Observatório da Questão Agrária

 

N° 02/20

Síntese: No mês de abril as principais movimentações em relação ao agronegócio no país se deram em relação à crescente preocupação com as cadeias produtivas, em especial a produção e processamento de proteína animal, com a ampliação dos casos de contaminação nas plantas de processamento.

Por outro lado, países exportadores como o Brasil, tem buscado se articular para evitar o fechamento do comércio das commodities agrícolas no mercado internacional, na medida em que diversos países têm implementado barreiras comerciais. Nas disputas institucionais apresenta-se as contradições entre o discurso anti-China de integrantes do governo federal e a preocupação do agronegócio altamente dependente da demanda chinesa. Segue abaixo uma síntese das principais notícias relacionadas ao agronegócio no mês de abril.

 

1. Impactos econômicos do coronavírus no agronegócio

Neste mês o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) reduziu a expectativa de crescimento do PIB da agropecuária para 2020. O instituto prevê crescimento de 2,4% ante previsão anterior de 3,8%. O cenário de queda nas estimativas do PIB agropecuária se deve a estiagem que prejudicou as lavouras no Rio Grande do Sul e os impactos da COVID-19 nas cadeias de carnes bovina e cana-de-açúcar. Os pesquisadores alertam que essa queda pode ser maior, chegando ao crescimento de apenas 1,4% em 2020.

A pandemia do novo coronavírus tem impactado de diferentes maneiras nas cadeias do agronegócio. A queda de demanda interna e os riscos de contaminação de trabalhadores tem indicado a redução da produção de carne de frango no país, segundo cálculos iniciais de uma fonte do Valor Econômico que aponta para a redução de 10% do alojamento de pintinhos em maio; o abate antecipado de aves matrizes deve reduzir em 5% a oferta de carne de frango na país. Em relação ao risco de contaminação dos trabalhadores em frigoríficos, o Ministério Público do Trabalho firmou acordo de ajustamento de conduta com a Minuano, estabelecendo um distanciamento mínimo entre trabalhadores de 1 metro. No entanto, outras empresas do setor têm apresentado resistência, afirmando que essa medida pode reduzir severamente o ritmo da produção, levando a quedas de 30% na produção de carne de frangos e de 20% de carne suína.

Não apenas no Brasil o processamento de proteína animal tem encontrado dificuldades diante do cenário de pandemia. Após duas semanas fechado para conter as contaminações, o frigorífico da JBS no Estado do Colorado nos EUA voltou a operar, mas dobraram as contaminações dos funcionários, chegando a 245 e com 6 mortes registradas. Há outras plantas da JBS em diferentes regiões dos EUA que estão fechadas por conta da contaminação, tanto de produção de carne bovina quanto suínos.

Por outro lado, setores do agronegócio tem apresentado crescimento, como a transnacional norte-americana ADM, que registrou crescimento do lucro líquido no primeiro trimestre do ano com resultado de US$ 391 milhões; um crescimento de 67,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. O resultado se deu principalmente nas divisões de serviços agrícolas e oleaginosas (1,2%) e na divisão de nutrição (75,3%).

A alemã BASF registrou crescimento de 6% nas vendas agrícolas no primeiro trimestre de 2020 em relação a igual período de 2019, chegando a 2,8 bilhões de euros.

Para tentar evitar perdas no mercado mundial das commodities agrícolas, uma coalizão formada por Brasil, EUA, Canadá, Austrália e Cingapura conclamam que parceiros comerciais suspendam barreiras comerciais impostas em função da pandemia do novo coronavírus. A OMC identificou 166 medidas restritivas do comércio em função da crise sanitária. As medidas restritivas ao comércio de produtos agropecuários é significativo e incluem restrições às exportações de alimentos e redução de tarifas de importações, que no caso dos países do Mercosul impactam a concorrência de produtos brasileiros.

Nesta mesma linha, uma aliança de 23 países exportadores e importadores se posicionaram no sentido de manter o funcionamento do mercado global e das cadeias de alimentos. Essa aliança representa 63% dos exportadores agrícolas e 55% dos importadores. A aliança alerta para o risco em relação às barreiras comerciais que alguns países estão implantando para o comércio agrícola, o que poderia gerar insegurança alimentar com o rompimento das cadeias globais de suprimentos.

