Coronavírus e a crise mundial: um olhar para os antecedentes da tormenta
Os recentes acontecimentos recolocam a fragilidade das economias e o fracasso das políticas de austeridade. Faz-se essencial aproveitar essa “janela histórica” de questionamento mundial dos ditames do neoliberalismo como solução aos problemas de compatibilização entre crescimento e políticas sociais.
Observatório da Financeirização
Por Grupo de Estudos e Acompanhamento da Conjuntura Econômica (GEACE)*
Se existe um consenso entre os analistas econômicos é que há uma grande recessão econômica mundial se avizinhando. Grande parte dos economistas, que no último período conduziram as políticas econômicas nos seus países, apresentam uma explicação unilateral e insuficiente para a queda da atividade econômica em escala global. A pandemia do novo coronavírus é apontada de forma monocausal como a responsável pelo aprofundamento da crise econômica em curso.
Esta versão, que segue ganhando espaço nos grandes meios de comunicação, além de ignorar as causas objetivas que levaram à crise econômica de 2008 e que continuaram a se aprofundar nos últimos 12 anos, busca esconder o fracasso das políticas neoliberais na promoção do bem-estar social. O fato é que a pandemia do novo coronavírus agravou, profunda e abruptamente, a tendência de queda da atividade produtiva em uma economia mundial que já dava sinais de enfraquecimento.
Vivemos ainda o desdobramento de contradições oriundas de uma crise na acumulação capitalista. Assim também foi na crise de 2008, iniciada com o estouro da bolha imobiliária nos EUA, seguida pelo colapso do sistema financeiro e pela quebra de bancos importantes, que rapidamente contaminaram o restante dos setores da economia. A partir do esgotamento desse regime de acumulação do capital, a hegemonia estadunidense tem sido questionada. A emergência de outros blocos e países que gradativamente conseguem se reposicionar no quadro geopolítico, principalmente a China que surge como uma força econômica real, pressiona o domínio até então inquestionável dos EUA sobre o mundo.
A ordem “unipolar”, como uma consequência da quebra do padrão do capitalismo “regulado” de Bretton Woods e do fim da URSS, foi cedendo espaço para a emergência de uma nova correlação de forças. A ascensão chinesa como potência econômica e sua aproximação com a Rússia se converteram em uma dor de cabeça para os EUA. Os efeitos são um aumento da tensão, que até agora tem se expressado na guerra comercial, mas que também podem vir a se expressar em outras áreas.
No interior deste processo três movimentos são constituídos. O primeiro deles é a busca acelerada por vantagens competitivas, a partir da corrida tecnológica, com vistas a reorganizar as formas de exploração do trabalho e reduzir os custos de produção, transformando ainda mais a dimensão produtiva. As novas formas de organização do trabalho se dão no bojo da manufatura avançada, com a constituição de um novo padrão produtivo denominado “indústria 4.0”. Tal padrão produtivo se baseia em tecnologias de fronteira como robótica, inteligência artificial, big data, impressão 3D, internet das coisas, veículos autônomos, etc.
A medida que tal padrão se desenvolve, maiores são as interfaces estabelecidas ao longo de toda a cadeia produtiva. Esta forma de produção pode ser entendida como um aprofundamento da flexibilização e da racionalização produtiva, uma vez que permite um controle muito maior dos custos de produção, do ritmo de produção e da formação de estoques. Ao mesmo tempo, a indústria 4.0 representa a possibilidade de conjugar as vantagens das cadeias de valor (produção) e das cadeias de fornecimento (distribuição).
O segundo movimento diz respeito à disputa entre a China e os EUA. Mais recentemente, esta relação contraditória se converteu em uma guerra comercial visando a ampliação de seus mercados consumidores e a obtenção de melhores condições para a acumulação de capital. Em especial nos EUA, ganha força no último período a execução de políticas protecionistas, com taxação de importações de diversos produtos e insumos dos demais países, prioritariamente dos produtos chineses que inundam os EUA, como uma forma de conter os efeitos da internacionalização produtiva dentro e fora do território estadunidense.
A guerra comercial foi iniciada pela gestão de Donald Trump em março de 2018, a partir do anúncio de uma lista de tarifas totalizando US$ 50 bilhões sobre importações provenientes da China. Tal movimento expressou um acirramento das contradições de uma complexa relação que envolve, ao mesmo tempo, complementaridades e disputas. O movimento de Trump pode ser entendido como uma medida de cunho protecionista mas, mais que isso, expressa parte da principal diretriz da atual política externa estadunidense: conter o processo de ascensão da China que ameaça a hegemonia dos EUA no sistema de nações. Não deixa de ser contraditório o fato de que tal medida, adotada por um governo alinhado ao ideário do livre mercado, professe diretamente contra a globalização.
