Observatório da Questão Agrária

Estudo aponta que o principal agressor da floresta amazônica é o especulador que ocupa terras públicas, o que representa 75% das terras deste bioma.

 

N° 04/20

Síntese: O mês de julho, assim como o mesmo período do ano passado, aponta para um cenário de aumento do desmatamento e das queimadas nos biomas brasileiros, em especial na Amazônia e no Cerrado. Junto a este desastre mais que anunciado, está o esforço do governo federal em desregulamentar e desmontar as políticas de proteção do meio ambiente; ou como diz o próprio ministro Ricardo Salles, “ir passando a boiada”.

 

Aumento do desmatamento

Os dados de queimadas na Amazônia já apresentados neste ano apontam para um cenário parecido ou até pior do que o vivenciado no ano de 2019. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o mês de junho apresentou o maior número de focos de incêndio desde 2007, com 4.596 focos. As queimadas estão relacionadas ao desmatamento da floresta, como relatado por Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), geógrafa e doutora em Recursos Florestais e Conservação pela Universidade da Flórida (EUA). “A primeira coisa a dizer é que as queimadas estão associadas ao desmatamento. Para você reduzir o número de queimadas, tem que reduzir a área desmatada. O fogo não acontece de forma natural na Amazônia. Alguém tem que ir lá e acender esse fogo. O que temos visto é justamente o contrário. O desmatamento não está reduzindo, só aumenta a cada mês em relação ao ano passado, quando subiu muito se comparado aos anos anteriores”.

Neste sentido, o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo, afirma que o principal agressor da floresta amazônica é o especulador que ocupa terras públicas, o que representa 75% das terras deste bioma. “Estudos mostram que seis de cada dez hectares de floresta desmatada viram pastagens, três acabam abandonados e só um hectare se torna lavoura produtiva”. Dessa forma, “é esse especulador que precisa ser barrado”. Ainda segundo o relatório do MapBiomas, em 2019 foram desmatados em média 3.339 hectares por dia, o que representa 133 hectares por hora no país. O ano de 2020 pode superar esse dado.

A pressão internacional contra os aumentos do desmatamento na Amazônia ganhou um novo capítulo com o lançamento da campanha Campact!, uma ação que pede a supermercados europeus que parem de comprar alimentos brasileiros de empresas que “queimam a floresta com a maior crueldade dos últimos dez anos”. Entre os temas da campanha está a preocupação com o avanço de projetos de lei que incentivam o desmatamento como o PL 2.633/2020 (lei da grilagem), PL 3.729/2004 (alteração do sistema de licenciamento ambiental) e PL 191/2020 (que trata da pesquisa e extração de recursos em terras indígenas).

Internamente, empresas reunidas no Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), tem demostrado preocupação com a deterioração da imagem brasileira no exterior em razão da política ambiental do governo Bolsonaro, e temem a possibilidade de redução dos investimentos estrangeiros no país e “boicotes” a produtos brasileiros, além da possível inviabilização do acordo comercial do Mercosul com a União Europeia.

Segundo Marcio Astrini, presidente do Observatório do Clima, “as pessoas interessadas nesse desmatamento estão frequentando o Palácio do Planalto. Ministros de Estado se reuniram com madeireiros ilegais, garimpeiros, grileiros. É o pessoal que corria da polícia, mas se acha injustiçado”.

Neste sentido, empresários do setor frigorífico e representantes de trandings pressionam Bolsonaro a trocar o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Entretanto, segundo relata o jornal Folha de São Paulo, o presidente não vê possibilidade de trocar o ministro, mesmo com as pressões externa e interna, visto que Salles é apoiado pela bancada ruralista. Segundo relata da reportagem, o agronegócio estaria dividido: por um lado frigoríficos e trandings pressionam pela saída de Salles, por outro, agricultores e o setor sucroalcooleiro apoiariam o ministro pelas mudanças que este está realizando na legislação atual.

As contradições se ampliam com as medidas já tomadas por empresas estrangerias em deixar de comprar produtos brasileiros relacionados ao desmatamento. Neste mês, uma das maiores empresas produtoras de salmão do mundo, a norueguesa Grieg Seafood, excluiu uma subsidiária da Cargill de sua lista de fornecedoras por ligação com o desmatamento no Cerrado e na Amazônia.

As mudanças regulatórias no meio ambiente confirma que a “boiada” de Salles está realmente passando durante a pandemia. Segundo levantamento da Folha em parceria com instituto Talanoa, entre março e maio de 2020 foram editados 195 atos no Diário Oficial, entre portarias, instruções normativas, decretos, entre outros atos em relação ao meio ambiente. Este número representa aumento de 12 vezes em relação ao mesmo período do ano passado, sendo que grande parte dos atos buscam alterar o entendimento da legislação no sentido do desmonte das políticas de proteção ambiental.

Entre os atos de desmonte estão a reforma administrativa no ICMBio, que exonerou gestores especializados e centralizou a administração de unidades de conservação em cargos ocupados por militares; outra medida para “passar a boiada” foi a instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente, que regula o pagamento de indenização em casos de desapropriação em áreas de conservação; em seu artigo sobre populações tradicionais cria-se brecha para a expulsão da população indígena e quilombolas destas áreas. Entre outras medidas está a anistia a desmatadores na Mata Atlântica, questionada pelo Ministério Público.

Segundo o Conselho da Amazônia, a operação militar Verde Brasil 2, coordenada pelo vice-presidente Hamilton Mourão como resposta ao aumento do desmatamento da Amazônia, gastou menos de 1% do orçamento destinado às ações de fiscalização, segundo levantamento do Estadão com base nos dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).