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Cartas Semanais

Países do Norte tem nove vezes mais poder de voto no FMI que Sul Global | Carta semanal 10 (2025)

No profundamente antidemocrático FMI, onde o poder de voto de um país não está vinculado ao tamanho da sua população, mas ao tamanho da sua economia, os EUA efetivamente detêm um veto sobre quaisquer mudanças importantes e moldam as políticas de acordo com seus caprichos.

Queridas amigas e amigos,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Sim, a manchete desta carta semanal está correta.

No que diz respeito ao Fundo Monetário Internacional (FMI), cada pessoa do Norte Global vale por nove pessoas no Sul Global. Obtemos esse cálculo a partir de dados do FMI sobre o poder de voto na organização em relação à população dos Estados do Norte Global e do Sul Global. Cada país, com base em sua “posição econômica relativa”, como o FMI sugere, recebe direitos de voto para eleger delegados para o conselho executivo do FMI, que toma todas as decisões importantes da organização. Uma breve olhada no conselho mostra que o Norte Global é amplamente super-representado nessa instituição multilateral crucial para países endividados.

Os Estados Unidos, por exemplo, têm 16,49% dos votos no conselho do FMI, apesar de representarem apenas 4,22% da população mundial. Como os Artigos do Acordo do FMI exigem 85% dos votos para fazer quaisquer alterações, os EUA têm poder de veto sobre as decisões do FMI. Como resultado, a equipe sênior do FMI se submete a qualquer política feita pelo governo dos EUA e, dada a localização da organização em Washington, frequentemente consulta o Departamento do Tesouro dos EUA sobre sua estrutura de política e decisões individuais.

Armando Reverón (Venezuela), Ranchos, 1933.

Por exemplo, em 2019, quando o governo dos Estados Unidos decidiu unilateralmente deixar de reconhecer o governo da Venezuela, pressionou o FMI a fazer o mesmo. A Venezuela — um dos membros fundadores do FMI — recorreu à instituição em busca de assistência em diversas ocasiões, pagou empréstimos pendentes em 2007 e então decidiu não mais recorrer ao fundo para obter ajuda de curto prazo (de fato, o governo venezuelano se comprometeu a construir o Banco do Sul para fornecer empréstimos-ponte para países endividados em caso de déficits no balanço de pagamentos). Durante a pandemia, no entanto, a Venezuela, como a maioria dos países, procurou sacar suas reservas de 5 bilhões de dólares em direitos especiais de saque (a “moeda” do FMI) aos quais tinha acesso como parte da iniciativa global de aumento de liquidez do fundo. Mas o FMI — sob pressão dos EUA — decidiu não transferir o dinheiro. Isso ocorreu após uma rejeição anterior de um pedido da Venezuela para acessar 400 milhões de dólares de seus direitos especiais de saque.

Embora os EUA tenham dito que o verdadeiro presidente da Venezuela era Juan Guaidó, o FMI continuou a reconhecer em seu site que o representante da Venezuela no FMI era Simón Alejandro Zerpa Delgado, então ministro das Finanças do governo do presidente Nicolás Maduro. O porta-voz do FMI, Raphael Anspach, não respondeu a um e-mail que enviamos em março de 2020 sobre a negação dos fundos, embora tenha publicado uma declaração formal de que o “envolvimento do FMI com os países membros é baseado no reconhecimento oficial do governo pela comunidade internacional”. Como não há “nenhuma clareza” sobre esse reconhecimento, escreveu Anspach, o FMI não permitiria que a Venezuela acessasse sua própria cota de direitos especiais de saque durante a pandemia. Então, abruptamente, o FMI removeu o nome de Zerpa de seu site. Isso se deveu inteiramente à pressão dos EUA.

Em 2023, no Novo Banco de Desenvolvimento (BRICS Bank) em Xangai, China, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, apontou para a “asfixia” da política do FMI quando se tratava das nações mais pobres. Falando do caso da Argentina, Lula disse: “Nenhum governo pode trabalhar com uma faca na garganta porque está endividado. Os bancos devem ser pacientes e, se necessário, renovar acordos. Quando o FMI ou qualquer outro banco empresta a um país do Terceiro Mundo, as pessoas sentem que têm o direito de dar ordens e administrar as finanças do país – como se os países tivessem se tornado reféns daqueles que lhes emprestam dinheiro”.

Ben Enwonwu (Nigéria), O dançarino, 1962.

Toda a conversa sobre democracia se dissolve quando se trata da base real do poder no mundo: controle sobre o capital. No ano passado, a Oxfam mostrou que o “1% mais rico do mundo possui mais riqueza do que 95% da humanidade” e que “mais de um terço das 50 maiores corporações do mundo – no valor de 13,3 trilhões de dólares – é agora administrado por um bilionário ou tem um bilionário como principal acionista”. Mais de uma dúzia desses bilionários estão agora no gabinete do presidente dos EUA, Donald Trump; eles não representam mais o 1%, mas, na verdade, o 0,0001% ou décimo milésimo por cento. Na taxa atual, até o final desta década, o mundo verá o surgimento de cinco trilionários. Eles são os que dominam os governos e que, portanto, têm um impacto extraordinário nas organizações multilaterais.