Por fim, o terceiro movimento se expressa no esgotamento do neoliberalismo, que além de ser o propulsor do estado de crise permanente, também não se apresenta como alternativa de recuperação. Dessa forma, aumentam também as tensões no campo social e político, fomentando a crise da democracia liberal e favorecendo a ascensão de governos de extrema direita com tendências autoritárias ou neofascistas.
Sob esse arranjo, a economia global já começava a patinar. Antes da pandemia, grande parte das economias já davam sinais de desaceleração do crescimento e em algumas delas os indicadores de produção nacional e investimento já davam sinais de estagnação econômica. A previsão de crescimento mundial segundo o Banco Mundial para o ano de 2019 e 2020 era de 2,4% e 2,5%, respectivamente. O crescimento do PIB dos EUA foi de 2,3% em 2019, a menor taxa desde a eleição de Trump em 2016, e uma projeção de 1,8% para 2020. Para a China a previsão era de um crescimento em torno de 5,9%, abaixo do crescimento projetado de 2019 (6%). Ainda que o impacto do novo coronavírus sobre a atividade econômica seja inquestionável, a economia mundial já apresentava uma série de fragilidades mesmo antes do surto da doença.
A tempestade após a aparente calmaria
No fim de 2019, a possibilidade de se firmar um acordo que colocasse um fim na guerra comercial entre EUA e China indicava um arrefecimento das tensões e possíveis melhorias no quadro internacional. Contudo, os acontecimentos do início de 2020 solaparam essas expectativas. O ataque norte-americano no Iraque, que culminou na morte do general iraniano Qasem Soleimani, rapidamente se desdobrou para o mercado de ações. As bolsas de valores apresentaram forte queda com a possibilidade de um conflito aberto que impactaria a produção mundial de petróleo. Isso incitou os investidores a buscarem ativos mais seguros, face à incerteza dos impactos na produção.
Diante disso, o preço do petróleo tendia a se valorizar pela possível insuficiência de oferta diante da demanda mundial esperada, a partir da possibilidade de um conflito EUA-Irã, tendo uma elevação de seu preço em 3,54%, fechando o valor por barril do tipo Brent em US$ 68,60. Embora as tensões tenham arrefecido dias depois, com o preço do petróleo voltando a normalidade é possível identificar nesse momento a instabilidade associada a produção do petróleo se agravar.
O segundo acontecimento, e o de maior peso nesta conjuntura, foi a propagação do novo coronavírus na China, iniciada ainda no final de 2019. O Covid-19, nome oficial da doença, é um vírus de propagação exponencial e com letalidade superior às gripes convencionais. O epicentro de contaminação em janeiro e fevereiro se deu na China, afetando toda a dinâmica de produção e circulação desse país, visto que as experiências mais exitosas de combate ao contágio pelo novo coronavírus tem impacto direto na rotina e organização das nações atingidas, uma vez que a principal medida de contenção tem sido o isolamento social.
Dessa forma observa-se uma queda na produção e circulação mundial, dada a influência da China nas relações comerciais com o mundo inteiro, respondendo por quase um quarto da produção industrial mundial, com uma dependência mundial do país chinês hoje duas vezes maior do que durante a epidemia de Sars em 2003, com uma participação da China no comércio global em cerca de 12%, superior à dos EUA. A China responde por 20% do fornecimento mundial de peças e componentes, sendo ainda mais grave na Ásia, cuja cadeia de suprimentos mantém uma dependência de cerca de 40% perante a gigante asiática.
A paralisação de atividades produtivas na China e em outros países do leste asiático orientados para a exportação tiveram impactos também na produção em outros países. Dada a internacionalização produtiva e as cadeias globais de valor, mesmo indústrias localizadas em países menos afetados tiveram a produção reduzida pela falta de componentes e insumos. É o caso da Apple, que não apenas reduziu sua produção como também passou a controlar os estoques estabelecendo limites de compras por cliente. Assim, o abalo na economia chinesa rapidamente foi sentido pelo conjunto da economia global.
Já no início de março, as incertezas passam a se voltar ao médio e longo prazo pois no curto prazo não existem mais dúvidas quanto à queda na atividade econômica mundial e o mercado de ações globais, que já vinha apresentando quedas contínuas por conta do vírus, com o decreto de pandemia pela OMS no dia 11 de março, despenca com paradas nas bolsas espalhadas pelo mundo, repetindo o mesmo feito em 17 de março, como resposta às medidas implementadas pelo FED citadas mais abaixo.
