Observatório de Defesa e Soberania

A sociedade brasileira precisará se debruçar para pensar se, de fato, a profissão justifica as vantagens que tem, assim como questionar se as desvantagens impostas a quem escolhe ser militar devem ser mantidas.

 

Por Ana Penido e Suzeley Kalil

São comuns comentários sobre como a carreira militar é difícil, sacrificante. Também são correntes acusações de que militares têm muitos privilégios. É verdade que a maioria das profissões têm estes dois lados. Médicos são um exemplo. Sem dúvida, chama a atenção o fato dos militares terem sido a única carreira do serviço público a ter aumento salarial, por meio de reajuste de gratificações, garantido para o período de 2020 a 2023, enquanto o congelamento foi a regra geral para todas as demais categorias. Esse aumento pode alcançar 72% no caso dos militares de patentes mais altas, com a inclusão de outros benefícios relacionados à reforma na carreira militar [1], tais como: criação do adicional de disponibilidade e aumento do adicional de habilitação [2].

Os direitos e deveres que cabem aos militares das forças armadas são regulamentados pela Lei 6.880 de 1980, que instituiu o Estatuto dos Militares. Ele já sofreu duas profundas alterações: a medida provisória 2.215-10/2001 [3], assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, e a Lei 13.954/2019, promulgada por Bolsonaro. Justifica-se um estatuto especial para os militares diante dos demais servidores públicos do país em virtude do compromisso dos primeiros de que, caso necessário, sacrificarão a própria vida em defesa da nação. Por outro lado, o próprio estatuto esclarece que qualquer brasileiro pode ser convocado em tempos de guerra. Não será objeto desse texto a discussão sobre o engajamento (e consequentes riscos de morte) dos civis e militares na guerra moderna. Pretendemos tão somente apresentar aquilo que entendemos como vantagens e desvantagens que a carreira militar tem, apresentando aos demais trabalhadores da nação como funcionam as regras básicas trabalhistas na caserna. Os comentários dizem respeito aos oficiais de carreira. No futuro, novas análises serão feitas abordando praças e temporários.

Mais do que provocar uma corrida aos cursinhos preparatórios para concursos de ingresso às escolas militares, este é um texto de apresentação entre dois mundos do trabalho que praticamente não se conhecem, o civil e o militar. Em outro momento, a sociedade brasileira precisará se debruçar para pensar se, de fato, a profissão justifica as vantagens que tem, assim como questionar se as desvantagens impostas a quem escolhe ser militar devem ser mantidas.

 

Vantagens

1. Praticamente não existe risco de demissão. Como outras poucas carreiras públicas, os oficiais militares têm estabilidade funcional, o que significa que, para demitir um oficial das forças armadas (no meio militar, a expressão técnica seria expulsão), antes é necessário um processo administrativo. Além disso, existem poucas pesquisas sobre o desemprego, aqui entendido como não ocupação, de militares após a sua ida para a reserva. Como se aposentam mais cedo que outras categorias, muitos buscam continuar em atividade, por exemplo, empregando-se em empresas de segurança, aviação, vigilância; mas é difícil construir parâmetros para calcular o desemprego, no caso deles, após a aposentadoria;

2. Quem julga a eficácia do seu serviço é a própria corporação, e não o usuário. Diferente de um médico do Sistema Único de Saúde, de um engenheiro de obras da prefeitura, ou de um advogado da defensoria pública, não há como julgar se o militar realizou bem o seu trabalho. Isso ocorre porque, em primeiro lugar, pretende-se que o país não entre em guerra; portanto, espera-se que militares estejam bem preparados, mas nunca sejam de fato empregados na sua finalidade última. Em segundo lugar, o “cliente” do serviço não é um cidadão comum, mas o Estado de maneira ampla. Mesmo quando empregados, como nas missões de paz das Nações Unidas, é difícil avaliar a eficiência na realização da tarefa e, quando isso é feito, o é por outros países e organizações; [4]

