Informe OBSAL #21 | 1º de maio de 2022 a 11 de setembre de 2023

Observatório da América Latina e Caribe

 

Resumo

No segundo quadrimestre de 2023 foram acentuadas no mundo e em nossa região algumas tendências que já vinham se desenvolvendo anteriormente, as quais foram objetos de pesquisa e análise do presente informe #21 do Observatório da América Latina e do Caribe (OBSAL), do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

A nível global, observamos a progressão acelerada das alterações climáticas como uma das principais dimensões da crise civilizacional – da civilização do capital. Foram formadas ondas de calor que quebraram máximas históricas de temperatura e tiveram consequências como degelos, incêndios e secas, mostrando de forma cada vez mais urgente a necessidade de mitigar os efeitos dessa era de “fervura global” – como chamou o Secretário-Geral das Nações Unidas – e ouvir propostas de mudança inspiradas na justiça social e climática apresentadas por movimentos populares.

As alterações climáticas estão impactando significativamente a produção agrícola, o que levou a um aumento dos preços dos alimentos. Nesse cenário, países como a Índia e a Rússia limitaram a sua participação no mercado mundial de diferentes maneiras. Os preços do petróleo também subiram nos últimos meses. Estes acontecimentos ocorrem num contexto em que se espera uma desaceleração da economia mundial, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), com queda das taxas do produto nas economias de muitos países desenvolvidos e um crescimento nas economias dos países em desenvolvimento. A inflação global ainda é elevada, embora tenha diminuído. E como o remédio vem sendo a adoção de políticas econômicas ortodoxas, os efeitos sociais negativos não demoram a aparecer, aumentando o sofrimento dos setores populares, principalmente dos países do Sul Global.

A segunda tendência que analisamos neste relatório é a transição hegemônica global para um mundo multipolar, de que já vínhamos analisando e que já foi reconhecida pelos líderes mundiais. Esta transição, no entanto, esbarra na dinâmica bélica e na política imperialista dos Estados Unidos, particularmente no nosso continente, mas que também está presente nas guerras que decorrem na Europa e na África, com grande participação dos países da OTAN.

O foco do cenário de guerra tem se deslocado da Europa para África, após uma contraofensiva ucraniana apoiada pela OTAN que não registrou progressos significativos. O golpe de Estado ocorrido no Níger, em julho, e a tomada de posse de um governo crítico da intervenção francesa aumentaram a possibilidade de uma terceira guerra no continente. Este golpe faz parte de uma série de golpes militares nos países da região africana do Sahel que ocorreram nos últimos anos. Muitos desses novos governos militares adotaram posições anti-imperialistas aos interesses da França e dos Estados Unidos, e mostraram-se mais próximos da Rússia, o que parece manifestar mais um episódio de um confronto geopolítico global.

Esta tendência para a multipolaridade de centros de poder no mundo também se expressou nos diversos encontros internacionais que ocorreram nos últimos meses.

A mais significativa delas foi a Cúpula do BRICS, onde se decidiu por expandir o bloco, incorporando seis novos países. A Argentina é a única da nossa região a aderir. O novo bloco BRICS+ vai representar 46% da população mundial, 36% do PIB e controlar a maior parte da produção de grãos e hidrocarbonetos; isso torna inevitável o debate sobre o dólar como moeda de intercâmbio global e seu potencial declínio, já expresso em algumas questões práticas em transações comerciais que começam a ser realizadas em yuans em países como Bolívia, Brasil e Argentina, por exemplo.

Outro encontro relevante para a nossa região foi o realizado entre a União Europeia (UE) e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Embora não tenha cristalizado avanços específicos, por si só expressou o interesse da Europa em mercados seguros e com recursos estratégicos e coloca em destaque o papel da CELAC como uma organização que tem potencial para ser um interlocutor que expressa os interesses da região.

No âmbito do Mercosul, vale destacar as divergências entre o Uruguai – que não assinou o documento do encontro realizado em julho e pretende concretizar sozinho um Acordo de Comércio Livre com a China – e o Paraguai, que não tem relações diplomáticas com a China por reconhecer Taiwán. Uma questão importante para o Mercosul é a implementação do acordo com a União Europeia, mas que ainda está em negociação.

Torna-se relevante no quadro destas tendências globais descritas, e especialmente em relação à aceleração das alterações climáticas, a cúpula dos presidentes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), realizada em agosto, quando foi apresentada uma agenda de cooperação regional em relação à Amazônia e seu desenvolvimento.

A tendência ao multipolarismo também se expressou na impossibilidade – por enquanto – de fechar um acordo de intervenção no Haiti, já que vários países caribenhos, além da Rússia e da China, expressaram objeções a uma solução que não leve em conta a vontade do próprio povo haitiano.

No que diz respeito aos movimentos populares, destacamos a realização do encontro regional da Conferência dos Dilemas da Humanidade em setembro, no Chile, um mês antes do encontro global, que terá lugar na África do Sul, em outubro. Trata-se de um espaço em que lideranças dos movimentos populares da região debatem a atual situação geopolítica e a construção de um projeto emancipatório e de unidade para a região.

