Informe OBSAL #15/Parte II

Observatório da Conjuntura na América Latina e no Caribe

 

Nesta segunda parte do relatório #15 do Obsal, analisamos o calendário eleitoral do Chile, Argentina e Paraguai, além da situação política do Brasil e Uruguai. Já na região andina, a instabilidade democrática se coaduna com a mobilização permanente contra o neoliberalismo, como o caso da crise de governabilidade no Peru. Poucos meses depois das eleições presidenciais, a situação é ainda mais aguda para Pedro Castillo; enquanto o presidente busca resolver crises internas de seu governo, a direita aproveita o cenário para avançar. No caso da Bolívia, apesar do aniversário de um ano do retorno da democracia, em novembro, o governo de Luis Arce está em meio a ameaças dos mesmos setores da oposição que em 2019 conseguiram consolidar o golpe de Estado. Clique aqui para conferir a primeira parte do relatório 315 da Obsal

 

Cone Sul: calendário eleitoral no Chile, Argentina e Paraguai; panorama político no Uruguai e Brasil

No relatório anterior do OBSAL, o #14, um dos pontos destacados na análise da conjuntura brasileira foi o tensionamento de Bolsonaro contra a democracia. O ápice dessa tensão foi atingido nas manifestações pró-governo, no dia 7 de setembro, que analisamos em texto para a ARGmedios. Após esta data, o que assistimos foi uma diminuição das trocas de farpas entre Bolsonaro e membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa aparente calmaria parece estar bastante descolada dos fatos que vieram à tona no cenário político e social do país durante setembro e outubro.

A gravidade das acusações, na CPI da Covid-19, contra o governo e contra o grupo Prevent Sênior é um exemplo de como os problemas políticos no país vêm se agudizando. No dia 28/09, a CPI contou com a presença da advogada Bruna Morato, representante de 12 médicos da empresa. Bruna declarou que, de acordo com os relatos dos médicos, muitos pacientes com chances de sobreviver eram direcionados a um setor específico, onde recebiam hidroxicloroquina e ivermectina e eram orientados a medicar-se com remédios ineficazes para tratar a Covid-19. De acordo com os médicos, a Prevent Sênior utilizou pacientes como cobaias do tratamento precoce e diminuiu a oferta de oxigênio a pacientes internados a mais de 14 dias na UTI. Para a empresa, segundo a advogada – com base nos relatos dos médicos – óbito também era alta. Ainda, Bruna afirmou que a Prevent Sênior se uniu ao gabinete paralelo do governo (citado em nosso relatório #13) e se alinhou à prescrição de cloroquina, ivermectina e azitromicina. Em entrevista, no dia 03/10, três médicos da Prevent Sênior expuseram que nos hospitais da empresa foram dadas altas antes do momento correto, evitados procedimentos mais complexos para diminuir os custos e que eles sofreram pressão para liberarem leitos de UTI. No dia 07/10, um ex-paciente da Prevent Sênior depôs na CPI e afirmou que a empresa tentou convencer a sua família a desligar seus aparelhos com o prontuário de uma outra cliente. O ex-paciente contou que se não fosse a pressão familiar, ele poderia ter evoluído a óbito. No dia 26/10, a CPI da Covid-19 divulgou o relatório final, com o pedido de indiciamento do presidente Jair Bolsonaro em 9 crimes. Na semana anterior, antes do fechamento do relatório, um dos crimes em que Bolsonaro poderia ser indiciado era o de genocídio à população indígena. Isso incomodou um dos principais jornais do país, o O Globo. No dia 19/10, o períodico se deu ao trabalho de reservar o seu Editorial para afirmar que “é um abuso acusar Bolsonaro de genocídio”.

O agravamento do quadro socioeconômico é outro exemplo da agudização dos problemas no país. A inflação brasileira, medida pelo IPCA, foi de 1,14% em setembro. Foi o maior avanço do índice para o mês desde 1994. No acumulado de 12 meses, o índice chegou a 10,05%. A taxa de desemprego do segundo trimestre de 2021 seguiu em patamar muito elevado, 14,1%. Esses números têm efeitos diretos para a pobreza e para a extrema pobreza da população. O número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, em setembro/21, foi de 14.655.264. Muito próximo do recorde, alcançado em julho/21, em que 14.694.962 de famílias recebiam o benefício.

A gravidade da situação socioeconômica do Brasil se manifesta para além dos números. As cenas do cotidiano expressam o problema da fome que assola milhões de brasileiros. No final de setembro, a imagem de pessoas, na cidade do Rio de Janeiro,  na fila para pegar ossos e restos de carne de um caminhão, que retira o que não é utilizado de supermercados, repercutiu em todo país. No início de outubro, outra cena foi assunto em diversos meios de comunicação e nas redes sociais: um supermercado na capital do estado do Pará, Belém, vendendo carcaças de peixes a 3,90 reais o quilo. Em vídeo que circulou nas redes sociais, em meados de outubro, é mostrado um grupo de pessoas revirando a caçamba de um caminhão de lixo em busca de comida, na cidade de Fortaleza no estado do Ceará.

