OBSAL #16 | novembro e dezembro de 2021

Observatório da Conjuntura na América Latina e no Caribe

 

 

As lutas sociais e os enfrentamentos políticos apareceram em toda a sua diversidade no final de 2021, após um segundo ano pandêmico que teve uma diminuição de casos e de mortes à medida que a vacinação avançava – embora em um contexto de desigualdade entre os países e as regiões.

As lutas sociais e os enfrentamentos políticos incluem, especialmente, os coletivos de mulheres e de diversidade, organizados em torno da busca pela igualdade de gênero; os povos originários, em defesa de suas terras; as populações que lutam contra o saque e a contaminação de suas terras pelas corporações extrativistas; os migrantes e toda uma gama de ativistas em defesa de uma vida digna. Estes embates são atravessados, é claro, pelas agendas institucionais de cada país. Tudo isso, por sua vez, ocorre em um contexto de disputas geopolíticas globais e continentais que condicionam a resolução dos diferentes conflitos, às vezes de forma decisiva.

Nesse sentido, o bimestre novembro/dezembro fecha um ano de 2021 intenso, que em alguns casos encheu o cenário político de surpresas e em outros confirmou tendências, em um contexto de uma crise cada vez mais evidente das democracias representativas, que atinge com particular intensidade os projetos neoliberais, embora não só.

Pode-se dizer que, em geral, durante o ano, as eleições favoreceram as forças de esquerda, tendência que se acentuou nas últimas semanas com os resultados de Chile, Honduras, Venezuela e Nicarágua. Neste último, após as eleições, o governo iniciou o processo de saída da Organização dos Estados Americanos (OEA), a interferência da organização liderada por Luis Almagro. Por outro lado, a direita parece não ter alcançado seus objetivos nas tentativas de sitiar vários governos de esquerda, como aconteceu recentemente na Bolívia, Peru e Cuba, além da própria Venezuela e Nicarágua.

No entanto, a dinâmica contém um nível significativo de fragmentação e, portanto, incerteza. Se estamos falando de eleições, em quase todos os casos os números estão bastante próximos entre os diferentes partidos ou frentes em disputa. Além disso, variações importantes surgem nos meses anteriores às nomeações eleitorais. Isso se soma a resultados contraditórios com a tendência predominante, como é o caso do triunfo do banqueiro Guillermo Lasso, no Equador, no início do ano – um governo que, de qualquer forma, enfrenta um número crescente de dificuldades econômicas e sociais –, e a derrota da Frente de Todos nas eleições legislativas na Argentina ante a aliança de direita que fracassou no governo em 2015-2019.

Ao mesmo tempo, há sinais de oposição à democracia liberal, como o crescimento da abstenção e a maior volatilidade e fragmentação política. Por outro lado, no campo social, o desenvolvimento das lutas pelo território muitas vezes se contrapõe a legislações e ações institucionais que ignoram seus supostos representantes. Entre estes últimos, podemos citar os conflitos por território no Paraguai, Chile e Argentina, em todos os casos enraizados na desapropriação de povos originários. Também os conflitos contra o extrativismo, como aconteceu nos últimos dias do ano em Chubut, na Patagônia argentina, em que a luta da população obteve uma vitória muito importante: o governo provincial foi obrigado a voltar atrás na sanção de uma lei de mineração que favorecia as corporações.

As relações desiguais de poder entre o centro imperial e a periferia aparecem constantemente em quase todas as situações, embora com faces diferentes. Elas podem ter a cara de uma empresa de mineração, da silvicultura ou do agronegócio em aliança com parlamentares, prefeitos, governadores, presidentes. Pode ser a face de uma instituição financeira orientada pelos EUA, como o Fundo Monetário Internacional, que está em discussão com o atual governo argentino a dívida herdada da gestão anterior, chefiada por Mauricio Macri. Pode assumir a forma de medidas coercitivas unilaterais, como é o caso dos EUA em relação a Cuba e Venezuela. Pode hegemonizar uma Cúpula “pelo clima”, como aconteceu com a COP-26, na Escócia. Poderia assumir a imagem de uma Cúpula “pela democracia”, com o objetivo de marcar o campo de jogo e isolar os adversários dos EUA – principalmente, os governos da Alba-TCP, no continente, e China e Rússia no resto do mundo – em relação a outros governos, incluindo aqueles com características progressistas moderadas, como México e Argentina.

