Observatório da Questão Agrária

 

Síntese: Neste informe destacamos o lançamento do Plano Safra 2020/2021, que mais uma vez tem pouco apoio para a agricultura familiar, beneficiando principalmente o agronegócio; neste sentido, movimentos populares do campo criticam a baixa dotação orçamentária para os programas voltados para os pequenos produtores, bem como os escassos recursos para o PAA e outras ações necessárias para o desenvolvimento da agricultura familiar. Os movimentos populares ainda pressionam o Parlamento para a aprovação de medidas emergenciais para os pequenos agricultores impactados pela crise do coronavírus. Trazemos apontamentos sobre a questão ambiental e as contradições do agronegócio, como o risco de fundos de investimentos europeus retirarem recursos de empresas ligadas a pecuária e sojicultura, devido ao desmonte das políticas ambientais no país e o aumento do desmatamento da Amazônia.

 

Plano Safra 2020/2021

No lançamento do plano safra 2020/2021, Bolsonaro disse que “o homem do campo é um exemplo, realmente, de trabalhador brasileiro. Eles trabalham de segunda a domingo, por vezes, 24 horas por dia, e não reclamam de absolutamente nada. A não ser, às vezes, quando o Estado quer interferir no seu trabalho”. Segundo aponta Sakamoto em sua coluna, essa afirmação se choca duplamente com a realidade. Em primeiro lugar, os que trabalham para terceiros reclamam das condições de trabalho; em segundo, a realidade do trabalho escravo no país aponta para uma ausência do Estado, e não a sua interferência, como pensa o presidente.

O governo federal anunciou para o plano safra 2020/2021 um total de R$ 236,3 bilhões, um incremento de 6,1% em relação ao plano anterior. Deste valor, a agricultura familiar, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), receberá R$ 33 bilhões, um incremento de 5,7% em relação ao período anterior. No entanto, a taxa de juros, apesar da redução das taxas do programa que ficaram entre 13% a 16,7% mais baixas (a depender das linhas de crédito contratadas) deverá ficar pela primeira vez na história acima da taxa Selic. Como aponta João Guadagnin e Paulo Cabral em artigo para o Brasil de Fato, “a Taxa Selic está em 2,25%, e a menor taxa de juros do Pronaf ficou em 2,75% ao ano, o que significa que os agricultores familiares que produzem alimentos de consumo interno, que abastecem a mesa dos brasileiros com os alimentos básicos, entre eles o feijão, feijão caupi, mandioca, tomate, cebola, batata-doce, frutas, olerícolas e os produtos da exploração extrativista ecologicamente sustentável, terão que pagar, pela primeira vez na história do Pronaf, taxas de juros 22,2% maiores que a taxa Selic”.

O Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica não chega a ser mencionado no atual plano safra, assim como não o foi no ano anterior. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) terá dotação de R$ 220 milhões, muito abaixo da demanda dos movimentos populares que reivindicam uma dotação de R$ 1 bilhão.

A Câmara dos Deputados deverá votar em breve o PL 735/2020, que prevê um pacote de medidas emergenciais para os agricultores familiares em função da Covid-19. O projeto foi articulado pelos movimentos populares e prevê, entre outras medidas, a concessão de crédito para assentados, desenvolvimentos de assentamentos para 108 mil famílias, renegociação de dívidas rurais, garantia de abastecimento de água e luz e apoio para tecnologias sócias de acesso a água para consumo humano e produção. O projeto está em tramitação na Câmara dos Deputados em regime de urgência.

 

Questões ambientais

Com o desmatamento da Amazônia em alta em 2020, repetindo o desastre ocorrido ano passado, fontes diplomáticas da Europa ouvidas pelo El País indicam que a política ambiental da gestão Bolsonaro pode inviabilizar o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que está na fase de edição dos termos do acordo antes de seguir para a aprovação nos parlamentos. O recado de que a política ambiental pode retirar investimento de fundos estrangeiros foi dado pelas gestoras de fundos de investimento que compõe a Investor Initiative for Sustainable Forests, que somam um total de 4 trilhões de dólares, com aportes no país em empresas da área de pecuária e sojicultura.