Por fim, um terceiro acontecimento, que caminha paralelo ao anterior, é o conflito entre os países exportadores de petróleo em torno do excesso de oferta que acaba agravando ainda mais a crise. Com a demanda diminuindo pelo petróleo visto a paralisação da produção na China, que previa já em fevereiro uma redução no consumo de petróleo em torno de 25% e, consequentemente, os preços dos barris de petróleo no mercado internacional, em queda, a Arábia Saudita (membro da OPEP) buscou um acordo de contenção de oferta para segurar os preços observados com a Rússia, que se negou. Em resposta, a Arábia Saudita comunicou o aumento da sua produção, visando ganhar parte do mercado do petróleo russo, derrubando os preços internacionais do petróleo e ampliando ainda mais a oferta desse produto, sendo mais um fato que leva os mercados a paralisação pelas quedas abruptas das ações no dia 9 de março. O petróleo hoje se encontra próximo de US$ 30 o barril.
A natureza da crise atual e as possíveis medidas de contenção
Uma discussão se edifica em torno deste cenário. Diferentemente da crise de 2008, a “coronacrise” atinge primeiramente o setor produtivo, diminuindo a oferta de bens e serviços. A interrupção da produção e do comércio em escala global, assim como a paralisação de investimentos, resulta numa escassez de oferta. Em um segundo momento, a necessidade de fechamento de escolas, lojas, equipamentos públicos etc. para a contenção da epidemia, deve ter como efeito uma queda da demanda. Isso se deve ao fato de que as medidas de isolamento social, caso adotadas sem as adequadas políticas sociais, resultará numa grande diminuição da renda, em especial entre os setores mais vulneráveis. Ou seja, os impactos da pandemia se darão tanto na produção quanto no consumo, produzindo uma grande queda na atividade econômica. De fato, a tendência é se constituir uma contração da oferta que acaba gerando uma queda no consumo e, consequentemente, acentuando a baixa demanda já presente no período de estagnação anterior à pandemia do coronavírus.
Os efeitos observados no mercado de ações, com fortes quedas nos preços dos ativos ali ofertados, podem ser vistos como indicadores da crise que se inicia. Se é certo que os ativos se encontravam sobreprecificados e que se esperava uma reprecificação, com o aumento das incertezas diante da pandemia anunciada houve uma venda massiva de ativos em uma corrida por maior liquidez, ampliando a queda dos preços dos papéis negociados. A queda nos preços do petróleo também contribuiu para a desvalorização das principais empresas do setor de Petróleo e Gás, com a pressão sobre seus custos de produção e planos de investimento. As consequências podem ser um aumento do endividamento público e privado, com escassez de crédito.
Neste cenário, as projeções de crescimento do PIB foram rapidamente redimensionadas. Segundo relatório da JP Morgan, a previsão passa ser de queda de 1,5% no produto mundial. Já com relação às grandes economias, a queda neste primeiro trimestre do ano na Europa e nos EUA pode chegar a 15%, segundo o Capital Economics e o JP Morgan. Na China, os dados dos dois primeiros meses mostram uma queda de 13,5% na produção; de 24,5% no investimento; e de 20,5% no varejo.
O Federal Reserve, banco central dos EUA, anunciou medidas que visam proteger sua economia interna. Uma delas foi a diminuição da taxa básica de juros, que já vinham atuando em um baixo patamar, em 0,5 ponto percentual, ficando na faixa de 1% a 1,25%. Além disso, logo depois do anúncio de pandemia pela OMS, o FED, para conter uma queda ainda maior no mercado financeiro, anunciou a injeção de US$ 1,5 trilhão na economia. Mais adiante, ampliou-se este plano, anunciando um novo corte de 1p.p. nos juros, ficando em uma faixa de 0% a 0,25%, e mais um pacote de US$ 700 bilhões. Tal medida tenta acomodar a busca por liquidez neste momento de crise e evitar que seus efeitos sejam ainda mais profundos.
Essa postura dos EUA tensiona os países que mantinham rigorosas políticas de austeridade, mesmo diante iminência de uma grave recessão econômica. A reação se dá pela liberação de 2,8 trilhões de dólares para limitar as consequências do coronavírus, estimular a atividade econômica e proteger a renda das famílias. No Reino Unido, que vinha defendendo o receituário neoliberal, foi anunciada a liberação de US$ 400 bilhões em empréstimos para empresas e US% 24 bilhões para apoio fiscal. Além da possibilidade de nacionalização de empresas estratégicas, anunciada pela França, foram liberados 300 bilhões de libras em empréstimos para empresas. A Alemanha também prometeu recursos ilimitados para as empresas.
