Foto Jaelson Lucas / AEN / FotosPublicas

Nº. 02/2021

 

Este é o Boletim mensal do Observatório da Questão Agrária do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, e todos os meses trazemos um resumo dos principais temas da movimentação do agronegócio no Brasil, buscaremos abordar as temáticas dentro dos seguintes aspectos: a) bens da natureza e atuação do capital financeiro; b) controle dos insumos; c) mecanização agrícola e novas tecnologias; d) agroindústria e alimentos; e) movimento de concentração, centralização e internacionalização das empresas do agronegócio. Neste número damos continuidade a discussão sobre o controle de terras por estrangeiros no país e os diferentes posicionamento dos ruralistas sobre o tema. O segundo tema que trazemos neste número do Boletim é a aprovação do Fiagro no Congresso Nacional e a atuação do capital financeiro no financiamento do agronegócio. Por fim, trazemos as notícias sobre os movimentos de concentração, centralização e internacionalização das empresas do agronegócio no Brasil.

 

Controle estrangeiro das terras no Brasil

Com a aprovação no Senado, no final do ano passado do projeto de lei 2.693/2019 que amplia a possibilidade de compra de terras por estrangeiros, que discutimos no boletim 01/2021 deste Observatório, a tramitação na Câmara dos Deputados não parece ter perspectivas de avançar, devido a contradições internas do agronegócio.

A possibilidade de ampliação da compra de terras por estrangeiros já foi criticada por Bolsonaro  ainda quando estava em campanha, apontando que se aprovada uma matéria neste sentido, a iniciativa seria vetada. Neste contexto, segundo informa o Valor Econômico, o jogo  parece ter mudado na Câmera, entre parcela dos produtores haveria resistência em função do cenário econômico de desvalorização cambial e alta no preço das commodities, o que poderia levar a uma “invasão” de investidores, em especial chineses, comprando o “filé das terras” disponíveis, além de provocar o aumento no preço das terras.

Esta posição foi apresentada por Fernando Cadore, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja/MT), que realizou uma pesquisa junto a 6.610 produtores associados no Estado com questionamentos acerca dos pontos do projeto de lei. O resultado da pesquisa levou a conclusão de que 95,8% dos produtores seriam contrários a não aplicação dos limites de compra de terras por empresas estrangeiras, e defendem portanto que as regras definidas na Lei 5.709/1971 devam ser aplicadas.

O capital financeiro e as grandes trandings transnacionais são defensoras do projeto, destacando que as restrições seriam “ideológicas” e que haveria a necessidade de “primar pelas leis de mercado e livre funcionamento”, como afirmou André Pessôa, membro do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp. Já para a Associação das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), as restrições a compra de terras por estrangeiro no país geraria insegurança jurídica para os investimentos no campo brasileiro.

Na mesma perspectiva o STF tem em pauta o questionamento da constitucionalidade dos dispositivos presentes na Lei 5.709/1971, provocado pelo ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e atual secretário de agricultura do Estado de São Paulo Gustavo Junqueira, que vê nas limitações para a aquisição de terras por estrangeiros uma “cartilha socialista”. No entanto, o relator do processo no STF ministro Marco Aurélio Mello deverá manter o entendimento atual em relação as restrições previstas na atual legislação. Diz o ministro que “a ausência de regulação compromete o aspecto externo da soberania, ao permitir que parcela do território seja submetida à vontade de pessoas de fora”. No entanto, o julgamento está suspenso por um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes.

Importante observar como isso evolui do ponto de vista formal da aprovação da lei, pois é fato que o processo de estrangeirização sobre as terras no Brasil ocorre também por outros caminhos como por exemplo, através dos fundos de investimentos estrangeiros. Estima-se que pelo menos 750 mil hectares de terras tenham sido adquiridos, principalmente no bioma do Cerrado, pelos fundos privados estrangeiros TIAA- CREF de professores dos EUA e da Universidade de Harvard. Assim, a expectativa destes fundos seria pela “regularização das aquisições estrangeiras” passadas e pela liberação de novas aquisições, com a aprovação da mudança no legislativo e sanção pelo executivo.

 

Financeirização da agricultura

Está sendo projetado um cenário de perspectivas de um novo ciclo de alta nos preços das commodities, conforme aponta relatório do banco JPMorgan, que deverá ser puxado pelo petróleo, minerais e aumento da demanda por commodities agrícolas como soja e milho. Estas que já alcançaram no balanço do último ano, patamares maiores que nos últimos seis anos, na bolsa de valores de Chicago.

Houve crescimento dos contratos de financiamento das atividades agrícolas nos mercados de crédito com taxas de juros livres. O principal instrumento utilizado neste momento têm sido as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA’s), e até o momento na safra 2020/2021 já foram acessados R$ 147,5 bilhões, um crescimento de 18% frente ao mesmo período na safra anterior. Destes empréstimos, para investimento houve crescimento de 40%, chegando a R$ 47,3 bilhões emprestados, no custeio a alta foi de 14% com R$ 78,8 bilhões. Para o financiamento de comercialização e industrialização foram mantidos os mesmos patamares do período anterior, R$ 13,3 bilhões e R$ 8,2 bilhões, respectivamente.

