Contrariando o ministro da Defesa Braga Neto, o Exército montou uma estratégia política e atuou para “neutralizar” praças e “partidos de oposição” que criticavam o projeto de reestruturação da carreira militar. Foto: Agência Verde-Oliva / EB

 

N° 08/21

Por Ana Penido e Rodrigo Lentz. Equipe: Anderson B. Moreira, Emilly F. O. De Lima, Jorge Rodrigues, Nilton Tubino, Pedro Bocca, Suzeley Kalil, Wilmar H. C. Amorocho

 

Este boletim mensal tem como objetivo acompanhar os temas relacionados às forças armadas no Brasil, com destaque para a participação militar na política. É produzido a partir de dados primários monitorados mensalmente. Nossas fontes são públicas: atos normativos publicados no Diário Oficial da União, movimentações na Câmara dos Deputados e os compromissos oficiais do alto escalão de militares no governo. Como fontes secundárias, são utilizadas matérias publicadas na imprensa e portais especializados. Boa leitura.

 

Destaques dos compromissos oficiais

Neste tópico nosso objetivo é trazer uma visão informativa do conjunto de compromissos oficiais daqueles militares que entendemos integrarem o Partido Militar [1]. Em outubro foram identificadas 528 ocorrências. Destas foram desconsideradas 187 ocorrências administrativas [2], restando 341, que compõem o universo analisado segundo categorias que destacam os atores políticos mais frequentes [3].

  • Nas relações internacionais, um dos destaques do mês foi a visita oficial de Bento Albuquerque ao Reino da Arábia Saudita, com diversos encontros com empresas privadas do país ligadas à área energética e com o governo saudita, incluindo agenda com o “príncipe” Abdulaziz bin Salman Al Saud. Já Marcos Pontes e Mourão realizaram visita oficial aos Emirados Árabes Unidos para participarem da “ExpoDubai”, evento que reuniu empresas privadas e organismos governamentais do país árabe. Dentre as diversas atividades, se realça a palestra de Mourão sobre a “Política Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia”. Mourão também visitou a Grécia, por ocasião dos 200 anos de independência do país, reunindo-se com o primeiro-ministro e com o parlamentar Maximos Senetakis, presidente do grupo de amizade Brasil-Grécia. Também é digna de nota a presença de Bento Albuquerque nas reuniões preparatórias para a COP-26 e em encontros com representantes do governo da Rússia, assim como de Braga Netto na comitiva presidencial que participou do G20. Por fim, se destaca a visita oficial ao Brasil do presidente da Colômbia, Iván Duque, em que estiveram presentes Braga Netto, Heleno, Bento Albuquerque e Ramos.

 

Figura 1 – Compromissos oficiais em outubro 2021

Fonte: autores, conforme dados governo federal (2021)

 