A crise no Brasil
A busca por ativos mais seguros tem resultado, desde o início de janeiro, em uma profunda fuga de capitais dos países emergentes, a maior desde 2008. Cerca de US$ 83 bilhões já saíram em ações e títulos, segundo o Instituto de Finanças Internacionais (IIF), o equivalente a três vezes mais do total de saídas nos três meses após a crise de 2008 iniciada em setembro.
Esse movimento leva ao aumento da procura por títulos da dívida norte americana, e por liquidez em dólares. A insegurança diante dos investimentos nos países subdesenvolvidos baseia-se sobretudo na identificação de que estes países são mais impactados pelas tendências da economia mundial, dado os setores sobre os quais estas economias estão alicerçadas.
A dúvida sobre a perspectiva de crescimento do PIB brasileiro, que o governo indicava ser próximo de 2%, foi dissipada com os últimos acontecimentos. Desse modo, a preocupação em torno da recessão que se avizinha recoloca as previsões do PIB em sentido de queda, projetando uma diminuição de cerca de 1,5% no produto, segundo o Credit Suísse, ou ainda mais intenso, com uma queda de até 4,4%, segundo estudo do CEMA/FGV.
O governo brasileiro se manteve relutante em adotar medidas de caráter contracíclico diante do que se avistava. O ministro Paulo Guedes chegou a afirmar em muitas ocasiões que a saída para a crise seria o aprofundamento das reformas neoliberais já em curso no país – como as reformas trabalhista e previdenciária, o teto dos gastos e a reforma tributária. Contudo, com a intensificação da queda da bolsa de São Paulo a desvalorização do real frente ao dólar (ultrapassando a casa dos R$ 5,00), e a chegada efetiva do novo coronavírus no país tornaram inevitável revisar a política econômica adotada até então.
O limite das medidas emergenciais apresentadas pelo governo
O governo brasileiro, face à flagrante gravidade que a chegada do coronavírus no país representa, lançou mão de um pacote de medidas que – no entanto – não apresentam profundas rupturas com o paradigma econômico que vem sendo adotado até aqui, a saber: mantém intactos os gatilhos que reduzem o espaço fiscal para efetivação de políticas contra cíclicas a médio e longo prazo.
O pacote em si tem como previsão a mobilização de aproximadamente R$ 150 bilhões em três meses. Os planos apontados por outros economistas que se contrapõe ao atual governo assinalam para a necessidade de medidas que empenhem, no mínimo, 4% do PIB, que seria em torno de R$ 310 bilhões, o dobro do apresentado pelo governo. Além do mais as medidas se baseiam num remanejamento orçamentário e não na injeção de novos recursos para as demandas que se apresentarão neste novo cenário.
Inicialmente o governo assinalou para medidas que se referem à política monetária, que visasse facilitar e baratear a tomada de crédito – mediante a expectativa da redução da demanda. O Banco Central baixou a taxa básica de juros (SELIC) em 0,75 pontos percentuais, fechando a SELIC em 3,75% ao ano. Já a Caixa Econômica Federal ampliou a linha de capital de giro em R$ 50 bilhões, sinalizou para a redução do teto de juros do consignado, aumento da margem e do prazo de pagamento e um incremento de R$ 5 bilhões ao fundo de amparo ao trabalhador (FAT) para pequenas e médias empresas. E mais recentemente o Banco Central anunciou um estímulo financeiro que promete elevar em R$ 1,216 trilhão o volume de liquidez no sistema bancário, o volume é 5 vezes maior do que foi dispendido na crise de 2008. O objetivo é manter o fluxo de crédito, subsidiar o mercado de títulos privados e – sobretudo – garantir liquidez aos fundos de investimentos.
Nesse sentido, o governo também anunciou medidas de desoneração dos custos das empresas, como a anistia do pagamento do FGTS na folha e também de contribuírem para a parcela do Simples Nacional. Além disso, por três meses, as empresas terão redução de 50% nas contribuições do Sistema S (conjunto de instituições de interesse de categorias profissionais, como Sesc, Sesi, Senac e Senai), justificando que isso dará um fôlego de R$ 2,2 bilhões às empresas.
No que se refere aos estímulos à demanda e proteção aos trabalhadores mais vulneráveis, o governo promete antecipar o 13º de aposentados e pensionistas do INSS, saque do FGTS, do abono salarial e direcionar mais recursos ao Bolsa Família. Além disso propõe a criação de um voucher de R$ 200,00 para trabalhadores informais que constem no cadastro único.
