Observatório de Defesa e Soberania

A péssima condução diante da pandemia e a CPI da Covid, que deve abordar os equívocos do general Pazzuello enquanto ministro, continuarão mantendo as FFAA expostas. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

 

 

N° 04/21

 

Por Ana Penido, Jorge Rodrigues, Suzeley Kalil

 

Este boletim mensal tem como objetivo acompanhar os temas relacionados à defesa do Brasil, em especial aqueles relacionados à soberania nacional. Nossas fontes são as notícias oficiais que saem nas publicações do Diário Oficial da União, nas publicações da Câmara dos Deputados e nas agendas dos ministros militares. Como fontes secundárias, são utilizadas matérias publicadas na imprensa e portais especializados. Boa leitura.

 

Questões Gerais

1. Como recomendações gerais de leitura, iniciamos com o já histórico artigo de Cristina Serra desnudando os crimes de lesa pátria que militares vem praticando. Traçando paralelos com a ditadura militar, Maud Chirio analisa as permanências desse período histórico no governo Bolsonaro. Ana Penido e Mariana Janot traçam uma cronologia do envolvimento militar no golpe de 2016. Ricardo Kotscho propõe a discussão sobre o papel dos militares no Brasil, e levanta uma importante questão: o tamanho dos efetivos militares. Atento à sociedade, e não apenas ao governo, Frei Betto aponta que é necessário desmilitarizar o Brasil. Em vídeo, sugerimos a entrevista do Cel Marcelo Pimentel a Paulo Moreira Leite, na TV247. Em um formato literário, Marcelo Coelho desabafa sobre os tempos atuais, em que se passou a agradecer a generais por não aderirem a golpes.

2. Depois do rebuliço causado pelas mudanças no final de março, as forças armadas se esforçaram para passar uma imagem de normalidade institucional. Fizeram isso divulgando os perfis dos novos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, no caso da primeira arma, com uma foto do novo comandante do Exército junto de seus dois antecessores, anunciando que não mais faria uso do twitter. Entre a falsa crise e a crise permanente, no saldo geral, como aponta Maria Celina D’Araújo, os militares saíram bem na foto com as mudanças do presidente nas forças armadas, e o Exército se vê vencedor da batalha com o capitão Bolsonaro.

3. Entretanto, a péssima condução diante da pandemia e a CPI da Covid no Senado, que deve abordar os equívocos do general Pazzuello enquanto ministro, continuarão mantendo as forças armadas expostas, até mesmo porque o ex-ministro continua na ativa, agora lotado em uma função burocrática na secretaria-geral do Exército. Eblin Farage e Kátia Lima dissecam a presença militar no Ministério da Saúde, e dois generais já demonstraram insatisfação explícita com Pazuello: Pujol afirmou que o ex-ministro “ferrou” o Exército e Ramos fez questão de expor sua quarta estrela ao subordinado. O Exército também será envolvido na CPI pela fabricação em massa da cloroquina, e a imagem da Instituição já sofre impactos na opinião pública, como apontou a pesquisa Época. Juliana Bigatão faz uma síntese desse envolvimento ao longo do ano de 2020.

4. Mesmo com o discurso de distanciamento institucional, os militares entraram de vez para a política, e em apenas uma semana três candidaturas à 2022 já foram apresentadas: a do general Mourão à vaga de Senador pelo Rio Grande do Sul, a do general Braga Netto ao governo do Rio de Janeiro, e a do capitão Tarcísio ao governo de São Paulo. Além disso, seguem as discussões sobre a possibilidade da articulação de uma terceira via presidencial com chancela militar caso a candidatura Lula se fortaleça.

5. Duas matérias tiveram o mesmo enfoque: denunciar o uso de recursos públicos para garantir privilégios aos militares de forma coletiva (através dos hospitais militares) ou individual (viagens e diárias pagas a agentes do GSI).

6. Dois Projetos de Lei em discussão na Câmara têm forte relação com uma política de defesa nacional, e merecem redobrada atenção, o PL sobre contraterrorismo, discutido por Ana Penido e Héctor Saint-Pierre; e o PL que trata de uma nova lei de segurança nacional.

7. Por fim, algumas notícias com menor repercussão na imprensa, mas muito importantes para a política de defesa nacional: o governo entregou a exploração da Base de Alcântara para empresas dos EUA e Canadá; oficial general brasileiro foi nomeado comandante da Missão da ONU no Congo (MONUSCO); a FGV e a ECEME deram início à 23a edição do MBA Executivo de Política, Estratégia e Alta Administração; e a ministra Rosa Weber suspendeu trechos dos decretos de armas de Bolsonaro que entrariam em vigor.