 

2. O modelo do agronegócio e as contradições em meio a pandemia

Artigo publicado na Rede Brasil Atual aponta que o “encolhimento das florestas naturais tem colocado a humanidade cada vez mais em contato com patógenos causadores de zoonoses. Só que no organismo humano as manifestações têm sido mais graves. Haja vista a raiva, o Ebola e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) que vitimou a China em 2000 – todas decorrentes de algum agente que infecta outros mamíferos”. Além disso o biólogo Rob Wallace afirma que o agronegócio é responsável pela aumento no número de doenças infecciosas, na medida em que um subconjunto de infecções que se espalhavam rapidamente em ambientes de florestas avança cada vez mais em seres humanos. Ainda segundo o biólogo, “a produção de alimentos altamente capitalizada depende de práticas que colocam em risco toda a humanidade. Neste caso, ajudando a desencadear uma nova pandemia mortal. Deveríamos exigir que os sistemas alimentares fossem socializados de modo a evitar que patógenos perigosos emergissem. Isso exigirá a reintegração da produção de alimentos às necessidades das comunidades rurais primeiro. Isso exigirá práticas agroecológicas que protejam o meio ambiente e os agricultores à medida que cultivam nossos alimentos. Em geral, precisamos curar as fendas metabólicas que separam nossas ecologias de nossas economias. Em suma, temos um planeta para vencer.”

Por outro lado, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, em entrevista ao jornal Valor Econômico, aponta que o mundo que nascerá após a crise do novo coronavírus deverá estar “muito mais preocupado com as condições sanitárias e a rastreabilidade dos alimentos, com novos hábitos de consumo, foco em redução de custos e protecionista do ponto de vista comercial”. Do ponto de vista do comércio internacional, Rodrigues vê com preocupação a perda de protagonismo da OMC na intermediação das relações entre os países, e os acordos bilaterais ganharão mais força em detrimento dos acordos multilaterais. No entanto, não questiona o modelo atual de produção do agronegócio que, como apontado acima, é insustentável ao meio ambiente.

Enquanto isso, na região da grande São Paulo, cerca de 7 mil agricultores familiares do chamado cinturão verde tem queda de até 80% das vendas de frutas e verduras. A região é responsável por 25% do abastecimento nacional de verduras, além de abastecer a cidade de São Paulo com 90% das verduras e 40% dos legumes. Os agricultores estão sendo obrigados a descartar toneladas de alimentos pela falta de políticas públicas que possibilitem que esse alimento seja doado para quem necessita. Simone Silotti, agricultora de Mogi das Cruzes, diz ter “4 toneladas de alface, agrião e rúcula que poderiam ser destinadas para doação toda semana, mas não temos como arcar com os custos para fazer com que esses alimentos cheguem até quem precisa”.

Nas disputas institucionais, as tensões geradas recentemente por integrantes do governo federal e o próprio Bolsonaro e seu filhos, em relação à China, tem provocado desgaste com a ministra da agricultura Tereza Cristina, que é apoiada pela bancada ruralista e setores do agronegócio que sustentam integralmente a política adotada pelo ministério. No último mês, a ministra têm sido alvo de ataques nas redes sociais bolsonaristas. Segundo o jornal Valor Econômico, isso trouxe temores da bancada ruralista e de setores do agronegócio pela queda da ministra.

Em sinal de descontentamento com declarações feitas por integrantes do governo sobre a China, a ministra Tereza Cristina alerta para a importância do mercado asiático para o agronegócio brasileiro, que superaria os mercados dos EUA, Argentina e Europa juntos, e portanto, “o Brasil não deveria se meter em briga de gente grande”, afirma.

No dia 16 de abril de 2020 a TV TerraViva organizou um debate com alguns ex-ministros da Agricultura, como Alysson Paolinelli (1974 – 1979), Francisco Turra (1998 – 1999), Roberto Rodrigues (2003 – 2006), Reinhold Stefhanes (2007 – 2010), Neri Geller (2014), Kátia Abreu (2015 – 2016) e Blairo Maggi (2016 – 2018).

O Observatório da Questão Agrária do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social realizou uma síntese do debate no intuito de organizar o pensamento e a projeção do Agronegócio para o próximo período, que podem ser resumidos em quatro temas: perspectivas do setor pós pandemia do Covid-19; relação Brasil-China; atuação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e as políticas do governo federal para a agropecuária e a cadeia do leite.