  • Quanto ao empresariado, três setores se destacaram. Na área financeira, Tarcísio Freitas manteve suas relações orgânicas com os EUA, participando em Nova York da “Roadshow” e realizando encontros com Banco Safra, BTG Pactual e ABCR; enquanto Mourão recebeu representante da Arcko Advice. No setor energético, Mourão e Marcos Pontes participaram da 1º Feira Brasileira de Nióbio. Pontes  recebeu Alessandro Carvalho, diretor da empresa Nanonib. Bento Albuquerque participou de eventos do sindicato de indústrias do Ceará e do Grupo Voto; enquanto Marcos Pontes recebeu o presidente da Associação Brasileira da indústria elétrico-eletrônica. Por fim, se destaca a palestra proferida por Mourão na cerimônia de abertura do Conselho Empresarial Brasil-China.
  • Em relação ao Governo, aconteceram cerimônias e reuniões das pastas de Minas e Energia, Secretaria Geral da Presidência e Infraestrutura. Ramos, Heleno e Braga Netto mantiveram agendas com a ministra do agronegócio, Tereza Cristina, em razão do lançamento da “Cédula de produto rural verde”; Ramos se reuniu com Paulo Guedes e Tarcísio com o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Junto ao presidente, se destaca reunião privativa com Braga Netto e outra com Marcos Pontes.
  • No Legislativo, PSL (RS, RJ, DF e AC), PL (MT e MG) e MDB (RS, ES, PA e PR) seguem como os partidos com maior frequência de compromissos com os ministros militares, sendo registrados encontros com outros parlamentares do PSDB (RS e MG), PSD (PA), PRTB (cúpula do partido, em sua reunião mensal com Mourão), PSC (PA), PP (SC) e Republicanos (Marcelo Crivella  novamente foi recebido por Mourão). Ao todo, foram realizados encontros com 13 deputados federais e 1 deputada federal; 6 senadores e 1 senadora.
  • Junto às forças armadas, merece registro a recorrência de comandantes na reunião mensal da alta cúpula de governo. Neste mês, compareceram o chefe do Estado-Maior Conjunto (EMCFA), General de Exército Laerte de Souza Santos, e o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos. À exceção de Bento Albuquerque e Tarcísio, os demais mantiveram ao menos um compromisso oficial com as forças armadas, sobretudo com o Exército e a Aeronáutica. Braga Netto despachou no gabinete ministerial dentro da ESG e reuniu-se por três ocasiões com o comandante do EMCFA. Ramos recebeu o comandante do Exército, general Paulo Sérgio.
  • Por fim, os outros destaques merecem registro. Como tem sido recorrente, o desembargador federal lavajatista Thompsom Flores Lenz, do TRF4, foi recebido por Heleno e Mourão. Já o Procurador-Geral do Ministério Público Militar, Antônio Duarte, foi recebido por Braga Netto e Ramos, este também recebendo o ministro do Superior Tribunal Militar, José Barroso Filho. Na sociedade civil, tanto Heleno quanto Braga Netto receberam Bertrand de Orleans e Bragança, da casa imperial do Brasil, que foi descrito pelo ministro da Defesa como “Príncipe Imperial do Brasil”. Por sua vez, Heleno e Ramos mantiveram agenda com evangélicos da Assembleia de Deus do Amazonas e de Roraima. Destaque para a presença de Heleno e Ramos junto ao presidente no Simpósio “Cidadania Cristã”, evento que reuniu cerca de 600 pastores evangélicos ligados à Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), ao Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp), à Associação dos Parlamentares Evangélicos do Brasil (Apeb), aos Conselhos Estaduais de Pastores e ao “Movimento Acorda”.

 

Destaques dos atos administrativos

Seguindo a fase exploratória de fontes primárias, aqui se busca capturar no Diário Oficial da União (DOU) as ações políticas oficiais dos militares na direção do governo. Nesta etapa, são analisadas as publicações assinadas pelo primeiro escalão governamental nas pastas: atos do Poder Executivo; Presidência da República; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações; Ministério da Defesa; Ministério da Infraestrutura; Ministério das Minas e Energia.

  • EUA e dependência. A presença de um contingente militar dos EUA em território nacional foi regulamentada por dois atos, editados em 13/10/2021: o decreto 10.834 autorizou o ingresso e a permanência temporária de forças militares dos Estados Unidos da América no território nacional para participar, em conjunto com o Exército Brasileiro, do exercício de adestramento combinado; já o despacho 27, do ministro da Defesa, autorizou a presença e trânsito de outro contingente de militares dos EUA para realizar o intercâmbio com a Polícia Federal.
  • Organização militar. Via portaria, o ministro da Defesa alterou os requisitos para oficiais superiores atuarem em cargos civis no Ministério da Defesa (Portaria 4.028, 1/10/2021) e regulamentou a indenização aos cofres públicos de despesas efetuadas pela União com a preparação, formação, adaptação ou com a realização de cursos ou estágios por militares das Forças Armadas (Portaria 4.044, de 4/10/2021). Já por ato presidencial, o 4º Grupamento de Engenharia do Exército, responsável por obras em rodovias, foi transformado em organização militar de comando privativo de Oficial-General e, com isso, passou a integrar a alta cúpula da estrutura do Exército, habilitando-se para “manter relações institucionais com militares de altos postos e com dirigentes de diversos órgãos” (Decreto 10.832, 7/10/2021).
  • Defesa e questões estratégicas. Em ato do ministro da Defesa, foi aprovada a Diretriz de Obtenção Conjunta de Produtos de Defesa (PRODE) e de Sistemas de Defesa (SD) para a administração central do Ministério da Defesa e para as Forças Singulares (Portaria 4.070, 5/10/2021). Já em ato presidencial, foram promulgadas emendas à “Convenção para a Facilitação do Tráfego Marítimo Internacional adotadas pelo Comitê de Facilitação da Organização Marítima Internacional”, aprovadas pelos Decretos Legislativos n.299/2006 e n.980/09 (Decreto 10.848, 26/10/2021). Na área de inteligência, o ministro do GSI publicou o glossário de segurança da informação (Portaria 93, de 18/10/2021)