3. Aposentadoria (passagem para a reserva). Quando sai da ativa, o militar tem direito a tantas parcelas de salário quanto foram os seus anos trabalhados, até o máximo de 35. O valor recebido na aposentadoria é reajustado conforme os valores recebidos pela ativa ou, em outras palavras, militares da mesma patente têm sempre o mesmo salário, na ativa ou na reserva. A Lei 13.954/2019, alterou o tempo de serviço ativo exigido de 30 para 35 anos. A reserva compulsória também pode ocorrer porque o militar atingiu a idade-limite de permanência em atividade no posto ou na graduação (70 anos para oficiais generais 4 estrelas, 69 para 3 estrelas, 68 para 2 estrelas, 67 para o nível de coronéis, 64 para tenentes-coronéis, 61 para majores, 55 para os demais); ou por ter sido incluído na quota compulsória [5] em virtude da não promoção. A regra de transição constante na reforma da previdência para os militares atingidos pela mudança vai até 2035, diferente da regra de transição para os civis, que vai até 2028;

4. Afastamentos e licenças. Como em outras carreiras (inclusive no setor privado), militares têm direito a alguns períodos de afastamento total do serviço. No caso dos militares, os afastamentos podem ocorrer por motivo de: núpcias (8 dias), luto (8 dias), instalação (10 dias), trânsito (30 dias– mudança de cidade em virtude de transferências). Também são permitidas as licenças para: interesse particular (para aqueles com mais de 10 anos de serviço ativo), tratamento de saúde próprio ou de pessoa da família (autorizados pelo superior); maternidade, paternidade ou adoção (incluída em 2019); acompanhar cônjuge ou companheiro (servidor público da União ou militar que for exercer atividade da administração federal em outro local do país ou no exterior. Há necessidade de que seja reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar [6]). Há o estímulo para, no caso de um casal militar, ambos serem enviados juntos no caso de transferências entre unidades ou mesmo para a aditância (exercer cargo no exterior). Caso não seja autorizado, é possível solicitar uma licença não remunerada por motivos pessoais. Diferente dos afastamentos, algumas licenças trazem prejuízos na remuneração e interrompem a contagem do tempo de serviço. Seu prazo limite são 36 meses ao longo de toda carreira, de forma contínua ou fracionada;

5. Recebe salário durante os estudos e desde os bancos escolares começa a contagem do tempo de serviço para a aposentadoria. Estudantes de órgãos de formação militares (não apenas para oficiais) são considerados militares da ativa, gozando, portanto, dos mesmos direitos que os demais. Isso significa, por exemplo, que desde o primeiro dia na escola – na qual ingressam em torno dos 18 anos – começam a receber salário (na linguagem militar, soldo) no valor de R$1.334,00. Também no dia da entrada começa a contagem para a aposentadoria (reforma);

6. Seu cargo sempre será compatível com a sua formação/patente. Os diferentes tipos de trabalho na carreira são classificados para serem ocupados por diferentes hierarquias. Há, portanto, convergência entre a capacitação/patente alcançada e os trabalhados para os quais se é designado, fazendo com que ocorram menos casos de desvio de função. Por exemplo, um general não comandaria um pequeno pelotão no interior do Brasil;

7. Assistência médica-hospitalar para si e seus dependentes. Militares têm direito à assistência médica pública, exclusiva e integral, desde que ingressa na escola de formação. Isso inclui, além de serviços odontológicos, a atenção primária (básico, baixa complexidade, de prevenção e redução de risco de doenças), a secundária (intermediária, média complexidade, especialidades médicas) e a terciária (alta complexidade e especialidade, urgência e emergência, reabilitação). Portanto, diferente de outros servidores públicos, que têm planos de saúde subsidiados por seus salários (como bancários, ou carteiros) e os utilizam nos hospitais conveniados, militares têm uma rede exclusiva, financiada parte por eles mesmos, e parte pelo Estado;

8. Assistência educacional. Os filhos de militares têm regras privilegiadas para ingressarem nas escolas militares. As escolas militares são caracterizadas como escolas públicas, e por isso seus egressos podem ingressas por cotas no processo de ingresso em Universidades Federais. Além disso, recebem três vezes mais investimento do que as escolas públicas civis: enquanto o custo médio anual por aluno é de R$ 19mil, nas civis é de R$ 6mil [7];