Em 1963, o Ministro das Relações Exteriores da Nigéria, Jaja Anucha Ndubuisi Wachuku, expressou sua frustração com as Nações Unidas e outras organizações multilaterais. Os Estados africanos, ele disse, não tinham “nenhum direito de expressar suas opiniões sobre qualquer assunto específico em órgãos importantes das Nações Unidas”. Nenhum país africano — e nenhum país latino-americano — tinha um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. No FMI e no Banco Mundial, nenhum país africano podia conduzir uma agenda. Nas Nações Unidas, Wachuku perguntou: “Vamos continuar sendo apenas meninos da varanda?”. Embora o FMI tenha incluído mais uma cadeira para um representante africano em 2024, isso está longe de ser adequado para o continente, que tem mais membros do FMI (54 de 190 países) e programas de empréstimos mais ativos do que qualquer outro continente (46,8% de 2000 a 2023), mas a segunda menor participação de votos (6,5%), perdendo apenas para a Oceania. A América do Norte, com dois membros, tem 943.085 votos, enquanto a África, com 54 membros, tem 326.033 votos.

Alioune Diagne (Senegal), Rescapé (Sobrevivente), 2023.

Após a crise financeira de 2007 e no início da Terceira Grande Depressão, o FMI decidiu iniciar um processo de reforma. O incentivo para essa reforma foi que, quando um país ia ao FMI para um empréstimo-ponte — o que deveria ter sido visto como não prejudicial —, isso acabava prejudicando o país nos mercados de capital porque buscar um empréstimo carregava o estigma de desempenho ruim. O dinheiro era então emprestado ao país a taxas mais altas, o que apenas aprofundou a crise que havia dado início à solicitação de um empréstimo-ponte no primeiro momento.

Além dessa questão, havia uma mais profunda: todos os diretores-gerentes do FMI eram europeus, o que significa que o Sul Global não teve presença nos altos escalões do FMI. Toda a estrutura de votação se degradou com os votos de cota (com base no tamanho da economia e na contribuição financeira para o FMI) aumentando em escala, enquanto os “votos básicos” mais democráticos (um país, um voto) entraram em colapso. Esses diferentes votos são medidos em duas formas: cotas calculadas (CQS), que são definidas por uma fórmula, e cotas reais (AQS), que são definidas por meio de negociações políticas. Em um cálculo de 2024, por exemplo, a China tem uma AQS de 6,39%, enquanto sua CQS é de 13,72%. Aumentar a AQS da China para corresponder à sua CQS exigiria reduzir a de outros países, como os Estados Unidos. Os EUA têm um AQS de 17,40%, que teria que ser reduzido para 14,94% para acomodar o aumento para a China. Essa diminuição da participação dos EUA, portanto, corroeria seu poder de veto. Por essa razão, os EUA afundaram a agenda de reforma do FMI em 2014. Em 2023, a agenda de reforma do FMI fracassou novamente.

Antonio Souza (Brasil), Cadê minha praia? O mar levou, 2019. O texto na pintura diz, do canto superior esquerdo para o canto inferior direito, “amor”, “paz”, “nós e o mar”, “salvar”, “planeta”.

Paulo Nogueira Batista Jr. foi diretor executivo para o Brasil e vários outros países no FMI de 2007 a 2015, vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento de 2015 a 2017 e é colaborador da edição internacional da principal revista chinesa Wenhua Zongheng. Em um importante artigo chamado A Way out for IMF Reform [Uma saída para a reforma do FMI] (junho de 2024), Batista oferece uma agenda de reforma de sete pontos para a instituição:

  1. Tornar as condicionalidades em empréstimos menos rigorosas.
  2. Cortar sobretaxas em empréstimos de longo prazo.
  3. Reforçar empréstimos concessionais para erradicar a pobreza.
  4. Aumentar os recursos gerais do FMI.
  5. Aumentar o poder dos votos básicos para dar às nações mais pobres mais representação.
  6. Dar ao continente africano uma terceira cadeira no conselho.
  7. Criar um quinto cargo de vice-diretor administrativo, a ser ocupado por uma nação mais pobre.

Se o Norte Global ignorar tais reformas básicas e sensatas, Batista argumenta que “os países desenvolvidos serão então os únicos donos de uma instituição vazia”. O Sul Global, ele prevê, sairá do FMI e criará novas instituições sob a égide de novas plataformas como o BRICS. Na verdade, tais instituições já estão sendo construídas, como o BRICS Contingent Reserve Arrangement (CRA), que foi criado em 2014 após a tentativa fracassada de reformar o FMI. Mas o CRA “permaneceu em grande parte congelado”, escreve Batista.

Até que algo mude, o FMI é a única instituição que fornece o tipo de financiamento necessário para as nações mais pobres. É por isso que mesmo governos progressistas, como o do Sri Lanka, onde os pagamentos de juros representam 41% do total de despesas em 2025, são forçados a ir para Washington. Chapéu na mão, eles sorriem para a Casa Branca a caminho da sede do FMI.

Cordialmente,

Vijay