Diante dessa tragédia social, se torna mais do que urgente a oferta de políticas sociais para o combate à fome e à miséria. O governo adiou o anúncio do Auxílio-Brasil, um programa que substituiria o Programa Bolsa Família (PBF) e que ampliaria o número de beneficiários. A inclusão da iniciativa no orçamento faria com que não fosse cumprida a meta fiscal, sob a égide do teto de gastos públicos. Isso deixou os agentes do mercado financeiro agitados. A bolsa de valores apresentou quedas na semana entre os dias 18 e 22/10 e o governo decidiu adiar o anúncio. Aqui não estamos entrando no mérito da qualidade do novo programa do governo, que já recebeu críticas de especialistas, nem no fato de Bolsonaro acabar com o PBF, um programa reconhecido mundialmente.

Diante de tantas atrocidades reveladas com o caso da Prevent Sênior e a situação socioeconômica calamitosa do país, o efeito na sociedade, até para os que se contrapõem a Bolsonaro, parece ter sido o da anestesia. Isso se expressou, por exemplo, nas manifestações pelo #ForaBolsonaro, ocorridas no dia 02/10. Os atos não se ampliaram em relação aos anteriores, ficando restritos, principalmente, à militância dos movimentos sociais e de partidos políticos do campo progressista. Os manifestantes ocuparam as ruas em mais de 300 cidades no país, contando com um total aproximado de 700 mil pessoas, de acordo com os organizadores dos atos.

No cenário eleitoral, Lula continua liderando as pesquisas para a disputa presidencial em 2022. Na pesquisa do PoderData 360, do final de setembro, o ex-presidente alcançou 56% de intenção de voto frente a 33% de Bolsonaro, para um possível segundo turno.

A possível vitória de Lula parece preocupar mais alguns do que a grave situação socioeconômica do país. Em entrevista, no dia 17/10, Roberto Setúbal, copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, endossou o falso discurso de que Lula e Bolsonaro representam extremos distintos e disse que gostaria de ter uma terceira via bem mais forte. Ainda, abstraindo as privatizações e reformas realizadas nos governos Temer e Bolsonaro, disse que o Brasil precisa entrar numa agenda forte de reformas. As classes dominantes brasileiras não estão dispostas a dividir sequer um pequeno pedaço do bolo. As afirmações de Setúbal manifestam as intenções do capital no Brasil, que não dará sossego para quem ousar escapar de sua tutela.

Um pouco mais ao sul, na Argentina, o tema é o revés eleitoral da Frente de Todos nas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO), realizada no dia 12 de setembro. A coligação governamental ficou atrás do bloco de oposição Juntos por el Cambio, que governou até dezembro de 2019. Embora não tenham qualquer valor em termos de assentos legislativos, porque os cargos são eleitos nas eleições gerais de 14 de Novembro, é inegável que representam um indicador político bastante claro do grau de apoio ou de rejeição das políticas do governo chefiado por Alberto Fernández, por um lado, e, por outro, antecipam e talvez influenciem um possível mau resultado nas eleições para deputados, senadores e conselheiros em todo o país.

Embora a magnitude da derrota fosse imprevista – as pesquisas de intenção de voto voltaram a fracassar, inclusive a boca de urna do dia das eleições -, ela está longe de ser inexplicável. Em relatórios anteriores deste Observatório, bem como em documentos especiais elaborados pelo escritório argentino do Instituto Tricontinental, destacamos a importância da perda de poder aquisitivo da renda da maioria da população, devido ao alto índice de inflação e aos reajustes salariais insuficientes.

Um segundo fato relevante da eleição diz respeito ao resultado obtido na capital do país, a Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA), por Javier Milei, da aliança de extrema direita Avanza Libertad, que chegou a 14%. Milei faz parte da rede ligada aos setores ultraconservadores referenciados em Trump, um espaço que também inclui líderes de extrema direita como Jair Bolsonaro no Brasil e espaços como o Vox, que reivindica abertamente a colonização espanhola na América.

Outra questão que nos interessa destacar sobre essas eleições é que, pela primeira vez, o cadastro eleitoral da Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA) incluiu toda a população migrante. Antes, as pessoas tinham que se registrar no padrão eleitoral e muito poucas votavam. Um fato interessante que emerge de um estudo pós-eleitoral é que a população migrante (que votou) expressa posições mais à esquerda do que a média da população votante em geral.

Voltando à análise geral, o resultado das eleições golpeou a coalizão governista, que inclui vários setores do peronismo e muitos outros partidos e espaços políticos e sociais, entre os quais se destacam os principais movimentos populares. A expressão mais clara da crise surgiu na semana seguinte às eleições e incluiu uma carta aberta da vice-presidente Cristina Kirchner ao presidente Alberto Fernández. Os principais debates dizem respeito aos rumos da política econômica do governo.