 

Destaques nas agendas ministeriais

1. O general Mourão, vice-presidente, participou de inúmeras agendas militares como as trocas de comandos, dia do Exército, concessão de medalhas militares e visitas a estruturas como a Escola de Inteligência Militar. Do mundo político, recebeu o embaixador da Rússia, uma delegação de parlamentares do PCdoB, uma do PRTB (também esteve no velório do presidente do partido Levy Fidelix), e um grupo da CREA no Senado. Da iniciativa privada, recebeu a ABRALATAS, XP, um grupo de investidores britânicos e o Banco Safra. Na imprensa, conversou com a Rádio Gaúcha, o programa Brasil em Questão, o Valor Econômico e a BandNwes. Da sociedade civil, recebeu um grupo de indígenas a favor da mineração e o clube de empregados da Petrobras.

2. O general Ramos, ministro da Casa Civil, não divulgou a agenda.

3. O general Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), também esteve nas diversas agendas militares do mês e acompanhando o presidente em agendas em Chapecó, Foz do Iguaçu, jantar com empresários em SP, Manaus, Belém, e na Cúpula do Clima. Esteve também em reuniões com a ABIN, FUNAI, com o diretor da PF, e reuniões sobre Alcântara e o Sistema Brasileiro de Inteligência. Recebeu também o Arcebispo militar, secretários de segurança pública do país, o embaixador da Turquia e uma desembargadora do TRT. Na imprensa, esteve no Programa Sem Censura.

4. A agenda do general Braga Netto, ministro da Defesa, além das atividades militares, contou com visitas da embaixadora da França, da Alemanha e da Argentina; reuniões com desembargadores, deputados, TCU e CGU. Da iniciativa privada, esteve com a FIESP, a Associação Comercial do RJ e a Avibrás. Anunciou as empresas selecionadas para Alcântara e esteve na CREA do Senado. Por fim, passou três dias reunido com militares da reserva do RJ. Dois dias depois, o Clube Militar divulgou nota pedindo  um golpe.

5. Marcos Pontes, tenente-coronel da Aeronáutica e ministro da Ciência e Tecnologia, esteve parte do mês em férias. O ministro teve reuniões com órgãos ligados a sua pasta como CNPq, FINEP, INPE, CTNBio, Embrapa; representantes de Universidades como a UFPB e UF; e numa ampla reunião com outras agências públicas como a CONFAP, CONSECTI, SUDAM, SUDENE E SUDECO, AMAZUL. Manteve também muitos contatos internacionais, recebendo uma delegação da ONU, embaixadores da América do Sul,do Cazaquistão, da Rússia. Da iniciativa privada, esteve com a CNI, o banco Santander, o grupo Farma Brasil, a SMART Global Holdings e a Nasa. Por fim, esteve em atividades envolvendo militares – por exemplo, os anúncios sobre Alcântara – e recebeu a governadora de SC. O ministro continua muito demandado pela imprensa: Datena, Voz do Brasil, Talkshow infantil, Rede Viva, BandNews, Canção Nova.

6. Tarcísio, ministério da Infraestrutura, engenheiro capitão do Exército, recebeu alguns deputados e os governadores de SC, PE e TO. Fez diversas viagens inaugurando obras ou articulando compradores para as privatizações do governo: Paraná, São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro. Da iniciativa privada, reuniu-se diretamente com Bradesco, Terra Investimentos, FIESP, BRB, ABCR, Embramilho, Santander e XP. Da sociedade civil, recebeu transportadores ferroviários e  caminhoneiros. Recebeu também uma delegação da ONU e compareceu a algumas das agendas militares no mês.

7. O almirante Bento, ministro das Minas e Energia, manteve o acompanhamento às muitas empresas públicas e privadas ligadas à sua área: AIEA, CEMIG, ENEVA, Gas Bridge, Itaipu, OceanWinds, Bnpetro, CNPE, GALP, INB. Esteve também nas diversas agendas militares do mês. Da política, recebeu os governadores do RS, TO, GO, MT, MS, SC; e o embaixador da Rússia. Na imprensa, falou com a BandNews.

 

Destaques no Diário Oficial

1. No âmbito da Ciência e Tecnologia, foi instituída a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial e criado um grupo de trabalho para revisar a Política Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais.

2. Foram fixados os quantitativos de vagas para promoções obrigatórias de oficias no ano base de 2021 do Exército e da Marinha.

3. Alterações na Medalha do Soldado do Silêncio, anteriormente entregue apenas para militares, permitem  agraciar também civis e estrangeiros.

 

Manifestações de deputados militares em plenário e comissões 

Com o início dos trabalhos da CPI da Covid no Senado, as atenções do Congresso se voltam às investigações sobre a gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro, tencionando as relações entre Legislativo e Executivo. Com movimentações que vão de tentativas de judicialização do colegiado a embates acalorados entre, de um lado,oposicionistas e independentes e, de outro,liados do governo, o Planalto assumiu a defensiva. Assim, a atuação em comissões e no plenário dos deputados-fardados, todos eles governistas, deve ser entendida e considerada neste cenário mais amplo.