 

Destaques dos atos legislativo

Esta terceira exploração empírica visa capturar a incidência desse grupo de militares na produção legislativa a partir de propostas analisadas na Câmara dos Deputados, especificamente no Plenário (fase final), nas Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, de Segurança Pública e Crime Organizado (fase de intermediária) e na Distribuição de novas proposições de Projetos de Lei (fase embrionária).

Análise de Plenário

  • MPV 1054/2021. Abre crédito extraordinário no valor de R$ 235 milhões para os Ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Defesa e da Cidadania. Na pasta da Defesa, o crédito se destina ao “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus”. Estágio do Processo Legislativo: Aprovado o relatório do deputado Nilto Tatto (PT-SP) pela Comissão Mista de Planos, Orçamento e Fiscalização. Texto apreciado em plenário e aprovado, foi encaminhado ao Senado. Transformado na Lei Ordinária 14225/2021 (Apresentação: 09/06/2021; Autoria: Executivo).
  • Reforma do Código Penal Militar. Foi aprovado o requerimento de urgência do PL 9.432/2017, que altera dispositivos do Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar e o art.1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (req. 1753/2021). Pronto para pauta no Plenário. Promove diversas modificações, inclusive na definição da pessoa considerada militar. Na CCJ, teve como relator o Dep. General Peternelli (PSL-SP).

Das comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional; e de Segurança Pública e Crime Organizado (fase intermediária)

    • PL 3634/2019. Altera o Código Penal Militar para dispor sobre a perda de patente ou exclusão de militar autor de violência doméstica. Estágio do Processo Legislativo:  Parecer da Comissão aprovado na CREDN. Aguardando Designação de Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) (Apresentação: 18/06/2019; autoria: Cássio Andrade (PSB-PA)).
  • PL 2628/2019. Visa instituir a necessidade de prova qualificada para a abertura de inquérito policial militar e para instituir processos disciplinares de policiais civis da União e do Distrito Federal. Altera o Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar, e a Lei nº 4.878, de 3 de dezembro de 1965. Estágio do Processo Legislativo: aprovado parecer do relator pela rejeição na Comissão de Seg. Pública. Faltam ainda as análises da CREDN e da CCJ (apresentação: 07/05/2019; autoria: Heitor Freire (PSL-CE)).
  • PL 5010/2020. Dispõe sobre o ensino na Marinha. Resumo: Altera a Lei nº 11.279, de 9 de fevereiro de 2006, que dispõe sobre o ensino na Marinha. Em sua justificativa, o texto indica as seguintes alterações: “seja previsto o curso de graduação para Praças, como um dos cursos integrantes do Sistema de Ensino Naval; sejam incluídos cursos de interesse para a Marinha do Brasil, vislumbrados após a aprovação da Lei em vigor; sejam atualizadas metodologias educacionais, como a gestão por competências; e seja realizado o ajuste na faixa etária para ingresso no Colégio Naval e na Escola Naval”. Estágio do Processo Legislativo: Aprovada a redação final na CCJ, no dia 07/10/2021 (apresentação: 23/10/2020; autoria: Executivo).

Destaques temáticos para monitoramento:

  • Comissão de Defesa Nacional. No dia 27/10/2021 ocorreram duas audiências públicas na CREDN com o objetivo de discutir o Programa Nuclear da Marinha e os documentos básicos de Defesa Nacional.
  • Criminalização de movimentos sociais. PL 4895/2020 cria o crime de “intimidação violenta”, definido como “realizar ou promover, de qualquer forma, atos violentos como incêndio, depredação, saque, destruição ou explosão, contra bens públicos ou privados, destinados aos serviços públicos, concessionados ou não, com o objetivo de compelir ou intimidar o poder público a fazer, tolerar ou deixar de fazer algo”.  Pronta para Pauta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) (apresentado em 13/10/2020; dep. Subtenente Gonzaga (PDT/MG)).
  • Participação política de militares. PEC 94/2019, que retira a vedação ao voto de conscritos (brasileiros cumprindo serviço militar obrigatório). Em 08/09/2021 foi aprovado o relatório apresentado por Luis Philipe de Orleans e Bragança (PSL-SP), indicando ajustes, mas pela admissibilidade (apresentado em 12/06/2019; coronel Chrisóstomo (PSL-RO)).