“O governo apostou durante todo o período na tentativa de diminuir o mal-estar com os principais setores do poder econômico, mas também não encontrou receptividade a essas propostas conciliatórias”, analisou Emiliano López, pesquisador do nosso Instituto. O economista e professor da Universidade de La Plata afirmou que “nesse quadro, as medidas recentes procuram apenas resolver questões urgentes, especialmente as relacionadas com o controle dos preços dos alimentos”. “Esta é uma medida necessária. Obviamente, a maior parte da comunidade empresarial concentrada e que fixa os preços discorda e os efeitos ainda estão para ser vistos”, acrescenta López. Essa questão, central para a economia e a política argentina devido aos aumentos significativos de preços, é tratada em O Preço dos Alimentos: Dinâmica Global e Soluções Locais, um caderno elaborado pelo Instituto Tricontinental.

Quanto à dívida, para alguns setores da Frente de Todos há um excesso de complacência com o FMI. Lembram que esta instituição violou seu próprio regulamento ao fazer um empréstimo ao ex-presidente Mauricio Macri no valor de 57 bilhões de dólares (se executou 44 bilhões), decisão que hoje condiciona a economia argentina com a ameaça de uma enorme soma de juros e amortizações. A dívida está em negociação há mais de um ano. No final de outubro, o governo deu sinais de um certo endurecimento, pelo menos discursivo. Sobre o assunto, você pode ler a intervenção do ministro da Economia, Martín Guzmán, em uma atividade conjunta com Yanis Varoufakis e Andrés Arauz, organizada pela revista Crisis.

Em relação às eleições de 14 de novembro, o cenário mais esperado é a ratificação da vitória da oposição de direita, embora o governo aspire crescer alguns pontos e superar o resultado, pelo menos em alguns distritos, como a província de Buenos Aires. Um eventual triunfo da aliança de direita Juntos por el Cambio pode implicar na perda de controle das câmaras legislativas, forçando o governo a negociar sob pressão de não obter quorum.

Num contexto de competição das direitas entre Juntos por el Cambio e Avanza Libertad, surgiram propostas abertamente neoliberais na campanha, como um maior grau de flexibilidade trabalhista e, em geral, menos direitos para a classe trabalhadora, ofensiva a qual se uniu, com prazer, grande parte da comunidade empresarial local. Já nos principais meios de comunicação, uma agenda que visa deslegitimar as lutas sociais e as diferentes alternativas populares é privilegiada e instrumentalizada. Nas últimas semanas, a estigmatização das lutas dos povos indígenas, em particular do povo Mapuche na Patagônia, ganhou relevância nesta agenda. Ao mesmo tempo em que ataca o governo de várias maneiras, a maior parte da mídia privada minimiza escândalos de gravidade institucional, como o caso que investiga a espionagem estatal de parentes de marinheiros do ARA San Juan, que desapareceram com o submarino em novembro de 2017. Essa causa se soma a outras, entre as quais se destaca o contrabando de material armamentício para a Bolívia em novembro de 2019, nos primeiros dias do golpe, para apoiar a repressão da ditadura chefiada por Jeanine Añez.

No que diz respeito à política internacional, além das idas e vindas do Mercosul, tema que é analisado na seção Imperialismo e integração, outras questões importantes são a disputa com o Chile pelo limite da plataforma continental de cada país e a eventual instalação de uma Base do Comando Sul em Neuquén: uma caravana de protesto foi realizada no dia 1º de outubro após a reativação das obras no local.

No encerramento deste relatório, no primeiro dia de novembro, o presidente Alberto Fernández anunciou na COP26 que a empresa australiana Fortescue Future Industries investirá 8,4 bilhões de dólares no marco de um projeto de hidrogênio verde, que será produzido na Patagônia, a partir de energia eólica e solar.

No Chile, a disputa pelas eleições presidenciais de 21 de novembro segue estampando manchetes. Segundo levantamento do Cadem, a partir de 24 de outubro, faltando apenas quatro semanas para a votação, o candidato mais bem posicionado é o da extrema-direita José Antonio Kast, do Partido Republicano, com 23% da intenção de voto. Atrás dele, está Gabriel Boric (Frente Ampla), da coalizão Apruebo Dignidad, com 20%. Bem mais abaixo está Yasna Provoste (Partido Democrata Cristão), pela antiga Concertación, agora chamada de Novo Pacto Social, com 12%; e Sebastián Sichel, candidato da coalizão governista Chile Vamos, em quarto lugar, com apenas 7%.

Em suma, são pesquisas  num ambiente de grande incerteza e, como vimos ao longo do ano, de elevada volatilidade, com alterações inesperadas. Dois anos após o início do levante social conhecido como #ChileDespertó, é paradoxal que a figura mais bem posicionada nas pesquisas seja aquela que se encontra mais à direita no espectro político. Enquanto a campanha avança, outros acontecimentos importantes se dão em vários níveis. Nos últimos dias de outubro ocorreu um aumento de casos de Covid-19, que já parecia superada após a vacinação. Por outro lado, a Assembleia Constituinte, que definiu seu regimento principal, continua em sessões. Na esfera legislativa, uma notícia importante são os avanços na descriminalização do aborto na Câmara dos Deputados.