9. Moradia. O militar em atividade tem direito a moradia na própria organização militar (quando aquartelado) ou em imóvel sob a responsabilidade da União para si e seus dependentes, as conhecidas vilas ou condomínios militares, normalmente próximos aos locais de serviço;

10. Pensão. As pensões variam conforme a graduação hierárquica do militar. Elas são custeadas em parte pelo Tesouro Nacional e em parte com uma contribuição do próprio oficial, descontada no soldo. A MP 2.215/2001 alterou a lista de quem pode ser considerado dependente ou não dos militares, o que impacta, por exemplo, no direito à pensão. Até 2001, eram considerados dependentes: esposa, filho menor de 21 anos ou inválido, filha solteira sem remuneração, filho estudante menor de 24 anos, mãe viúva sem remuneração, enteado/filho, adotivo/tutelado, a viúva do militar e seus dependentes, a ex-esposa com direito à pensão alimentícia enquanto não contrair novo matrimônio. Após 2001, algumas categorias de dependentes foram excluídas, como a da filha solteira sem remuneração. Entretanto, salienta-se que a MP 2.215/2001 atinge apenas os militares que entraram nas Forças após essa data. A partir da Lei 13954/2019, passam a ser considerados dependentes: o cônjuge ou companheiro, os filhos ou enteados, e dependentes inválidos;

11. Promoção. Todo militar será promovido, por bravura, boa classificação em cursos, ou por antiguidade na carreira. Caso não seja promovido no momento adequado, será reformado; não existe possibilidade de passar toda a vida funcional estabilizado num mesmo patamar hierárquico;

12. Porte de arma. Mesmo na inatividade, todo oficial tem direito ao porte de armas, exceto por alienação mental ou condenação por crimes contra a segurança do Estado.

13.Vestimenta. Como em algumas carreiras, o militar precisa usar uma vestimenta especial (farda). Nos quartéis/escolas em que permanecem, há serviços de lavanderia das roupas dos aquartelados. Nos locais isolados, onde não há vila militar, o serviço de lavanderia é estendido à família;

14. Auxílio natalidade e auxílio funeral. Em relação ao auxílio natalidade, os servidores civis recebem, por motivo de nascimento de filho, uma quantia equivalente ao menor vencimento do serviço público, inclusive no caso de natimorto, que corresponde a R$ 659,25. Militares recebem o valor de um soldo, o que poderá variar de R$ 981,00 a R$ 14.031,00. A diferença é ainda maior em relação ao auxílio funeral. Para todo servidor público, é garantido o pagamento à sua família no momento do falecimento o equivalente a um mês da remuneração ou provento. No entanto, para os militares, o referido pagamento é estendido em caso de falecimento de cônjuge ou dependente, além de não poder ser inferior ao soldo de suboficial, R$ 6.169,00;

15. Vida cultural e tempo livre. Nos quadros de trabalho para a maioria dos militares, além dos feriados civis, há datas comemorativas específicas da caserna, algumas vezes marcadas com festas e encontros de turmas. Outra tradição é o meio-expediente ou a folga às sextas-feiras nos meses de dezembro e janeiro (em teoria, por falta de recursos para o “rancho” – almoço);

16. Existe um período de transição entre a vida ativa e a aposentadoria. Um militar não sai do serviço ativo e vai imediatamente para a aposentadoria (reforma). Existe um período entre essas duas fases em que são considerados da reserva remunerada, estando sujeitos à prestar serviço ativo caso convocados em caráter transitório, mas o aceite da convocação é voluntário. Cabe esclarecer que não encontramos dados sobre qual percentual da reserva remunerada é convocada e para que natureza de serviços. A MP 2.215/2001 extinguiu um privilégio que existia no momento da reforma para aqueles que permaneciam ativos por 30 anos: aposentar-se sendo promovido para o grau hierárquico subsequente, com suas correspondentes remunerações. Por exemplo, um tenente-coronel que não fosse promovido a coronel e fosse incluído na cota compulsória para a aposentadoria, o faria sendo promovido a coronel, portando a patente, e recebendo a aposentadoria que corresponde a um coronel. A Lei 13.954/2019 dobrou o valor que militares recebem nesse momento a título de gratificação de 4 para 8 remunerações, sem qualquer abatimento de imposto de renda. A justificativa utilizada para o referido aumento é o fato de os militares não apresentarem FGTS (algo que servidores públicos também não possuem). Para um oficial de mais alta patente, o valor pode alcançar a casa dos 200 mil reais;