 

Análise crítica dos principais temas do mês de outubro

Nesta seção apresentamos uma interpretação crítica dos principais temas sobre os militares na política e os assuntos de defesa nacional. A partir do acompanhamento exploratório da mídia corporativa, redes sociais e pequena imprensa digitais visamos apresentar uma síntese crítica das correntes da opinião pública.

  • Da celeuma do voto impresso à participação estratégica das forças armadas (FFAA) na urna eletrônica. Depois de uma intensa campanha sobre a provável fraude da urna eletrônica, inclusive com ameaça de capitólio tupiniquim, Bolsonaro resolveu defender sua confiabilidade. Motivo? O TSE, presidido pelo ministro Barroso, aceitou incorporar as Forças Armadas no processo eletrônico de “ponta a ponta”. Embora outras entidades e instituições também participem, nenhuma delas tem expertise e envergadura na área que se aproxime daquela existente na caserna. Dessa maneira, as FFAA conquistam uma posição inédita depois de 1988 no processo eleitoral, ocupada pela porta dos fundos em 2018.
  • América Latina. Em Honduras, comandante das FFAA veio a público pedir eleições nacionais pacíficas. Por lá, o Exército será o responsável pela segurança do processo eleitoral que elegerá representantes municipais, parlamentares e a presidência do país, depois de conflitos violentos após a última eleição, acusadas de fraude, e que reelegeu o atual presidente Juan Orlando Hernández, por margem estreita de votos. No Equador, diante da perda de apoio popular, o presidente Lasso empregou as FFAA para reprimir a oposição, sociedade civil e movimentos sociais, decretando estado de exceção no bojo do “Plano de Segurança Nacional”.
  • Centrão militar. Enquanto algumas especulações sugerem “abandono” a Bolsonaro, segundo a jornalista Bela Megale, o núcleo de lideranças militares no governo prefere uma aliança com o Partido Liberal (PL) pela reeleição. Se confirmada, reafirmam uma aliança política da ditadura de 64 e confirmam a percepção de um senador lavajatista de que militares na política são “o centrão de farda”. Na ocupação de cargos, nos últimos 10 anos, 64% dos generais do Alto Comando do Exército passaram a ocupar cargos políticos, sendo nomeados para funções de confiança em que a remuneração se acumula ao salário da reserva. A maioria dessas nomeações ocorreu no governo Bolsonaro. Enquanto isso, a fração dos militares da “terceira via” confirma tendências observadas desde o ano passado e embarcam na candidatura de Sérgio Moro à presidência, liderados pelos generais Rocha Paiva, Rego Barros e Santos Cruz, tendo este último anunciado o que todos sabiam: é candidato. Enquanto isso, na FAB, a vedação à filiação a partidos políticos por militares da ativa tem sido passada a limpo. Em 2020, foram encontradas 908 filiações (aproximadamente 1,3% do efetivo da Força) a 29 partidos políticos. Em 2021, um novo levantamento apontou 221 registros de filiações em 26 partidos. Até agora, somente os filiados ao Partido dos Trabalhadores são oficialmente alvo de Procedimento de Apuração e Transgressão Disciplinar.
  • Monitoramento da oposição política desmente Braga Netto. Em postura institucional, o Exército montou uma estratégia política e atuou por meio de “influenciadores digitais” para “neutralizar” praças e “partidos de oposição” que criticavam o projeto de reestruturação da carreira militar. Visando “ganhar a narrativa” nas redes sociais contra “campos de poder”, entre agosto e novembro de 2019, a Divisão de Produção e Divulgação do Centro de Comunicação Social do Exército (Ccomsex) monitorou nas redes sociais cidadãos, parlamentares, jornalistas e blogueiros. A revelação desmente o ministro da Defesa, general Braga Netto, de que o Exército não praticaria monitoramento político da oposição. A postura é compatível com o comportamento contrário à aprovação da Lei de Acesso à Informação (LAI). Segundo o general Silva e Luna, ministro da Defesa do governo Temer e atual presidente da Petrobrás, a justificava seria a revelação de “segredos de Estado”. Um desses segredos foi o conteúdo tarjado do Conselho de Segurança Nacional.