E, por fim, propõe para o fortalecimento da capacidade hospitalar do país e para o atendimento da epidemia um remanejamento de recursos, R$ 4,5 bilhões de recursos do DPVAT para o SUS e desonerações temporárias de IPI para os bens importados e produzidos internamente e que sejam listados como essencial no tratamento do covid-19
Sem muitas delongas e aprofundamentos, o pacote apresentado pelo governo brasileiro é muito aquém do que vem sendo efetuado pelos países europeus e asiáticos como saída da crise e combate ao vírus, Isso é preocupante a medida que damos conta que antes mesmo da chegada do vírus ao Brasil já enfrentávamos um período de baixo crescimento econômico e forte desestruturação do mercado de trabalho. Nesse sentido os cenários que se desenham são ainda piores dos que estão sendo vivenciados nos demais países.
Outro elemento central a ser destacado é que as demandas que se apresentaram mundialmente diante dos desdobramentos da epidemia do novo coronavírus trouxeram reflexões acerca dos paradigmas que vêm ditando as políticas econômicas mundiais. A revogação pela União Europeia dos dispositivos que impõem limites e condicionantes aos gastos públicos, aponta para uma reorientação do debate, ou pelo menos, para a necessidade de repensar os princípios norteadores das agendas econômicas globais.
Aqui no Brasil esse debate também se coloca na emergência da revogação da EC 95 – PEC do Teto dos Gastos – que amarra nossas possibilidades de efetuar políticas econômicas anticíclicas a médio e longo prazo.
Somente a alteração da meta do primário é insuficiente para trazer medidas contundentes de amortecimento da recessão no país. Sem a revogação da PEC nós não temos possibilidade de retomar e ampliar com afinco os investimentos públicos e as políticas sociais, Isso significa que, a longo prazo, o quadro de recessão pode se tornar uma longa depressão pela impossibilidade de criar mecanismos que nos coloquem novamente na rota do crescimento e do dinamismo econômico.
Considerações finais
Esse artigo teve como objetivo principal organizar o debate que vem sendo feito sobre os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus, o Covid-19. Longe de um evento pontual que tem afetado a economia mundial, defende-se aqui que seu surgimento e proliferação desde o início de 2020 se encontra dentro de um quadro de uma longa crise econômica que se manifesta no segundo semestre de 2008, como expressão do esgotamento de um ciclo de acumulação do capital.
O questionamento da hegemonia dos EUA que reforça a emergência de outros blocos no quadro geopolítico, em especial a China, amplia ainda mais a tensão na busca por saídas que possibilitasse um novo padrão de acumulação global. A corrida tecnológica, a guerra comercial e o aumento das tensões sociais e políticas por conta do esgotamento do modelo político neoliberal, levando a crise da democracia liberal são sintomas desse longo processo vivido.
Os acontecimentos do início de 2020, contrariando as expectativas dos países centrais e economistas do mainstream, recolocam a fragilidade das economias e o fracasso das políticas de austeridade para retomar um processo de crescimento, na verdade, destruindo as poucas bases existentes para enfrentar momentos mais intensos de instabilidade social, econômico e político como o que agora é observado.
Faz-se essencial, nesse momento, aproveitar essa “janela histórica” de questionamento mundial dos ditames do neoliberalismo como solução aos problemas de compatibilização entre crescimento e políticas sociais. A lição dessa crise relega as gerações presentes a certeza de que é apenas com mais Estado e mais políticas sociais que conseguimos fazer frente ao período de crise. No Brasil, essa é a oportunidade de questionar os dogmas do “fiscalismo” presente na política economia brasileira, pelo menos, desde o fim dos anos 1980. Política de teto para os gastos públicos e para a dívida pública, responsabilidade fiscal e equilíbrio fiscal a qualquer custo tem um “custo” social e econômico significativo, nesse caso ceifando milhares de vidas que ou morrerão contaminadas pelo coronavírus ou morrerão de fome, já que estamos passando por uma forte crise de realização da venda de mercadorias e serviços.
* Apoio Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
Elaborado por: André Cardoso, economista e doutorando em economia política mundial pela UFABC;
Iriana Cadó, economista, cientista social e mestranda em desenvolvimento econômico pela Unicamp;
Juliane Furno, cientista social e doutoranda em desenvolvimento econômico pela Unicamp;
Leidiano Farias, historiador e mestrando em economia política mundial pela UFABC;
Pedro Mattos, economista, engenheiro ambiental e mestrando em economia política mundial pela UFABC.