
    23. Society for Social and Economic Research (Delhi, Índia)
    24. Tricontinental: Institute for Social Research
      1. Instituto Tricontinental de Investigación Social (Argentina)
      2. Instituto Tricontinental de Pesquisa Social (Brasil)
      3. Tricontinental Research Services (Índia)
      4. Tricontinental South Africa
    25. University of the West Indies Open Campus (Roseau, Dominica)
    26. Uralungal Labour Contract Cooperative Society Research Institute (Vadakara, Kerala, Índia)