17. Profissão com dedicação exclusiva que recebe adicional por disponibilidade. Como outros profissionais da administração pública, ao militar da ativa é vedado o exercício de qualquer outra atividade (dedicação exclusiva), de comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada. Na reforma feita por Bolsonaro, criou-se o adicional de disponibilidade (inerente à disponibilidade permanente e à dedicação exclusiva do militar) que varia entre 5% e 41% do soldo, conforme a patente. No entanto, a reforma não trouxe nenhuma vedação sobre atividades que o militar possa desempenhar após o cumprimento da rotina de trabalho nas organizações das forças armadas (deixando uma margem para driblar-se a exclusividade) e sobre a percepção do referido adicional quando o militar é reformado [8];

18. Transporte. Militares recebem um auxílio transporte, independe do meio de transporte utilizado (cabe lembrar que residências oficiais ficam, em geral, próximas aos locais de serviço). Quando transferidos para outros municípios, o auxílio mudança se estende aos seus dependentes, e cresce conforme a distância (MP 2215-10/2001);

19. Salário. É comum a reclamação por parte dos militares de que são mal remunerados em comparação a outras carreiras públicas. Conforme audiência realizada no dia 21 de novembro de 2019, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE): delegados e peritos da Polícia Federal, por exemplo, começam a carreira ganhando R$ 22.672,00, podendo chegar a R$ 31 mil. Valor semelhante ao de um auditor da Receita Federal, que entra no serviço público recebendo R$ 21 mil, podendo atingir R$ 29 mil no topo de sua carreira. O salário inicial dos oficiais é R$7.490,00, e chega a R$14.031,00. Por outro lado, as carreiras civis não fazem jus a auxílio maternidade de mesmo montante, não apresentam paridade e integralidade e sobretudo não recebem adicionais ou gratificações quando se aposentam. Além disso, todos os adicionais e gratificações que os militares possuem se mantêm por ocasião da transferência para a reserva remunerada, diferente dos civis;

Em resumo, a remuneração dos oficiais militares compõe-se de: soldo (salário) + adicionais: militar (depende da hierarquia, para generais equivale a 28%) + habilitação (independe dos cursos da carreira) + tempo de serviço (1% ao ano) + compensação orgânica (caso esteja em desempenho de funções especiais, como saltando de paraquedas, 20% ao ano) + de permanência (continuar em serviço mesmo tendo tempo mínimo para ir para a reserva remunerada – 5% ao ano) + gratificação por trabalhar em localidades especiais (como a Amazônia, entre 10 a 20% ao ano). Além disso, têm direito a diárias (militar fora da sede), transporte, auxílio-fardamento (um salário a cada promoção), auxílio alimentação (quando não tiver o rancho na localidade de trabalho), auxílio natalidade (um soldo equivalente ao posto), auxílio funeral (um soldo) e ajuda de custo (remuneração extra em caso de mudança ou de reforma). Em alguns casos, tem direito a auxílio-transporte, assistência pré-escolar, salário família, adicional de férias e adicional natalino.