  • Opinião Pública. Em pesquisa do Ipespe, o percentual de desconfiança na opinião pública sobre as FFAA subiu de 24% para 37%, confirmando a corrosão da imagem da corporação depois do governo Bolsonaro. Enquanto isso, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio, tem buscado discretamente neutralizar os danos da adesão velada das FFAA ao governo junto ao judiciário. Para tanto, vem realizando agendas com ministros do Supremo, incluindo Alexandre de Moraes, e parlamentares do Congresso para enfatizar que a instituição “é de Estado” e “apartidária”. Já o Comando Militar do Sudeste (CMSE) promoveu uma saída de campo para “aproximar a sociedade civil” e Forças Armadas, levando um grupo de jornalistas, estudantes de jornalismo, acadêmicos de direito e influenciadores digitais na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) e no 28º Batalhão de Infantaria Leve, em Campinas/SP, e Comando de Aviação do Exército, em Taubaté/SP. Em Roraima, a banda de música do Exército tocou em culto em comemoração aos 106 anos da Assembleia de Deus em Boa Vista, com a presença do presidente da república. O pastor da igreja concorreu pelo Podemos em 2020 à prefeitura e deve se candidatar a governador.
  • Defesa e soberania nacional na Câmara. Em audiência na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional em que compareceram os três comandantes das FA, Braga Netto foi questionado pela falta de participação dos parlamentares e da sociedade civil na elaboração de documentos estratégicos da área, como a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco, que vieram “fechados”, apenas para aprovação da casa. O tema do descontentamento das praças com o aumento da desigualdade salarial em relação aos oficiais gerou irritação de Braga Netto que se exaltou para negar existência de insubordinação na corporação. Além disso, o ministro afirmou que para as FFAA a privatização de empresas estratégicas não afetaria a soberania nacional.
  • Intercâmbios orgânicos da dependência. Enquanto parte do programa de intercâmbio anual “General Mark Clark-Marechal Mascarenhas de Moraes”, criado em 1981 entre a US Army War College e a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (EME), foi recebida na ECEME uma comitiva de militares estadunidenses liderada pelo general David C. Hill, que ministrou uma palestra para os alunos e instrutores da escola sobre “liderança estratégica”. Por sua vez, o Chefe do EME, general de Exército Marcos Antônio Amaro dos Santos, acompanhado de comitiva visitou a Aditância do Exército nos Estados Unidos, também visitando a Comissão do Exército Brasileiro em Washington (CEBW) e a feira anual organizada pela Associação do Exército Americano (AUSA 2021). Em comissão do Senado dos EUA, a tentativa de desalojar quilombolas para alugar a Base de Alcântara gerou perplexidade, e a comissão vetou a destinação de verbas para ações que envolvam a remoção de comunidades indígenas e quilombolas na região. Na Itália, considerando o “Plano de Cooperação Bilateral entre as Forças Armadas do Brasil e da Itália para o ano de 2022”, foi realizada neste mês reunião entre os Estados-Maiores Conjuntos dos dois países. Na ocasião, foram firmados acordos de cooperação nas áreas de ensino militar, logística, pessoal (fuzileiros navais), defesa cibernética, inteligência, gerenciamento de ciclo de vida de sistemas, meios aéreos (veículos aéreos não tripulados) e treinamento avançado de voo.
  • Privilégios e corrupção. Com base na criticada LAI, o Exército impôs sigilo no procedimento interno que matriculou, sem processo público seletivo, a filha do presidente da república, capitão reformado, no colégio militar de Brasília. Com os mesmos princípios éticos, o general Pazzuelo segue usufruindo de carro oficial do Exército e morando no Hotel de Trânsito de Oficiais do Exército, em Brasília. Com permissão legal para estadia máxima de um mês, Pazuello fixou residência: está há 18 meses no local, “irregularidade” que estaria “irritando” generais do Alto Comando. Pagando cerca de R$ 2,5 mil por mês, o ex-ministro da saúde tem acesso aos serviços de hotelaria e ao clube do Exército, com piscina, quadras esportivas, churrasqueiras