Ao mesmo tempo, o conflito social não cessa e, como do outro lado da Cordilheira, tende a se agravar em relação às comunidades Mapuche que lutam pelo território. Precisamente no dia 12 de outubro, o presidente decidiu militarizar a área por meio de um decreto que estabelece o “Estado de Exceção Constitucional” nas províncias de Arauco, Biobío, Malleco e Cautín, “para enfrentar com melhores instrumentos o terrorismo, o narcotráfico e o crime organizado que se enraizou nesses territórios”. Outra manifestação do conflito social ocorreu em Iquique, no norte do país, com o ataque de grupos de direita a um acampamento que acolhe famílias de migrantes venezuelanos.

Finalmente, as revelações do Pandora Papers atingiram novamente o presidente Sebastián Piñera, que havia interrompido sua espiral decrescente nos meses anteriores e agora enfrenta um impeachment devido a um possível conflito de interesses relacionado à propriedade e posterior venda de um megaprojeto de mineração. Em 13 de outubro, a oposição deu início ao processo de impeachment constitucional, que pode levar à destituição de Piñera. De acordo com a pesquisa Pulso Ciudadano, quase 70% apoiam a denúncia contra o presidente.

.No Paraguai, o dado mais relevante diz respeito à realização de eleições municipais, onde na maioria das cidades o oficialista Partido Colorado – ANR (Associação Nacional Republicana) conquistou a vitória. O resultado mais importante, sem dúvida, foi o da capital, Assunção, onde Oscar “Nenecho” Rodríguez, da ANR, venceu por estreita margem o candidato do Partido Liberal Radical Auténtico (PLRA), Eduardo Nakayama, também apoiado também pelo direitista Patria Querida. O Partido Colorado também venceu nas principais cidades do Departamento Central, como Luque, a terceira do país em população, onde triunfou o “cartista” Carlos Echeverría Estigarribia.

Porém, um resultado importante também foi o de Ciudad del Este. Nesta cidade de fronteira trinacional, voltou a triunfar o independente Miguel Prieto, que prevaleceu por larga margem contra os principais partidos, como o ANR e o PLRA. Devemos destacar também os péssimos resultados da Frente Guasú, que em alguns casos perdeu cadeiras por não chegar a um consenso no apoio às candidaturas, como na capital, onde se dividiu entre a candidatura de Johanna Ortega e a de Luis Narvaja. Talvez sua única vitória tenha sido em Ciudad del Este, onde a esquerda acompanhou Prieto.

A campanha foi desenvolvida em um clima de crescente violência que atinge o país. Nos últimos meses, e especialmente nas semanas que antecederam as eleições, houve vários casos de pistoleiros e outras formas de violência. Esse é um fenômeno que cresce no país, junto com o narcotráfico, com a cumplicidade dos militares e das forças de segurança, segundo denunciou publicamente o governador do departamento de Amambay, Ronald Acevedo, após um grupo de pistoleiros assassinar sua filha, Haylee Carolina Acevedo. No fechamento desta edição, em 1º de novembro, a Promotoria Holandesa denunciou a apreensão de 4.200 quilos de cocaína, que estavam dentro de dois contêineres que saíam do Paraguai. Recentemente, foi divulgado um relatório que coloca o Paraguai atrás apenas do Brasil entre os países sul-americanos com maior presença do crime organizado.

Fraco com os poderosos interesses por trás dos cartéis, o Estado paraguaio se faz de forte diante dos mais fracos. No dia 2 de setembro, completou-se um ano do assassinato de duas meninas de 11 anos, as primas Lilian Mariana Villalba e María Carmen Villalba, pela Força de Tarefa Conjunta, grupo especializado do Estado paraguaio que manipulou os corpos das meninas para apresentá-las como guerrilheiras. “Fizemos uma operação bem-sucedida contra o EPP no acampamento que o grupo guerrilheiro tinha em uma área de selva no norte do Paraguai. Depois de um confronto, dois membros desse grupo armado foram mortos”, anunciou o presidente Mario Abdo Benítez em tom de celebração. O Estado ainda não se desculpou nem iniciou uma investigação sobre o assunto, embora finalmente permitirá que uma comissão da Equipe de Antropologia Forense investigue.

Poucos dias depois das eleições de 10 de outubro, o escândalo do Pandora Papers atingiu Horacio Cartes. O ex-presidente é citado entre os donos de fundos em paraísos fiscais, assunto para o qual ele precisou dar explicações em um comunicado, algo inusitado para um homem forte da política guarani. No entanto, é improvável que a investigação tenha qualquer efeito interno.

.Na opinião do jornalista e ex-candidato a vice-presidente Leo Rubin, consultado para este relatório, o panorama político destas eleições está marcado por 2023, ano em que se escolherá um presidente. E a grande incógnita que se abre é quanto as possibilidades de unidade da oposição, num contexto de luta interna entre as duas facções da ANR. “O Paraguai vive uma grande crise por causa da briga entre o ex-presidente Cartes – que controla a Câmara dos Deputados, o Ministério Público, a Controladoria, mas ainda não controla o Senado – e o presidente Abdo Benítez. São duas facções do Partido Colorado, um ex-presidente e um atual presidente muito enfraquecido, que está praticamente refém de Cartes. E essa luta leva a um país sem liderança, à deriva e com alguém que tem mais poder que o próprio presidente. Para 2023, de um lado está Velázquez, o atual vice-presidente, que conta com o apoio de Abdo, e do outro está Santiago Peña, que é o cavalo de Cartes”. Na oposição, Rubin aponta como possíveis candidatos a Efraín Alegre para o PLRA e fala de várias possibilidades na Frente Guasú: “Esperanza Martínez, Sixto Pereira, Jorge Querey, podem ser outras pessoas”, disse. A estratégia da Frente Guasú é unificar o campo da esquerda progressista e a partir daí dialogar com o PLRA.

