Observatório da Questão Agrária

Apesar dos diversos contratempos, ainda assim a agricultura camponesa no Brasil resiste e demonstra surpreendente capacidade produtiva e de reprodução social.

 

Até que ponto o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), executado pelo governo federal, tem cumprido seu papel de auxiliar economicamente os pequenos e médios estabelecimentos rurais no Brasil?

Esta é das perguntas que o estudo Análise do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar pretende responder. Lançado nesta sexta-feira (17), o documento foi elaborado pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social em parceria com o Núcleo de Estudos em Cooperação (ECOOP), da Universidade Federal da Fronteira Sul.

Ao analisar os dados do Pronaf sobre o uso e a destinação dos recursos para o crédito rural no Brasil no ano de 2020, em especial pela Agricultura Familiar, o estudo observa que a desigualdade em relação ao programa de crédito não se dá apenas entre o setor camponês e o agronegócio, mas também entre os diversos segmentos do campesinato, além de uma distribuição geográfica muito desigual ao longo do território nacional.

Segundo o documento, “essa disparidade pode ter por base a diversidade de condições naturais e sociais e as estratégias dos agricultores frente às dificuldades de sobrevivência sob as relações capitalistas de produção. Ocorre que o crédito rural também exerce influência sobre essa situação e ainda, nas condições em que tem sido ofertado, tende a aprofundar as desigualdades existentes”.

Para se ter uma ideia dessa desigualdade regional de acesso ao crédito rural, a Região Nordeste concentra a maior parcela dos camponeses brasileiros (50,27%), mas recebe apenas 14% dos recursos. Em contrapartida, a Região Sul possui 18,20% dos estabelecimentos da Agricultura Familiar, e foi responsável por acessar 57,4% dos recursos do Pronaf no ano de 2020.

Para além da desigualdade regional na distribuição dos recursos, o estudo aponta a baixa cobertura dos estabelecimentos familiares que conseguem ter acesso ao Pronaf, uma vez que cerca de 60% dos agricultores familiares não tiveram acesso ao crédito rural em 2020.

Um dos elementos que explica a dificuldade do programa em atender amplamente o segmento da agricultura familiar no campo é a inadequação do programa, aspectos burocráticos dos agentes financeiros e as exigências impostas por eles.

No lugar do arroz com feijão, soja com milho

Junto as mais de 600 mil mortes causadas pela pandemia de covid-19 no Brasil, o ano de 2021 também foi marcado pelo expressivo aumento da fome e a elevação dos preços de diversos segmentos da economia, a exemplo do crescimento do preço dos alimentos.

Para se ter uma ideia, dos 116,8 milhões de pessoas atualmente em situação de insegurança alimentar, 43,4 milhões (20,5% da população) não contam com alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada ou grave) e 19,1 milhões (9% da população) estão passando fome (insegurança alimentar grave), como aponta um estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pessan).

Uma das explicações para este cenário está relacionada justamente com a secundarização do financiamento de alimentos básicos. Como demonstra o estudo do Instituto Tricontinental e da ECOOP, apenas 2,53% dos recursos do Pronaf Custeio Geral foi destinado para a produção de arroz e feijão, enquanto o volume total do Pronaf Custeio liberado para apenas duas commodities agrícolas (soja e milho) foi de R$ 6 bilhões. Esse montante é 5,25 vezes maior quando comparado com o custeio liberado para outros 98 produtos financiados que estão ligados à alimentação, que foi de R$ 1,2 bilhões.

Esses dados apenas reforçam que os recursos do Pronaf estão sendo direcionados para produtos vinculados ao agronegócio exportador e não para itens alimentícios. Ou seja, “o percentual irrisório de recursos voltados a produtos básicos da alimentação do brasileiro impacta diretamente na cesta alimentar e expõe à especulação do agronegócio (que prioriza lucros e exportação) ao invés de assegurar a segurança e a soberania alimentar do país”, destaca o documento.

Vale destacar, contudo, que apesar dos diversos contratempos relacionados à financeirização da agricultura familiar no Brasil, ainda assim ela resiste e demonstra surpreendente capacidade produtiva e de reprodução social, como demonstram os dados de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a pesquisa, a agricultura camponesa representa 77% dos estabelecimentos, mais de 10 milhões de empregos rurais (67% do total) e foi responsável por R$ 131,7 bilhões (23%) dos R$ 572,99 bilhões do Valor Bruto da Produção (VBP) naquele ano.

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