 

Mais ruptura do que continuidade

No campo eleitoral, a vitória de Gabriel Boric no segundo turno presidencial no Chile é um fato fundamental para a região, que parece confirmar a derrocada do pinochetismo como modelo econômico e político. No ano passado, também  aconteceram as eleições constituintes, em que a direita não atingiu o objetivo de eleger um terço dos constituintes para manter o poder de veto. Isso consolida um cenário que merece toda a atenção. Quão disruptivo (ou moderado) será o governo de Boric? Como a direita responderá? Para qual bloco histórico contribuirá sua política externa? Algumas perguntas para o ano que se inicia.

Vista de uma perspectiva histórica, a situação política no Chile – até muito recentemente considerado o exemplo (neoliberal) a seguir – é surpreendente. Também surpreendente é a situação de seu vizinho, o Peru, que terminou o ano discutindo a permanência no cargo do presidente Pedro Castillo, o que é uma continuação da ofensiva lançada pelas forças de direita contra o governo eleito há alguns meses. Finalmente, o Congresso não admitiu a moção de censura, embora a proposta tenha ficado a poucos votos dos necessários para iniciar o processo, o que mostra o difícil caminho da governança no Peru.

A esse panorama devemos acrescentar outras situações muito diferentes, embora sempre com algum elemento convergente. É o caso da Bolívia, com o povo mobilizado diante da tentativa da ultradireita de ignorar o governo e promover outro golpe de Estado; ou da Colômbia, que completa cinco anos de assinatura do Acordo de Paz com as Farc em um contexto de ofensiva paramilitar. Ao mesmo tempo, com lutas sociais importantes – como mostrou a greve nacional do primeiro semestre, duramente reprimida – e a possibilidade de que Gustavo Petro triunfe nas eleições presidenciais de maio de 2022. Ou mesmo o Brasil, com indicadores econômicos e sociais em descenso e um governo de Bolsonaro em declínio, além da possibilidade de retorno de Lula ao governo em outubro de 2022. Apenas Lacalle Pou, no Uruguai, de direita, parece estar com significativa aprovação de sua população, embora pareça enfrentar alguns sinais de desgaste e ter uma eleição importante a frente, com o referendo da Lei de Urgente Consideração, marcado para março de 2022.

O contexto de Cuba também é muito diferente, já que enfrenta o bloqueio e as campanhas de desestabilização dos EUA, mas que apesar disso alcançou conquistas históricas em saúde pública, como mostra sua campanha de vacinação com o desenvolvimento fármacos próprios. O Haiti enfrentauma situação social e política difícil, como ficou demonstrado no assassinato do presidente e no poder das gangues, além das deportações da vizinha República Dominicana. Em Porto Rico, ainda colônia dos Estados Unidos, a população – principalmente os estudantes – continua lutando contra as tentativas de “controle” do orçamento. Também particular é a situação de Barbados, que acaba de cortar relações com seu ex-colonizador, a Coroa Britânica, para se tornar uma república. O assunto está em debate em outros países, como Santa Lucia e Jamaica.

Na Mesoamérica, além das vitórias do sandinismo na Nicarágua e de Xiomara Castro em Honduras, uma novidade em relação aos governantes anteriores é o distanciamento de Biden de governos de direita, como os da Guatemala e El Salvador. Em toda a sub-região, existem duas questões transversais mutuamente excludentes: uma é a situação dos migrantes (e sua abordagem quase exclusiva como problema de segurança); a outra é a crescente relação econômica com a China, para além das diferentes posições políticas. No México, AMLO chega à metade de seu mandato com grande aprovação popular, com três reformas – energética, eleitoral e segurança – como desafios pela frente e também com uma dívida em termos de política migratória.

Com suas peculiaridades e características comuns, essas e outras questões são protagonistas do relatório n. 16 do Observatório de Conjuntura na América Latina e Caribe promovido pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Com este documento encerramos o ano de 2021, que além de analisar o período, procuramos contribuir para um equilíbrio da situação política continental, tendo em conta o que representou o ano que termina e o legado que deixa para 2022.

Para acessar o relatório completo, acesse Vientos de cambio y esperanza en un 2021 que termina: ¿en camino hacia una nueva ola progresista?