e restaurantes. Já na farra dos restaurantes, entre 2013 e 2020, oficiais das FFAA e servidores do Ministério da Defesa gastaram R$ 719 mil de dinheiro público em churrascarias renomadas, incluindo R$ 18 mil para “comemorar” a deposição presidencial de 2016. Nas estatais, 15 integrantes do Exército engordam suas remunerações na reserva ganhando acima do teto do funcionalismo público: recebem de R$ 45 mil a R$ 260 mil por mês, sendo a fatia mais gorda percebida pelo general Luna e Silva, presidente da Petrobrás. Por sua vez, os aviões da FAB são usados de forma irregular ao dar carona para sete parentes da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Suspeita mais grave é apurada por técnicos do TCU, que investigam indícios de fraudes em licitações do Exército e da Marinha no valor de R$ 154 milhões. A suspeita recai sobre um conjunto de empresas com sede no Mercado Municipal de Benfica, no Rio de Janeiro, ligadas a militares que simulariam concorrência em processos licitatórios. Na mesma esteira, o TCU investiga convênio entre os ministérios da Saúde e da Defesa firmado pelo coronel do Exército Elcio Franco Filho que prevê repasses às FFAA de R$ 95 milhões destinados à compra e à distribuição de vacinas. Porém, em seu orçamento próprio, as FFAA já previam R$ 21 milhões para essa finalidade, dos quais já executou R$ 5,5 milhões com, inclusive, compra de medicamentos sem eficácia comprovada.
  • Desvios de finalidade. Ainda responsável pelo controle de diversos armamentos e munições, o Exército faz uso de um sistema de propriedade da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), uma empresa privada atualmente subsidiária da empresa de participações (holding) estadunidense chamada CBC Ammo LLC e que, segundo o Exército, tem a posse de todo o banco de dados do Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições (Sicovem). Trata-se de um grave conflito de interesse, conforme apontou Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz. Em 2016, uma auditoria do TCU e do próprio Exército identificou que o sistema poderia ser facilmente invadido por hackers e exposto a vazamentos. Nessa função, segundo o Instituto Igarapé, em 2020 o Exército fiscalizou apenas 2,3% dos arsenais privados do país. Já a expansão da militarização da política ambiental, com o emprego das FFAA, custou ao povo brasileiro mais de R$ 550 milhões e foi incapaz de reduzir o desmatamento ilegal na Amazônia. Nas escolas cívico-militares, levantamento da jornalista Júlia Marques revela que somente o bônus de 30% recebido por militares da reserva desviados para funções civis supera o valor integral do salário de professores que lecionam nessas instituições. De janeiro de 2020 a julho de 2021, Marinha e Aeronáutica pagaram R$ 10,4 milhões em adicionais a 323 militares da reserva nas escolas. O Exército não revelou os valores, mas sabe-se que o MEC repassou à Defesa, em 2020, R$ 55 milhões para essa finalidade.
  1. Reservas de domínio: judiciário e inteligência. O STF retomou a apreciação sobre a competência do judiciário militar para julgar civis em tempos de paz, quando acusados de praticarem crimes “contra a instituição militar”. Comando do Exército, ministério da Defesa e AGU defendem a constitucionalidade da competência. Enquanto isso, o judiciário militar, em decisão rara, condenou oito militares pela execução do músico Evaldo R. dos Santos e do catador Luciano Macedo depois de 257 tiros. Entretanto, a decisão de 3 votos a 2 é apenas de primeira instância, podendo ser revertida no STM depois da decisão final do STF sobre a expansão ou restrição da competência desse mesmo judiciário militar. Em outro capítulo da expansão de poder, o STF formou maioria para manter restrições ao compartilhamento de informações de órgãos de inteligência à Abin, assim como à sua atuação ao “interesse público” e limites institucionais.