Outros temas relevantes, já comuns nesta seção, dizem respeito a áreas-chave da estrutura econômica e social do Paraguai. Uma é a questão agrária. Outra, é a energia. Quanto à primeira, a principal novidade tem a ver com a aprovação legislativa e promulgação, no final de setembro, da chamada “lei contra invasões”, promovida pela ANR e pela ruralista Patria Querida (PPQ). As organizações camponesas acreditam que esta lei legitimará as terras griladas pelos grandes proprietários, incluindo líderes políticos. A lei foi aprovada em meio a protestos de organizações camponesas e a críticas em espaços de pesquisa sobre o tema rural. Na questão energética, no dia 5 de outubro houve uma mobilização “contra a entrega da soberania de Itaipu”, com a participação de organizações sociais e as campanhas ‘Itaipu Causa Nacional 2023’ e ‘Itaipu é também Soberania’. A marcha incluiu paradas em frente a sede da Itaipu e da Embaixada do Brasil no Paraguai.

Para encerrar o relatório do Cone Sul, no Uruguai há sinais de uma reativação das lutas sociais e um certo nível de questionamento ao governo de Lacalle Pou, que atravessa seu segundo ano de mandato com níveis de aprovação razoáveis, da ordem de 47%. Em um contexto de agravamento da situação econômica, no dia 15 de setembro, a PIT-CNT, a central sindical unitária do país, realizou uma greve geral, que foi acompanhada por uma mobilização massiva.

Com o referendo sobre a Lei de Urgente Consideração (LUC) no horizonte como única questão eleitoral importante até 2024, os diversos setores se preparam para esse debate e alguns, como a Frente Ampla, se reorganizam após as derrotas de 2019 e 2020. O histórico espaço de unidade da esquerda uruguaia está em processo de eleição interna, que teve um momento fundamental no Congresso de 2 e 3 de outubro, quando foram lançadas as candidaturas para presidente da Frente, e será concluída em 5 de dezembro, quando se realizará a votação de filiados e filiadas. As candidaturas que foram proclamadas no Congresso foram as de Fernando Pereira, Ivonne Passada e Gonzalo Civila, que concordaram em colocar a luta contra a LUC como a maior prioridade.

A rede de oposição à LUC também agrega um amplo campo social. Em 23 de outubro, foi lançada em Montevidéu a campanha pelo Sim à revogação da LUC, observando que a lei, base das políticas do governo de direita, tem um “claro objetivo desestatizante”. A direita também se prepara para o plebiscito, que será em março de 2022.

Na agenda internacional, os capítulos de maior destaque são o anúncio de um Acordo de Livre Comércio com a China e a participação do Presidente Lacalle Pou na Cúpula da Celac no México, temas tratados na seção Imperialismo e Integração.

O último ponto que nos interessa mencionar, como pano de fundo estrutural que se apresenta de forma contínua diz respeito ao tráfico de drogas, em particular no departamento de Rivera, na fronteira norte, divisa com o estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Este estado é mais extenso do que todo o pequeno país do Rio da Prata e daí vêm grupos traficantes, como Os Tauras, Bala na Cara e Os Manos. Esses grupos, que se defrontam com o controle das rotas de drogas e armas na fronteira, têm praticado diversos atos de violência também do lado uruguaio. No final de outubro, a polícia local deteve um líder de Os Manos na cidade de Rivera.

 

Os Andes entre a instabilidade democrática e a mobilização permanente contra o neoliberalismo

A crise de governabilidade da região andina e, em particular, no Peru, continua sendo notícia. Antes das eleições, vazio presidencial; durante as eleições, tentativas de golpe institucional e desconhecimento dos resultados; e depois das eleições, mudanças permanentes de gabinete e grandes conflitos entre os diferentes espaços de governo. No último relatório do Obsal, comentamos sobre a fragilidade institucional do governo Pedro Castillo, que, devido à pressão da direita peruana e à necessidade de que o parlamento, majoritariamente nas mãos da oposição, aprovasse o gabinete, começou a ceder em relação a alguns dos ministros nomeados já na posse presidencial, que apontava para um governo de esquerda, com perfis mais radicais ligados à proposta da Assembleia Constituinte, entre outros.

