Observatório de Questão Agrária

Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Antônio Galvan, está entre os organizadores dos atos de 07 de setembro.

 

nº. 06/2021

 

Resumo: Este é o boletim mensal do Observatório da Questão Agrária do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Todos os meses trazemos um resumo dos principais temas da movimentação do agronegócio no Brasil. Neste número, destacamos os seguintes temas centrais: o apoio político e financeiro de setores do agronegócio às mobilizações golpistas de 7 de setembro; a proposta de nova rodada de renegociação das dívidas do agronegócio e como este modelo impacta negativamente nas contas públicas brasileiras. Em seguida apresentamos o movimento de concentração do capital na agricultura, em especial a terceira onda de aquisições no ramo de distribuição de insumos. Em nosso quarto ponto, analisamos a proposta do governador de São Paulo, João Doria (PSDB) para a privatização dos assentamentos estaduais. Apresentamos também entrevista do presidente da cooperativa Central Aurora Alimentos e a pressão sobre os cooperados para ampliação da escala de produção. Concluímos com nossas recomendações de leitura.

 

O Agro é golpe

As manifestações golpistas que ocorreram no país no dia 7 de setembro, em especial em Brasília e São Paulo, contaram com a participação e financiamento de setores do agronegócio. Entre as pautas levantadas estavam algumas de interesse do setor, como o arrendamento de terras indígenas e defesa de atividades de garimpo nestas áreas. As manifestações golpistas apoiadas pelos ruralistas também aconteceram enquanto se discutia no STF a farsa do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Bolsonaro tem atendido a todos os pleitos do agronegócio, desvirtuando direitos constitucionais em benefício da acumulação de capital. “Portanto, ao imitar o ex-presidente estadunidense Donald Trump na denúncia sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro, mais do que tentar evitar a derrota certa em 2022, fornece aos beneficiários de seu desgoverno uma espécie de ‘falsa bandeira’, uma demanda que na verdade não importa a ninguém, mas que serve para defender um governo que garante o cumprimento das bandeiras ocultas, que poderiam ser resumidas em ‘lucro acima de tudo e de todos’”, aponta a coluna Amigos da Terra Brasil.

Por outro lado, setores do agronegócio mais vinculados aos interesses do capital financeiro internacional lançaram nota em defesa da estabilidade institucional, publicada pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Este processo não deve ser visto como uma cisão interna do agronegócio, mas como a existência de interesses corporativos e econômicos diferentes. De um lado, os produtores de grãos e carnes defendem pautas como afrouxamento da legislação ambiental e fundiária, além do armamento no campo. De outro, as transnacionais vinculadas ao mercado externo buscam construir um falso discurso de sustentabilidade, tendo em vista exportações para a União Europeia. No entanto, ao fim e ao cabo, essas nuances não impedem que o setor esteja unificado nas pautas de retrocessos na questão agrária brasileira.

 

Agronegócio e a questão fiscal brasileira

Está em discussão entre a Casa Civil e o Ministério da Agricultura texto que pretende instituir o “auxílio-agronegócio”, nos termos de José Casado. Trata-se de nova rodada de refinanciamento das dívidas do setor. A medida contemplaria cerca de dois milhões de empresários, que somariam cerca de R$ 15 bilhões em dívidas não pagas para os bancos públicos e o Funrural. Projeta-se, segundo informa Casado, um abatimento de 100% no pagamento dos juros e suspensão de leilões de bens dos devedores.

Em relação ao Funrural, a bancada ruralista, o Ministério da Economia e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional trabalham para propor renegociação da dívida de cerca de R$ 10 bilhões do agronegócio por meio do Programa de Retomada Fiscal. Segundo informa o jornal Valor Econômico, a proposta em construção prevê um abatimento de 70% do valor das dívidas e prazo de até 145 meses para pagamento para produtores pessoa física, micro e médias empresas e cooperativas. Para as demais empresas o abatimento seria de 50% do valor da dívida e até 84 meses para pagamento. Segundo informa a matéria, a bancada ruralista propõe estender para todas as empresas o desconto de 70%.

Ainda dentro dos pacotes de bondades do Governo Federal para o agronegócio está a edição de Medida Provisória,  prevista para o mês de setembro, isentando o pagamento de PIS e Cofins das importações de milho. O objetivo seria a redução de custos da produção pecuária, em especial para aves e suínos. O imposto de importação já havia sido zerado, até o final do ano, para países de fora do Mercosul, além de liberação da entrada de transgênicos produzidos nos EUA.

Como aponta Maria Lúcia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, muitos dos mecanismos que provocam a elevação da dívida interna brasileira possuem relação com o agronegócio, em especial a parcela exportadora. Um exemplo apontado por Fattorelli é quando o Banco Central troca moeda estrangeira por moeda nacional junto aos exportadores. Esses valores em reais são aplicados pelos latifundiários em instituições financeiras, deste modo, “o Banco Central troca o dinheiro (da sociedade) depositado nos bancos por títulos públicos que rendem juros aos bancos. Os danos desse mecanismo são imensos, pois ele provoca escassez de moeda e incentiva os bancos a cobrarem elevadíssimas taxas de juros de mercado, além de provocar rombo aos cofres públicos e aumento da dívida pública”, afirma a coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.