  2. Negacionismo sanitário. A fabricação pelo Exército, por motivação ideológica, de remédios comprovadamente ineficazes contra a Covid-19 ainda segue gerando estragos. No Hospital das Forças Armadas (HFA), mais de 16 mil comprimidos de hidroxicloroquina e cloroquina estão encalhadas, sem uso desde abril deste ano. Na Aeronáutica, o comandante autorizou a volta ao trabalho presencial de militares que recusaram a vacina, bastando a assinatura de um “termo de (ir)responsabilidade”. Apesar disso, no relatório final da CPI da Covid-19, dos 16 militares citados, apenas 10 foram indiciados: Eduardo Pazuello, Walter Braga Netto, Elcio Franco, Marcelo Blanco, Wagner Rosário, Roberto Dias, Heitor Freire de Abreu, Hélcio Bruno, Marcelo Bento Pires e Alex Lial Marinho. Ficaram de fora Fernando Azevedo e Silva, Edson Pujol, Cleverson Boechat, Marcelo Batista Costa, Hardaleson Araújo, Glaucio Guerra. A instituição e seus comandantes, por sua vez, saíram ilesos. Já o MPF começa a receber denúncias de profissionais da saúde que foram pressionados por comandantes militares da 7º Região Militar a receitarem o “Kit Covid” em hospitais do Exército em Natal, João Pessoa e Recife, além do Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília.
  3. Impunidade do terrorismo de Estado. O Ministério Público Federal (MPF) segue em sua tentativa isolada de responsabilização criminal de militares diretamente envolvidos em crimes contra a humanidade, apesar da resistência institucional em prestar contas sobre a ditadura de 64 e da disposição do atual comando do Exército em defender esse legado, como demonstra a decisão do comandante Paulo Sérgio em colocar o nome do ditador Figueiredo no Espaço Cultural 1º Regimento de Cavalaria de Guardas – Dragões da Independência (1º RCG). O MPF ofereceu denúncia criminal contra oito oficiais, com destaque para o Major Curió, pela execução e ocultação dos corpos de 17 guerrilheiros da Guerrilha do Araguaia. Na denúncia, o MPF também indica que, entre os 68 desaparecidos, 41 foram executados, 32 deles depois de passarem por prisões nas bases militares na região. Quanto às reparações, a Comissão de Anistia segue na cruzada negacionista da ditadura, anulando ou não publicando portarias de anistia, e invertendo a narrativa histórica: de vítimas e resistentes, os perseguidos passaram a “terroristas”.
  4. Privatização apenas para os “outros”. A empresa pública Navegação Aérea S.A., criada em 2019 e subordinada ao Comando da Aeronáutica, abriu concurso para 1.638 servidores civis. Além destes, a estatal terá em seus quadros colaboradores cedidos ou disponibilizados por outros órgãos e entidades, militares colocados à disposição da empresa, trabalhadores cedidos ou requeridos, funções comissionadas e contratados. Enquanto isso, em mais uma etapa do “Projeto Ampliando Horizontes”, do comando da Aeronáutica, Oficiais-Generais da FAB participaram de palestra do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre geopolítica e economia mundial. Na pauta, os oficiais de alta patente da Aeronáutica ouviram a defesa de uma “economia de mercado” e de forças armadas “fortes”, a situação geopolítica com os grandes deslocamentos econômicos no mundo e o “papel” do Brasil na América Latina.
  5. Indústria de defesa. Na véspera do leilão do 5G, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) recebeu das empresas Claro, Embratel e Ericsson a ativação de uma antena 5G standalone, já rendendo exibições demonstrativas. Para tanto, a Claro recebeu uma licença científica experimental da Anatel. Na Marinha, foi anunciado que o primeiro submarino movido a tecnologia nuclear entrará em funcionamento ainda este ano. A tecnologia foi integralmente desenvolvida em território nacional e conduz o Brasil a integrar o grupo de países que dominam essa tecnologia, hoje restrito a Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, França, Índia e China. Enquanto isso, o presidente da AIAB (Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil), Júlio Shidara, passou uma semana em Brasília em reuniões com outros representantes do setor, buscando convencer governo e as Forças Armadas sobre a importância da indústria nacional, sufocada por falta de uma política nacional.