Em relação às sub-regiões que abordamos em nossos relatórios, uma tendência geral à direita tem sido observada no Cone Sul, caracterizada principalmente pela surpreendente vitória da extrema direita nas eleições primárias na Argentina, mas matizada pelo terceiro governo Lula no Brasil.

Nas eleições primárias argentinas, em agosto, o candidato da extrema-direita obteve inesperados 30% e ficou em primeiro lugar numa eleição dividida em terços, em que o partido no poder ficou em terceiro lugar por uma pequena margem de diferença. Num contexto de crescente crise econômica e de tensões com o FMI – que praticamente exerce o co-governo no país – resta ao governo argentino tentar reverter esta situação com políticas compensatórias ou de redistribuição de renda. As eleições – cruciais para a orientação que a nossa região terá nos próximos anos – terão o seu primeiro turno em outubro e, caso haja um segundo turno, serão realizadas em novembro.

No Brasil, o terceiro governo Lula está obtendo alguns avanços, embora com limitações inerentes à frente ampla, que tinha como objetivo primeiro afastar Jair Bolsonaro da presidência. Destacamos algumas políticas recentes, como a melhora da política de cotas para o acesso à educação e o Programa de Aceleração do Crescimento com investimentos em diversas áreas. Há melhorias nos indicadores socioeconômicos, baixa taxa de desemprego e inflação controlada. No entanto, entraves como a taxa de juros elevada e a rigidez fiscal impedem um aprofundamento de políticas que visem mudanças mais profundas.

No Chile, a direita liderada por Juan Antonio Kast ganhou terreno nas eleições para vereadores constituintes, conseguindo 23 dos 50 lugares. O governo de Gabriel Boric voltou a assistir um declínio na sua popularidade nas sondagens. Boric está propondo medidas fiscais para reforçar a arrecadação e permitir melhorar o sistema de saúde, as pensões e o serviço de justiça e segurança. Porém, ele enfrenta um escândalo de corrupção que levou à demissão de um ministro, tensões com professores e a má notícia de que o país entrou em recessão, caracterizada pela queda do PIB nos últimos três trimestres. Neste quadro, o governo procura acordos com a direita para garantir governabilidade e mantém conversações para gerar consenso nas reformas fiscais. O presidente chileno também expressou posições conservadoras em relação ao conflito entre comunidades indígenas e empresários.

No Paraguai, Santiago Peña assumiu a presidência em março deste ano. Embora Peña pertença ao mesmo partido que já governava o país, o novo presidente pertence a outra corrente interna do Partido Colorado. Nem no seu discurso inicial nem na composição do seu gabinete parece haver qualquer sinal de abordagem de um dos problemas estruturais do Paraguai: a distribuição desigual da terra e a situação do campesinato. Membro fundador do “Grupo Liberdade e Democracia”, espaço alinhado à direita e considerado um contrapeso ao Grupo Puebla, Peña iniciou seu governo no plano internacional em tensão com a Argentina e com desafios em sua relação com os Estados Unidos, por conta de ações judiciais que o governo Biden tomou contra membros de seu partido no último ano.

No Uruguai, o período foi marcado pela crise hídrica em Montevidéu, que se tornou a primeira capital do mundo a ficar sem água para consumo humano por conta de um período de seca e por não possuir infraestrutura suficiente para resolver o problema a tempo. O país também é assolado por uma tendência geral de direita, levando o governo a assinar um acordo militar de “apoio mútuo” com os Estados Unidos. As eleições do ano que vem permitem que, juntamente com as candidaturas, sejam propostos temas a serem levados a plebiscito. Uma destas consultas está sendo organizada pelo PIT-CNT sobre a reforma previdenciária promovida pelo governo. Às vésperas das eleições, o cenário político aparece dividido em duas metades, uma hegemonizada pela Coligação Multicolor, liderada pelo Partido Nacional, e outra hegemonizada pela Frente Ampla. Cada frente política está realizando debates internos sobre propostas, estratégias e candidaturas.

Na região andina, o foco está nas eleições presidenciais no Equador. O país está passando por um contexto crítico, consequência das políticas neoliberais de Guillermo Lasso. Há uma escalada de violência que resultou, inclusive, no assassinato de um dos candidatos presidenciais. O segundo turno das eleições – que definirá o rumo não só para os equatorianos mas também para o processo de integração regional – está entre a candidata da Revolução Cidadã, Luisa González, e o direitista Daniel Noboa. Outro ponto que vale destacar é que o povo equatoriano votou massivamente pela rejeição da exploração petrolífera no Parque Nacional Yasuní.

Outro país que se prepara para a sua disputa eleitoral é a Venezuela. Nas eleições presidenciais de 2024, a revolução bolivariana, liderada por Nicolás Maduro, enfrentará uma oposição difusa sem candidatos claros, mas com a bússola à direita e ao norte cada vez mais acentuada.