Neste contexto, foi aprovado no Congresso Nacional o Projeto de Lei que cria o Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro), que possibilita “a captação de recursos de investidores, nacionais ou estrangeiros, destinado ao investimento no agronegócio, realizado por diversas formas, desde a aquisição direta de imóveis rurais […] até a aquisição de participação societária, títulos ou valores mobiliários emitidos por sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia agroindustrial…”

Este projeto implicará num recrudescimento da dependência externa brasileira, na medida em que os financiamentos obtidos por capitais externos se tornarão passivos no balanço de pagamento do Brasil, isto porque a categoria de passivo externo engloba não apenas a dívida externa do país, mas também os investimentos externos diretos ou em portfólio. Portanto, além de não resolver o problema do financiamento agrícola, ainda proporcionará um impacto na conta financeira do balanço de pagamentos do Brasil.

Além disso, o Fiagro pode tornar-se um grande incorporador de terras públicas griladas, convertidas em terras privadas, após uma nova volta de regularização da grilagem de terras como previsto na Portaria Conjunta INCRA/MAPA de 01 de Dezembro de 2020 que institui o Programa Titula Brasil , que trata de titulação em assentamentos de reforma agrária, mas também de regularização de terras públicas da União; e através do PL 510/2021 do Senador Irajá de Abreu que altera a Lei n° 11.952/2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União; a Lei n° 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública; a Lei nº 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos; a Lei nº 13.240/2015, que dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos; e a Lei nº 10.304/2001, que transfere ao domínio dos Estados de Roraima e do Amapá terras pertencentes à União, a fim de ampliar o alcance da regularização fundiária e dar outras providências. O PL 510/2021 aguarda tramitação no Congresso.

 

Concentração e centralização do capital na agricultura e sua internacionalização

Com um faturamento em 2020 de R$ 6 bilhões o grupo Lavoro têm adotado uma estratégia agressiva com novas aquisições com o objetivo de dobrar seu tamanho até a safra 2024/2025. A empresa já tem o controle de outras 15 empresas do ramo de distribuição de insumos agrícolas e atuação no Brasil, Colômbia e Uruguai, sendo que 85% de sua receita em 2020 foram de operações no Brasil. A empresa projeta adquirir revendedoras de insumos agrícolas no Equador, Uruguai, Chile e Paraguai.

Também com projeto de expansão no Brasil, a empresa de fertilizantes Cibra Fertilizantes pretende aportar R$ 500 milhões para ampliação das operações, com cerca de US$ 40 milhões provenientes do Banco Mundial. A empresa é controlada pelo grupo estadunidense Omimex. A empresa está testando em 150 fazendas brasileiras um novo adubo com base na rocha polihalita que congregaria quatro nutrientes, sendo cálcio, magnésio, potássio e enxofre. O minério é extraído de minas localizadas na costa da Inglaterra, que possui a maior reserva já descoberta com cerca de 2,7 bilhões de toneladas.

A Cibra Fertilizantes tem atuação em toda a região do Matopiba, além de estar presente em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e nos três estados da região sul. Ainda dentro dos planos de expansão da empresa, foi anunciado a aquisição da unidade de da Heringer Fertilizantes em Minas Gerais por R$ 55 milhões. A fábrica tem potencial de produção de 400 mil toneladas anuais de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), fertilizantes diferenciados e adubos para fertirrigação e hidroponia.

Por fim, a empresa ainda planeja mais uma aquisição para atender o Estado de São Paulo e a construção de mais uma fábrica em Mato Grosso. No total a empresa possui 11 unidades no Brasil, sendo 3 na Bahia, 2 em Mato Grosso, 2 no Paraná, 1 em Goias, 1 no Rio Grande do Sul, 1 em Santa Catarina e 1 em Minas Gerais.

O grupo Nitro que possui atuação no ramo químico e tem operações no Brasil, EUA,  Uruguai e Áustria e atende mais de 70 países adquiriu a empresa paulista Biocontrol de produção de biodefensivos agrícolas, com foco na produção de fungos de combate a pragas em lavouras de cana-de-açúcar e café.

No ramo da fruticultura a empresa espanhola Citri&Co, que é a maior produtora de frutas cítricas da Europa adquiriu participação na empresa cearense Agrícola Famosa, atualmente líder mundial na produção e exportação de melão e melancia, sendo o rol de exportações responsável por 80% do faturamento de US$ 716 milhões em 2020. Com a criação da joint venture as empresas buscam ampliar sua participação nos mercados dos EUA e da Ásia. Com o objetivo de atender a demanda por frutas durante todo o ano a companhia planeja construir ou comprar unidades de processamento de frutas no Brasil e no exterior.

A Raízen Energia, controlada pela Cosan e Shell é a maior empresa sucroalcooleira do Brasil e foi autorizada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para a compra da empresa Biosev.