  6. Organização militar. Foi realizada a solenidade de reativação da 7ª Divisão de Exército (7ª DE), grande comando operacional subordinado ao Comando Militar do Nordeste (CMNE) e que será responsável por atividades do preparo e do emprego de operações terrestres na região. Por sinal, Recife, capital de Pernambuco, foi escolhida para ser a sede da Escola de Formação e Graduação de Sargentos de Carreira do Exército, conforme decisão da 339ª Reunião do Alto Comando do Exército. A essas mudanças soma-se a transformação do 4º Grupamento de Engenharia do Exército em organização militar de comando privativo de Oficial-General, em ato de valorização política desse setor, o que indica seu fortalecimento para desempenhar atividades civis.
  7. Um Exército da elite. Informações obtidas pela revista sociedade militar revela que, entre 2018 e 2020, 76% dos aspirantes a oficiais da corporação vieram de escolas privadas ou de colégios militares, sendo apenas 24% egressos de escolas públicas. Tratam-se dos egressos da Escola Preparatória de cadetes do Exército (EsPCEX), porta de entrada para o ingresso nas Agulhas Negras (AMAN), instituição responsável por formar os futuros oficiais do Exército. Os dados revelam que em 2020 os candidatos egressos de escola pública são maioria, 23.952, enquanto aqueles advindos da elite representaram 16.994 (13.798 colégios privados e 2.796 colégios militares). Porém, daqueles da rede pública, apenas 1,3% conseguiram aprovação, enquanto a taxa de aprovação do ensino privado é 5,3% e a do colégio militar de 11,3%.
  8. Aos praças, punições rígidas; aos oficiais, a complacência. Conforme levantamento do jornalista Vinicius Sassine, entre 2017 e 2020 a Marinha aplicou mais de 17 mil punições por transgressões a suboficiais, sargentos, cabos, marinheiros e soldados, totalizando 10 punições por dia.  Entre os oficiais intermediários e subalternos, foram 439 punições, ou uma a cada quatro dias. Já aos oficiais superiores — capitães de corveta, de fragata e de mar e guerra, o equivalente a major, tenente-coronel e coronel no Exército—, houve 76 punições, equivalente a uma punição a cada 22 dias. E simplesmente nenhuma punição a oficiais superiores. Segundo Sassine, essa seletividade hierárquica de respeito à disciplina é motivo de forte insatisfação das tropas. Exército e Aeronáutica não forneceram informações, revelando um “apagão” de dados. Além disso, quando oficiais superiores e oficiais generais são punidos, cada força singular decreta sigilo, com o aval da CGU, alegando “quebra de hierarquia” e natureza “personalíssima” para negar acesso público às informações.
  9. João Cândido: Herói da Pátria, apesar do atual comando da Marinha. No Senado, a Comissão de Educação e Cultura aprovou a inscrição de João Cândido Felisberto no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. Para tanto, precisou contrariar a Marinha, que procurou convencer os parlamentares do contrário, postura considerada pelo jornalista Mello Franco como um “açoite à memória” de um dos símbolos nacionais contra as permanências da escravidão no Brasil.

 

Para não dizer que não falamos de flores

 

Notas

[1] Hamilton Mourão, vice-presidente (general do Exército); Braga Netto, ministro da Defesa (general do Exército); Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (general do Exército); Eduardo Ramos, ministro da secretaria-geral de governo (general do Exército); Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia (Almirante); Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (tenente-coronel da FAB); Tarcísio de Freitas, ministro da infraestrutura (capitão do Exército); todos da reserva remunerada.

[2] Eis as ocorrências discriminadas: 55 ausências de publicação de agenda, 40 deslocamentos, 24 sem compromissos oficiais e 57 despachos internos. A exclusão se justifica pelo baixo valor explicativo no recorte mensal, mas essas ocorrências serão incluídas em futuras análises com o recorte temporal maior.

[3] Eis as categorias: governo (solenidades e reuniões interministeriais), relações internacionais (embaixadas, blocos, autoridades), empresariado (setores econômicos), legislativo (congresso), FFAA (Exército, Marinha, Aeronáutica), imprensa (jornalismo), presidente (chefe do executivo) e, em razão de sua baixa incidência, outros (administração indireta, estados e municípios, sociedade civil e judiciário).