As tendências já identificadas em outros meses se mantiveram. A primeira delas diz respeito ao perfil de atuação dos deputados federais aqui observados. Com o retorno das atividades das comissões parlamentares fica evidente a maior atividade dos militares eleitos, o que indica que muitos deles priorizam estes colegiados em detrimento de manifestações em plenário. A atuação nestes espaços, por sua vez, está fortemente atrelada à segunda tendência, talvez a mais relevante: o perfil segmentado do trabalho dos parlamentares. A partir de fortes indícios da atuação de nicho dos militares deputados, algumas questões merecem atenção, demandando uma pesquisa mais profunda acerca do processo de nomeação em si. Seriam as disputas internas ao partido de orgiem ou os interesses do parlamentar que prevaleceriam nas nomeações? Ou, ainda, um misto dos dois, nuançado em cada caso específico? Em segundo lugar, é importante entender se a ocupação das comissões reflete o perfil do eleitorado do parlamentar em questão ou seu papel no jogo de poder político institucional em Brasília. Aqui, são particularmente interessantes os casos de Hélio Lopes, cuja titularidade na Comissão de Fiscalização e Controle pode ser vista como resultado de sua ligação com o governo Bolsonaro. Por outro lado, o coronel Chrisóstomo apresenta uma ligação profunda com a pauta ambiental, o que justificaria sua vice-presidência na Comissão do Meio Ambiente.

Quanto ao conteúdo das manifestações dos militares na Câmara. Em primeiro lugar, vale ressaltar a ausência do deputado Antonio Nicoletti desde o dia 30 de julho de 2020. Inicialmente, entendíamos que sua ausência se devia ao processo eleitoral, uma vez que o deputado foi candidato a prefeito em Boa Vista (RR). Entretanto, passado o pleito, o deputado segue ausente no Congresso.

Helio Lopes, por sua vez, que esteve ausente durante todo 2020 das manifestações em plenário, teve uma atuação contundente em comissões parlamentes, especificamente na Comissão de Fiscalização e Controle. Neste colegiado, fica evidente como Lopes trabalha para evitar desgastes do governo, muitas vezes indicando nominalmente que uma determinada convocação afetaria as relações do Congresso com o Executivo. Atuou para transformar uma convocação de ministro de Estado – de caráter obrigatório – em convite – de cumprimento voluntário. Na comissão, sua lealdade a Bolsonaro fica evidente, confirmando sua função de linha de defesa do presidente da República.

O coronel Armando teve um perfil baixo de atuação no último mês. Suas participações na CREDN e na Comissão de Legislação Participativa, entretanto, chamam atenção. Na primeira, em reunião de comparecimento do ministro das Relações Exteriores ao colegiado, questionou decisão da Anvisa sobre vacina Sputnik V e também os dados sobre a pandemia na China. Na comissão de Legislação Participativa, atuou junto à base governista no Congresso em defesa do ministro Ricardo Salles, em audiência com a presença do delegado Alexandre Saraiva que, vale lembrar, acusou o ministro do Meio Ambiente de atuar em favor de madeireiros ilegais na Amazônia.

Já o coronel Chrisóstomo manteve seus típicos discursos acalorados. Sua atuação, dentre os parlamentares aqui analisados, talvez seja aquela mais alinhada ao seu nicho. Particularmente, destacamos suas falas na comissão de Comissão de C&T, Comunicação e Informática e na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O deputado se mostra especificamente interessado em temas relativos à Amazônia, sendo bastante crítico à criação de zonas de preservação permanente.

O major Vitor Hugo, da liderança do PSL e ávido defensor do governo, se manteve relativamente alheio a participações em comissões. Além de falas elogiosas e em apoio a membros do governo, o mais relevante foi sua eleição à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência. Entretanto, na votação para ver quem coordenaria a comissão, Vitor Hugo foi derrotado em segundo turno por Augusto Coutinho, do Solidariedade.

Aqui vale ressaltar que o tipicamente verborrágico general Girão manteve perfil discreto em abril. Seus discursos nos Breves Comunicados se resumiram apenas a uma fala. Os breves comunicados são momentos de fala livre em plenário, normalmente utilizados por Girão em discursos de defesa ao governo e ataque à oposição. No único uso que fez do recurso, se referiu negativamente à agenda ambiental global, expressando sua visão em relação ao meio ambiente como mera fonte de recursos.

Por fim, o general Peternelli, além de orientações em plenário, participa de uma série de reuniões em comissões. Seus discursos são eminentemente protocolares. Entretanto, merecem destaque sua defesa da privatização dos Correios – algo que o deputado mencionou uma série de vezes – e a defesa do retorno presencial das aulas com a definição do ensino como atividade essencial. Em ambos os casos, são matérias caras ao governo. Isso faz com que questionemos o perfil do deputado. Embora seja menos enfático, Peternelli não demonstra distanciamento do governo Bolsonaro em agendas centrais.