Dois meses depois, a situação é ainda mais aguda: Pedro Castillo pediu a renúncia de seu primeiro-ministro, Guido Bellido, que o acompanhava desde sua posse e que garantiu a liderança do partido no poder, sob o argumento de que tinha uma “personalidade controversa que dificultava a construção de acordos”. Após a troca de Bellido pela atual premiê Mirtha Vásquez, o dirigente do Peru Libre (PL), Vladimir Cerrón, afirmou que não sobrou nenhuma figura de gabinete para garantir a adesão do governo ao PL, ao qual se juntaram as declarações da nova premiê, que afirmou que a Assembleia Constituinte não é uma prioridade do governo. Isso levou a bancada do partido do governo a, paradoxalmente, desaprovar o novo gabinete, retirando o seu voto de confiança no Congresso e retomando este mecanismo como uma faca de dois gumes, que pode colocar a governabilidade do país no limite – ainda mais.

É importante destacar três elementos principais que marcam as diferenças entre o presidente Castillo e o partido do governo: por um lado, a dificuldade que já apontamos em relatórios anteriores sobre a necessidade de aprovação do gabinete ministerial por meio de um voto de confiança do Congresso de que, tal como estava elaborado, não teria a aprovação dos dois partidos de oposição, que estão permanentemente na ofensiva desde a vitória eleitoral. Por outro lado, as divergências políticas nas perspectivas de governo entre o presidente e o Peru Libre, evidenciadas em questões delicadas da campanha, como a necessidade da Assembleia Constituinte e nacionalização do gás, que apesar de fundamentais para o Partido foram bandeiras omitidas inicialmente por Bellido para evitar enfrentar os partidos de oposição, de quem necessitava o voto de confiança. E, produto disso, o terceiro elemento que certamente determinará a disputa entre o PL e meia dúzia de pessoas de seu gabinete é a tensão entre a chamada esquerda “puka”, mais identificada como uma esquerda radical ou confrontativa, e a esquerda “caviar”, limenha e urbana, mais próxima do progressivismo politicamente correto, que privilegia o diálogo antes da confrontação.

Enquanto essa disputa política – e em muitos casos ideológica – se aprofunda no bloco do governo, a oposição segue na ofensiva buscando, via Congresso, a tão esperada – e utilizada – vacância presidencial para poder fazer o que claramente seria uma golpe contra o presidente Pedro Castillo, a partir da aprovação da lei que modifica a questão da confiança e limita os poderes do Executivo. Neste contexto, a eventual resolução das divergências entre o partido no poder e o Presidente Castillo torna-se ainda mais importante, especialmente levando em consideração a fragilidade institucional que caracteriza o Peru e as facilidades burocráticas que possibilitam o processo de vacância presidencial. Por enquanto, em 4 de novembro, o Congresso da República finalmente concedeu ao gabinete do governo um voto de confiança com 68 votos a favor, mas com os votos contra de 16 deputados do Peru Libre, entre os quais estavam Guillermo Bermejo, Waldemar Cerrón e o primeiro primeiro ministro, Guido Bellido.

Enquanto isso, Castillo anunciou no início de outubro o lançamento do que chamou de Segunda Reforma Agrária do Peru, um projeto que visa colocar o Estado a serviço dos agricultores familiares abandonados há décadas. A primeira medida foi a criação de um gabinete de desenvolvimento agrário e rural, que promoverá políticas de desenvolvimento agrícola e medidas de apoio direto e imediato aos agricultores.

A segunda reforma agrária visa dar aos pequenos produtores um acesso mais justo aos mercados, promover a proteção e o cuidado da água, apoiar diretamente a compra de fertilizantes pelos pequenos agricultores e estimular a produção de fertilizantes para o abastecimento nacional e regional, o reconhecimento de comunidades camponesas e indígenas “não apenas como organizações sociais, mas também como organizações produtivas e empresariais com plenos direitos econômicos”, entre outros objetivos. Além disso, ele também instou o Congresso a trabalhar em uma lei que estabeleça a nacionalização do gás em Camisea, uma zona de exploração localizada no departamento de Cusco e que é uma das mais importantes do continente.

A ofensiva antidemocrática parece ser uma infeliz característica comum contra os governos progressistas ou populares da região. No caso da Bolívia, apesar do aniversário de um ano do retorno da democracia, em novembro, o governo de Luis Arce está em meio a ameaças dos mesmos setores da oposição que em 2019 conseguiram consolidar o golpe de Estado.

Como resultado das investigações do The Intercept, o governo boliviano pôde acessar uma série de provas documentais – audios, e-mails e contratos – que sugerem a participação de Fernando López, o então ministro da Defesa da presidente golpista Jeanine Añez, na preparação de um plano de desestabilização visando a tentativa de assassinato do então presidente eleito Luis Arce.

O Ministro de Governo, Eduardo del Castillo, denunciou que o governo golpista contratou o mesmo grupo de mercenários e paramilitares que assassinou o presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em julho passado, o que constitui um preocupante alerta a nível regional sobre até onde os setores golpistas do continente estão dispostos a ir, e mostrando o que sem dúvida se configura como uma organização mercenária de alcance internacional.