Além destes mecanismos, as constantes desonerações e incentivos ficais para o agronegócio fazem com que esse setor pouco contribua para o financiamento do Estado e das políticas públicas. Cabe perguntar: quem se beneficia do agronegócio exportador? Segundo Fattorelli, são “os grandes latifundiários do agronegócio e as grandes empresas nacionais e internacionais (trading companies), que comercializam e financiam tanto o agronegócio como a bancada de políticos que garantem os privilégios do setor na legislação do país, por exemplo: BRFoods, Monsanto, Seara, Bunge, Raizen, Tereos, Phillip Morris, Souza Cruz, Amaggi, Basf, Bayer, Yara, Suzano, Klabin, Rabobank, Santander”.

 

Movimentos de concentração e centralização no agronegócio

 

Assim como no ano de 2020, as fusões e aquisições de capitais no âmbito do agronegócio seguem “aquecidas” neste ano de 2021. Ao longo de 2020 foram realizadas 67 transações de fusões e aquisições no setor, que movimentaram R$ 4,3 bilhões. Neste ano, até julho, foram realizadas 33 operações, que movimentaram R$ 1,7 bilhões.

O ramo de distribuição de insumos agrícolas foi onde mais ocorreram operações de fusões e aquisições: em 2021 já ocorreram ou estão em conclusão 11 negociações, que representam 12% do total de recursos nestas operações.

É importante destacar que este ramo tem estado “aquecido” nas últimas safras, e, ademais, o Brasil é altamente dependente da produção externa de insumos, como fertilizantes. Em 2020, da demanda total de 38,5 milhões de toneladas, 34,2 milhões foram importadas, como já apontado por nós no último boletim deste Observatório.

Outra característica de destaque no ramo de comercialização de fertilizantes é que mais de 80% das negociações correspondentes ao segundo semestre deste ano para a produção de grãos já foram realizadas, conforme informa a consultoria Stonex, que também projeta que neste ano serão demandados 43,7 milhões de toneladas.

Neste contexto, e em um mercado que movimenta mais de R$ 100 bilhões por ano, a estratégia das grandes empresas para ganhar espaço no país tem sido a aquisição de distribuidoras menores e regionais. Para Camila Guimarães, da consultoria Kynetec, o mercado de distribuição de insumos estaria passando por uma terceira onda. Ela diz ao jornal Valor Econômico  que “em 2016 e 2017, vimos a entrada de fundos de private equity nas aquisições. Naquele momento, ocorreram grandes compras, de empresas com faturamento anual de mais de R$ 400 milhões. Entre 2018 e 2019 houve uma segunda grande onda, com a captura de revendas com faturamento mais abaixo, de R$ 200 milhões a R$ 400 milhões. Recentemente, observamos uma terceira onda, com mais participantes e aquisições de distribuidoras de perfil mais regionalizado, com faturamento entre R$ 100 milhões a R$ 150 milhões”.

 

O projeto BolsoDoria de privatização dos assentamentos

O PL 410/2021, de autoria do governador João Doria, altera a Lei nº 4.957 de 1985, que dispõe sobre planos públicos de valorização e aproveitamento dos recursos fundiários. Importante destacar que a lei agrária de 1985 foi criada como resultado de fortes embates entre o Estado e trabalhadores sem terra, especialmente na região sudoeste do estado. Os trabalhadores rurais, por meio de ocupação de terras, lutavam pela arrecadação de terras devolutas, exigindo que fossem destinadas para a reforma agrária. Assim, o estado de São Paulo, antes mesmo da Constituição de 1988, criou um mecanismo de democratização de acesso à terra, atendendo a crescente demanda por reforma agrária dos movimentos populares, que estavam em pleno processo de organização e mobilização.

O objetivo do PL 410/21 é transferir às famílias assentadas o título de domínio dos seus lotes nos assentamentos criados pelo governo do Estado de São Paulo, mediante pagamento de 10% do valor da terra nua. Os assentamentos estaduais estão sob responsabilidade da Fundação Itesp, órgão vinculado à Secretaria da Justiça e Cidadania.

O projeto prevê que, após passados 10 anos, atendidos os requisitos e feito o pagamento, o assentado titulado possa vender sua terra para qualquer pessoa, independentemente do novo comprador se dispor à produção de alimentos.

Cerca de 7 mil famílias serão diretamente afetadas por tal projeto, que em realidade significa a privatização dos assentamentos existentes, bem como a inviabilização de arrecadação de terras devolutas ou do Estado para a reforma agrária.

A outorga do título de domínio, na forma proposta, torna o assentado um proprietário do lote, podendo negociar a terra conquistada e especular com o lote, descaracterizando o sentido coletivo de comunidade que é o assentamento, seja por sua estrutura produtiva, casas construídas, escolas, áreas sociais e de preservação ambiental.