A maior pressão vem das investidoras nórdicas, como Storebrand, AP7, KLP, DNB, Assent Manangement, Robeco, entre outras. Segundo o Valor Econômico, esses fundos possuem investimento da ordem de 5 bilhões de dólares no Brasil, inclusive em trandings transnacionais como ABM, Bunge e Cargill. Os fundos afirmam que podem fazer desinvestimentos nestas empresas caso as análises das políticas ambientais sejam negativas. Neste sentido, a gestora britânica LGIM disse que pode impor sanções ou desinvestimentos em relação a JBS, Marfrig e Minerva, caso estas empresas não adotem políticas ambientais robustas.

O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles revogou ato do ministério de abril que anulava infrações ambientais no bioma Mata Atlântica, como desmatamento e queimadas. O MPF apontou que o despacho do ministro poderia levar a cancelamentos de multas ambientais, além de impedir que o Ibama tomasse providências e exercesse o poder de polícia na preservação da Mata Atlântica. Quem destruísse áreas do bioma também estaria isento da obrigatoriedade de recuperá-las. No dia 4 de junho, a AGU entrou com medida judicial no STF para que os ministros se pronunciassem sobre a validade do Código Florestal no bioma da Mata Atlântica. Nas “Principais notícias do agronegócio” do mês de maio, havíamos destacado esse ato do Ministro do Meio Ambiente, correlacionando com sua fala na reunião ministerial de 22 de abril sobre ir “passando a boiada”.

O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro de Camargo Neto, renunciou ao cargo por discordar do apoio da SRB às falas do ministro Ricardo Salles. Em entrevista a Jamil Chade no UOL, Pedro de Camargo disse que a comunicação do ministério do Meio Ambiente “com o exterior tem sido desastrada. A participação do Brasil na Conferência do Clima na Espanha continha propostas que poderiam ser interessantes, não fosse a falta de credibilidade para defendê-las. Temos muito a avançar e ser reconhecidos em tudo que o país tem de positivo, porém vejo muito complicado com a atual imagem e polarização”.

O governo federal deve lançar o Plano de Combate ao Desmatamento Ilegal. Sob o comando do vice-presidente Hamilton Morão no Conselho da Amazônia, o plano deverá ter cinco eixos: tolerância zero com o desmatamento ilegal, regularização fundiária, ordenamento territorial, pagamento por serviços ambientais e bioeconomia.

 

Indenização bilionária

No último dia do mês de junho, a União depositou duas parcelas de precatórios à Cooperativa de Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar). A quantia de R$ 3,452 bilhões – maior indenização da história da União – refere-se às ações contra a política do Instituto do Açúcar e do Álcool sobre os preços das décadas de 1980 e 1990. A Copersucar deverá dividir o valor entre os cooperados e ex-cooperados que tem direito a indenização, reforçando o caixa das usinas.

 

Centralização no setor de carnes

Estudo da Embrapa apontou para um possível crescimento de 23% na produção de carne bovina no país, exigirindo transformações no setor, com melhora na gestão do negócio, digitalização e intensificação produtiva. Esse crescimento deverá ser puxado pela crescente demanda dos países asiáticos. No entanto, a projeção brasileira como líder global deverá excluir quase 1,3 milhão de produtores, ampliando a concentração neste setor. Segundo Guilherme Malafaia, coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina da Embrapa Gado de Corte, “parcela considerável vai ser excluída da atividade e substituída por fazendas corporativas. Até 2040, cerca de 50% dos produtores devem sair do mercado”.

 

Exportações e a dependência do mercado chinês

A concentração das exportações brasileiras do agronegócio têm se intensificado no ano de 2020, segundo a Secretaria de Comércio Exterior. Nos primeiros cinco meses de 2020 houve um aumento de 8% dos embarques do agronegócio em relação ao mesmo período de 2019, com um valor de US$ 42 bilhões. No entanto, há uma elevada concentração das exportações por produto e por destino, sendo a Ásia (excluído o Oriente Médio) responsável por 56,2% das exportações, um incremento de 25,1% em relação ao mesmo período de 2019. Em relação às exportações totais da economia brasileira, o agronegócio representou 49,7% das exportações nos primeiros cinco meses deste ano. A China teve participação recorde, equivalendo a soma das exportações para a Europa, América do Norte, América Latina e Caribe (exceto o México), África e Oriente Médio.

Sete produtos representaram 74,1% dessas exportações, sendo eles: soja em grãos (38,9%), carne bovina in natura (6,7%), celulose (6,2%), carne de frango in natura (6,1%), açúcar (6%), farelo de soja (5,6%) e café verde (4,7%). As informações são do Jornal Valor Econômico.