A denúncia foi publicada pelo Ministro do Governo dias depois dos chamados “Comitês Cívicos”, com saudosismo golpista à flor da pele, marcarem, para 11 de outubro, uma Greve Nacional de 24 horas contra o projeto de lei de investigação de lucros ilícitos. Os principais focos de concentração foram em Santa Cruz e Cochabamba, onde prevaleceram uma narrativa golpista e racista contra os povos originários na véspera do dia 12 de outubro. Segundo a avaliação de Eduardo del Castillo, a greve “institucional e política” falhou em 7 dos 9 departamentos.

Diante disso, os movimentos sociais, indígenas e camponeses, dentro dos quais a Central Obrera Boliviana (COB), a Confederação Sindical Única de Trabajadores Camponeses da Bolívia (Csutcb), as Bartolinas, entre outros, convocaram no dia seguinte o Grande Wiphalazo em comemoração do “Dia da Descolonização”, como é chamado o 12 de outubro, que recorda a resistência dos povos originários diante da ocupação do império espanhol dos territórios do continente americano. Também participou dessa mobilização o presidente Arce, que fez um forte apelo à defesa da democracia e à consolidação do processo de mudança na Bolívia.

Por outro lado, e como mencionamos, a publicação dos Pandora Papers movimentou a arena política em nossa região, especialmente nos países em que líderes importantes e funcionários públicos estavam nas listas de evasores fiscais. É o caso de Guillermo Lasso, no Equador, com o agravante de ser um presidente eleito recentemente com um forte discurso anticorrupção, levantando bandeiras de democracia e transparência – como todas as direitas regionais.

Seu aparecimento nos Pandora Papers complicou a já instável situação política e social do Equador, que se mobilizou nos últimos dois meses contra as diversas medidas neoliberais que o governo quer implementar e que afetam principalmente os setores mais pobres do país. Novamente, como em um déjà vu de outubro de 2019, importantes manifestações foram convocadas contra a alta dos preços dos combustíveis e o chamado “pacote econômico”, que Lasso busca aplicar como parte das medidas necessárias para receber o mais recente desembolso do FMI .

Diferentes sindicatos, como a Frente Unitária dos Trabalhadores e o Sindicato Nacional dos Educadores, entre outros, juntamente com organizações indígenas, como a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), e a Federação de Estudantes Universitários do Equador (FEUE) declararam resistência nacional contra o pacote econômico do governo, entre os quais se encontram os decretos 1.054 e 1.158, que aumentam os combustíveis; as medidas via decreto, que permitem a expansão do petróleo e da mineração; o aumento dos preços de insumos; o baixo orçamento para educação e saúde e a continuação de medidas de precarização trabalhista. As organizações convocaram para o dia 26 de outubro uma greve nacional que durou vários dias e ecoou em diferentes regiões do país.

As mobilizações sofreram uma forte repressão policial em diferentes partes do país, que incluiu tiros com balas de borracha e uso de gás lacrimogêneo contra os manifestantes. Neste contexto, foram numerosas as denúncias contra a Polícia Nacional do Equador (PNE) por reiterados abusos no uso da força contra crianças e idosos, que se encontravam em casa e que também foram vítimas de repressão, além de mais de trinta denúncias de prisões arbitrárias de manifestantes.

Essas mobilizações aconteceram após tentativas de diálogo entre a Conaie e o governo nacional, que tinha como objetivo buscar resolver as principais demandas das organizações, que não foram atendidas. É importante destacar que a situação social no Equador, além de grave no aspecto econômico, é agravada por uma onda de violência, que deixou mais de uma dezena de mortos no espaço de uma semana, incluindo um menor de 11 anos, e o assassinato do velocista olímpico Alex Quiñónez, na cidade de Guayaquil. Com relação a isso, Lasso decretou estado de exceção em todo o território nacional em 18 de outubro, por um período de sessenta dias, e ordenou a mobilização das Forças Armadas nas províncias de El Oro, Guayas, Santo Domingo de los Tsáchilas, Pichincha, entre outras para complementar as funções da Polícia Nacional. Soma-se à difícil situação neste quadro a dramática condição carcerária em diferentes prisões do país, onde, só em 2021, mais de 200 pessoas morreram devido às políticas de abandono e superlotação dos estabelecimentos carcerários.

Em meio a esta crise, Guillermo Lasso se recusa a comparecer perante a Assembleia Nacional para responder pela investigação aberta pela promotoria contra ele, pelo suposto crime de fraude fiscal evidenciado nos Pandora Papers, que afirma que Lasso teria 14 empresas offshore sediadas no Panamá. Parece que a corrupção e a sonegação de impostos nos governos alinhados à direita da região não são um problema tão preocupante, nem mesmo para o governo dos Estados Unidos, já que apesar das denúncias, o presidente se reuniu com o secretário de Estado Antony Blinken para falar sobre “governança democrática, cooperação antidrogas, as crescentes oportunidades bilaterais de comércio e investimento e o avanço da segurança regional”, entre outros temas da agenda.