Atravessando a fronteira com a Venezuela encontramos a Colômbia, cujo governo liderado por Gustavo Petro completou um ano. O sopro de esperança que a chegada do atual presidente representou já teve seus primeiros efeitos tanto nacional quanto internacionalmente. As suas intervenções em encontros globais sobre o combate ao tráfico de droga e a justiça ambiental merecem destaques. Além disso, Petro tem desempenhado um papel proeminente na promoção dos processos de integração regional. Internamente, tem colocado em prática uma agenda de inclusão social ao promover uma série de reformas progressistas (sanitária, trabalhista e previdenciária). No Peru, por sua vez, a oposição política está articulada pelos meios de comunicação e pelo poder Judiciário, que buscam desestabilizar o governo com falsas acusações, ao mesmo tempo em que se calam sobre as atrocidades cometidas pelo governo de Dina Boluarte, que enfrenta dura resistência do povo peruano que busca impedir a escalada da repressão e da estrangeirização.

Já a Bolívia segue o seu caminho por meio de suas políticas soberanas, procurando industrializar setores estratégicos como o lítio. Além disso, o partido no poder, o MAS, busca resolver algumas tensões internas que, segundo García Linera, podem ser destrutivas ou criativas. A disputa de liderança entre Arce, Choquehuanca e Evo Morales ameaça não só a unidade política do partido, mas também o próprio governo.

Na  região da Mesoamérica, o México tem mirado as eleições presidenciais de 2024. O partido no poder e a oposição definiram candidaturas em processos eleitorais internos repletos de tensões e, como no caso de Morena, ameaçam a unidade política. Claudia Sheimbaum representará o partido liderado pelo atual presidente López Obrador, e Xóchitl Gálvez representará a oposição Frente Amplio pelo México, que reúne partidos tradicionais como o PRI, o PAN e o PRD. Resta saber qual o papel que o ex-chanceler Marcelo Ebrard terá na disputa eleitoral diante dos rumores de uma possível candidatura fora do morenismo, após perder seu cargo interno.

Uma tendência sempre analisada em nossos relatórios é a crise migratória que atinge a região mesoamericana. Contra todas as esperanças dos grupos migrantes que estão em ambos os lados da fronteira que separa o Rio Grande, o fim do Título 42 resultou em um agravamento das políticas anti-imigração dos Estados Unidos. Um problema que ameaça se agravar em um contexto de crise social, econômica e instabilidade política.

Os processos eleitorais e o sistema político nos países da América Central estão na corda bamba, sob um contexto de múltiplas crises sociais e econômicas que geram descontentamento social e com a presença de oligarquias que não estão dispostas a perder o poder. Tanto na Guatemala quanto em Honduras, a ameaça de um golpe de Estado persegue suas democracias. No caso do país presidido por Xiomara Castro, os militares responsáveis ​​pelo golpe contra Zelaya em 2009 voltam a ameaçar e atacar a ordem constitucional, enquanto a oposição se reorganiza no Bloco de Oposição Cidadã para desgastar o governo nas ruas e bloquear suas iniciativas no Congresso Nacional. Castro vive um dos momentos mais delicados desde que assumiu a presidência, mas com forte apoio social e mobilização popular.

O povo guatemalteco expressou seu desejo de mudança ao eleger Bernardo Arévalo como o novo presidente, do partido Semilla. As eleições foram marcadas pela judicialização eleitoral que, entre proscrições e não aceitação dos resultados eleitorais, ameaçou impedir a vontade popular que pedia um basta ao “pacto corrupto”. Embora a vitória de Arévalo tenha sido oficializada, a consolidação de seu governo não será fácil, já que nos bastidores, setores do judiciário, político e empresarial movimentam suas fichas para evitar que ele tenha governabilidade.

Em El Salvador, o autoritarismo de Bukele se consolida à medida que ele quebra toda a legalidade do Estado Democrático de Direito. O país segue sob um regime de emergência como parte de sua “guerra contra gangues”. Embora a candidatura de Bukele para concorrer à reeleição presidencial em 2024 seja inconstitucional, ela foi endossada por membros do Judiciário eleitos por seu partido.

Passando às águas do Caribe, este relatório detalha o agravamento da crise social, sanitária e política no Haiti dois anos após um assassinato, cujas investigações continuam sem progresso, e sob um governo de fato que ainda não convocou novas eleições. Neste contexto, as propostas intervencionistas dos Estados Unidos e seus aliados avançam a partir de diferentes organizações internacionais, mas com Rússia e China desempenhando um contrapeso, colocando mais uma vez em xeque a hegemonia do mundo unipolar que temos falado.

Já Cuba continua em seu processo de mudanças que fazem parte da reorganização econômica que começou com a Reforma Constitucional de 2019, e que estão produzindo modificações na estrutura econômica e estatal do país. Este relatório analisa detalhadamente a atual situação macroeconômica da ilha, afetada pela inflação, pela duplicação da taxa de câmbio e pela recente criação de pequenas e médias empresas privadas. Estas reformas ocorrem em meio a uma crise causada principalmente pelo bloqueio econômico dos EUA que se aprofundou durante o governo de Donald Trump e que não diminuiu sob a administração Biden.

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