Além desse aspecto privatista presente na proposta, o PL também contém várias armadilhas que podem acarretar que o assentado contraia, ao invés do título, uma dívida impagável, e termine por perder a terra, sua casa e tudo que conquistou na luta. Isso porque a outorga do título definitivo é resolúvel, ou seja, depende do cumprimento de determinadas condições rígidas, que, caso não sejam cumpridas, tornam o título inócuo e levam à perda da posse sobre a terra. Entre essas condições, que na realidade são verdadeiras armadilhas, destacam-se: o licenciamento ambiental, o Cadastro Ambiental Rural, o Registro do título em cartório, e o pagamento de 10% do valor estipulado segundo tabela do Instituto de Economia Agrícola (IEA).

Assim, o PL 410 atende aos interesses privados de especulação das terras dos assentamentos de reforma agrária e vai ao encontro do Programa Titula Brasil, do governo Bolsonaro, que prevê a regularização fundiária da grilagem de terras e a imposição da titulação de domínio aos assentamentos federais. O programa contraria o artigo 189 da Constituição, que prevê, além do título de domínio, a concessão do direito real de uso, amplamente defendida por movimentos populares, como o MST.

Caso seja aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, os assentamentos estarão sujeitos a um verdadeiro balcão de negócios por parte da especulação imobiliária e do agronegócio.

Veja a Carta aberta do MST à Sociedade: “Não à privatização da Reforma Agrária pelos governos Bolsonaro e Dória. Fora PL 410/21 e Programa Titula Brasil. Terra Pública é Terra de quem Luta!”.

 

Pressão sobre os cooperados pelo aumento da escala de produção na cooperativa Aurora

Veja neste link a entrevista para o portal Amanhã do presidente da cooperativa Central Aurora Alimentos, Neivor Canton.  Ele destaca a pressão do mercado para o aumento da escala de produção dos cooperados, que estaria hoje em 1 mil suínos/ano por produtor. Fala ainda da pressão financeira para o crescimento da cooperativa, alinhando essa discussão com o peso da bancada ruralista no Congresso Nacional.

A Aurora é uma cooperativa central, formada por 11 associadas. Opera o terceiro maior conglomerado de carnes do país, tem 68 mil associados e 50 mil funcionários (arredondando esses números, seria 1 empregado para cada 1,36 associados). Isso implica uma relação de exploração coletiva desses assalariados, ao passo que os pequenos associados também fazem parte dessa equação de geração e extração de mais-valor.

O crescimento do faturamento bruto previsto em 2021 é de R$ 19 bilhões, o dobro do que obteve em 2018, e mais de quatro vezes o faturamento de 10 anos atrás.

 

Recomendações de leitura

 

  • . Em entrevista ao Brasil de Fato, Adriana Charoux, coordenadora da campanha “Agroecologia contra a Fome”, do Greenpeace Brasil, analisa a relação entre o aumento do preço dos alimentos e o agronegócio, que privilegia as exportações às custas do encarecimento dos alimentos e do aumento da fome no Brasil.

 

  • No O Joio e o Trigo, João Peres analisa as projeções do Ministério da Agricultura que apontam para redução de até 60% na área com cultivo de arroz, queda de um terço na área cultivada com feijão e uma área 11% menor para cultivo de mandioca até 2030.

 

  • “A constatação é inequívoca: o processo de crise econômica capitalista, mesmo com seus índices econômicos esquálidos, ‘desindustrialização’ e desemprego em massa, é acompanhado por uma destruição ambiental mais sistemática e irreversível, por uma exploração de recursos naturais mais intensa e profunda, agora bancada a crédito. Há, portanto, uma relação de ‘retroalimentação’ também entre a crise do capitalismo e o colapso ambiental, gerando ‘catástrofes sociais da natureza’ (Robert Kurz) como parte do cotidiano”, analisa Maurilio Botelho para o blog da Boitempo, no artigoPlaneta em chamas: como a crise capitalista aprofunda o colapso ambiental”.

 

  • Para a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Adriana Amâncio analisa os impactos que a extinção do Bolsa Família e do PAA trarão para a famílias agricultoras do semiárido. Ela também aborda os efeitos da criação do Auxílio Brasil e Alimenta Brasil pela MP 1.061, que estabelece critérios que excluem as famílias mais pobres do acesso às políticas públicas e à inclusão produtiva.

 

 

  • O De Olho nos Ruralistas pesquisou as marcas estampadas nos caminhões que estiveram presentes nos atos golpistas de 7 de setembro. Entre elas estão empresas com históricos de trabalho escravo, crimes ambientais e conflitos agrários.

 

 

  • Em parceria entre o Núcleo de Estudos em Cooperação (Necoop/UFFS) e o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, está em construção estudo sobre a distribuição dos recursos do Pronaf no Brasil. Neste link pode-se acessar o estudo preliminar relacionado aos dados nacionais do programa. Neste link pode-se ter acesso ao estudo por grandes regiões.