Blinken, após seu encontro no Equador, viajou à Colômbia, como parte de sua missão de visitar esses países andinos, onde se reuniu com o presidente Iván Duque e a vice-chanceler Marta Lucía Ramírez para discutir “o apoio dos Estados Unidos aos governos democráticos fortes em toda a região, apoio à paz e reconciliação sustentável, tráfico de drogas, migração e direitos humanos”. Aqui, novamente, parece que a corrupção nos escalões superiores da política local é um elemento secundário. No caso da Colômbia, figuras importantes do círculo próximo ao presidente Duque também apareceram nas listas da Pandora Papers: os ex-presidentes César Gaviria e Andrés Pastrana, e ainda o diretor da Direção Nacional de Alfândegas e Tributos do DIAN, Lisandro Junco.

Nos últimos meses, a Colômbia viu a aprovação do projeto de Reforma Tributária que gerou grandes mobilizações em abril, maio e junho de 2021. Com algumas pequenas modificações, o projeto continua beneficiando entidades financeiras, que terão uma sobretaxa adicional de Imposto de Renda de 3%, em contraposição ao setor de pequenos e médios empresários que devem pagar 35% a mais. O Senado aprovou 64 artigos da reforma que visa arrecadar cerca de 4 bilhões de dólares. Diante disso, a bancada da oposição se retirou da Câmara parlamentar, demonstrando seu repúdio à aprovação expressa de uma reforma que manteve o país mobilizado por três meses consecutivos.

Essa aprovação da reforma tributária se dá no marco da já permanente crise social e humanitária que atravessa o país, que até hoje já conta com 142 dirigentes, além de 41  signatários do acordo assassinados, aos que se somam 78 massacres cometidos apenas em 2021. A esse quadro se adiciona o assassinato de um menor e de um adolescente que apareceram sem vida horas depois de terem sido pegos em um roubo de um armazém, prática comum dos grupos paramilitares, a qual chamam de “limpeza social”. Essa crise social contrasta com o quinto aniversário da assinatura do Acordo de Paz que, como resultado do fracasso sistemático do Estado, ainda não consegue transformar a situação de violência e exclusão sofrida por milhões de colombianos todos os dias, e que é um dos principais elementos a serem resolvidos na corrida eleitoral de 2022.

Por outro lado, no caso da Venezuela, as eleições municipais de novembro se aproximam em um clima regional marcado por eleições em diversos países do continente. Após várias conversas e visitas, a União Europeia e a ONU confirmaram o envio de uma missão técnica de observação eleitoral à Venezuela para o seguimento das eleições de 21 de novembro, um elemento importante que contribui para o reconhecimento do governo de Nicolás Maduro e o desenvolvimento das eleições transparentes e democráticas. Nesse contexto, é importante destacar que nos últimos meses, além da participação de setores da oposição nas eleições e do reconhecimento das mesmas pela UE e pela ONU, a Venezuela tem tido uma importante participação em diversos cenários multilaterais, que volta a colocá-la como ator decisivo na política internacional e como membro indiscutível dos mecanismos de integração após a forte ofensiva de bloqueio diplomático promovida pelo Grupo Lima e pela OEA a partir de 2015. Dessa forma, sua participação destacada ocorreu na Cúpula da Celac, conforme mencionamos no relatório anterior.

A corrida eleitoral se dá no marco de uma crise na mesa de diálogo sediada no México entre o governo de Nicolás Maduro e a oposição nucleada na Plataforma Unitária da Venezuela, em decorrência do sequestro e extradição do diplomata Alex Saab, que estava detido ilegalmente em Cabo Verde desde 2020, e recentemente foi transferido, também ilegalmente, para os Estados Unidos.

O sequestro de Alex Saab ameaça afetar as negociações que vêm ocorrendo até agora no México, já que para o governo venezuelano ele é uma figura chave, que tem sido fundamental na luta contra o bloqueio econômico, comercial e financeiro ao país. Saab foi importante para levar alimentos e medicamentos de vários países para Caracas, o que tem sido fundamental para a política do Comitê de Abastecimento e Produção Local (CLAP), que garante o acesso a suprimentos básicos a uma parte importante da população venezuelana.

Nicolás Maduro, além de denunciar as torturas e violações dos direitos humanos a que foi submetido o diplomata venezuelano, anunciou que levará os Estados Unidos a organismos internacionais por esta violação do direito internacional e que a delegação do governo bolivariano não atenderá ao chamado da próxima rodada de conversas na mesa de negociações até que os Estados Unidos se distanciem do processo e cessem suas ações intervencionistas. Instâncias como o Tribunal da Comunidade Econômica do Estado da África Ocidental e o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas pedem a suspensão da extradição do diplomata venezuelano para os Estados Unidos por ser uma detenção ilegal. É importante relembrar que Alex Saab, para além de ser delegado diplomático para os países africanos – função que desempenhou quando foi detido ilegalmente em Cabo Verde – também integrou a delegação do governo de Nicolás Maduro nas negociações mexicanas .

Em 1º de novembro, o juiz Robert Scola Jr., dos Estados Unidos, retirou sete acusações de lavagem de dinheiro contra o diplomata venezuelano, uma vez que não encontrou nenhuma evidência que indicasse que Alex Saab tivesse cometido o crime. No entanto, ele continua detido e processado sob o suposto crime de “conspiração para lavagem de dinheiro”.