 

Desvantagens

1. Participação política. São proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político. Militares são alistáveis como eleitores; mas, precisam respeitar algumas regras caso desejem se tornar elegíveis como: 1) se tiver menos de 5 anos de serviço, serão excluídos do serviço ativo; 2) com mais de 5 anos, ao se candidatar a cargo eletivo, será afastado temporariamente do serviço ativo; se eleito, será transferido para a reserva remunerada conforme o posto a que tem direito em função do seu tempo de serviço. Segundo a Lei 13.954/2019, mesmo na inatividade, o militar não pode fazer uso das suas designações hierárquicas em: atividades político-partidárias; comerciais; industriais; cargos de natureza civil, mesmo se na administração pública; ou discutir assuntos políticos ou militares com a imprensa;

2. Faltas ao trabalho. É considerado ausente o militar que, por mais de 24 horas consecutivas, deixar de comparecer à sua organização militar sem comunicar; e ausentar-se, sem licença, da organização militar na qual serve ou local onde deve permanecer. Nesse caso, está sujeito às penalidades da disciplina militar, cabendo até mesmo medida de prisão (a ser cumprida em instalações militares);

3. Limitações de direitos civis para entrada na carreira. Para ingressar nos órgãos de formação de oficiais, que exigem regime de internato, o candidato não poder ter filhos ou dependentes, assim como não pode ser casado ou ter constituído união estável;

4. Devolver parte do valor investido pelo Estado na sua formação caso desistam da carreira em menos de três anos. A Lei de 13.954, de 2019, determina que oficiais que se demitem por vontade própria antes de completarem três anos de oficialato, deverão indenizar a União com os valores gastos na sua preparação, formação ou adaptação. As normas anteriores previam um período mais longo de exercício, 5 anos. Passados os três primeiros anos, algumas questões seguem como objeto de indenização ao Estado caso o oficial se desligue da carreira, como estágios no exterior. Essa questão é particularmente importante, por exemplo, para oficiais aviadores, que podem exercer a carreira de pilotos em empresas privadas de aerotransporte;

5. Alimentação. Muitos militares não recebem vale refeição. As alimentações são feitas em refeitórios conjuntos (rancho) – café da manhã, almoço e, em alguns casos, jantar. Por outro lado, alimentações para momentos de confraternização são também custeadas pelo Estado, como as recentes notícias sobre a compra de bebidas alcoólicas e alimentos de luxo pelas forças armadas;

6. Subordinação rígida – a disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e reformados. Em igualdade de posto ou de graduação, os militares da ativa têm precedência sobre os da inatividade. Em outras palavras, a hierarquia rege também o âmbito privado, e um militar deve respeito ao seu superior mesmo se ambos estiverem num passeio informal com suas famílias na beira da praia. Também indica que, mesmo reformados, generais convivem com generais, capitães com capitães, e soldados com soldados. A separação entre oficiais e praças é rígida. Um estudante em seu primeiro dia na escola é hierarquicamente superior a um praça com 30 anos de dedicação ao serviço;

Por fim, cabem comentários quanto a dois pontos que não são exatamente uma vantagem ou desvantagem quando analisados do ponto de vista individual.

Na profissão, pode-se ser compulsoriamente transferido e mudar-se muitas vezes ao longo da carreira. Há aqueles que consideram isso uma das grandes potencialidades da carreira, pois ninguém trabalha toda a vida em uma cidade isolada de fronteira (quando recebe um conjunto de incentivos, inclusive pecuniários) e, ao mesmo tempo, há uma grande possibilidade de construir uma carreira com passagens pelo exterior, por exemplo, em aditâncias ou cursos (disputadíssimos, pois a remuneração é em dólar). Por outro lado, há aqueles que apontam essa dimensão como prejudicial, pois o oficial pode não ser consultado sobre o local para onde será enviado, assim como é negativa para o restante da família do oficial. Cabe esclarecer que, nas situações de exercício em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente, servidores civis recebem um auxílio que não poderá exceder a três meses de renumeração. No entanto, para os militares, a importância poderá alcançar até quatro remunerações, quando o novo domicílio é classificado como localidade especial.

A segunda questão digna de nota é que militares são julgados por um sistema de justiça próprio, a justiça militar [9]. Se condenados, cumprirão pena ou detenção também num sistema próprio. O militar que se sentir prejudicado por um ato administrativo ou disciplinar de um superior poderá recorrer, mas também internamente, e não cabem pedidos coletivos, apenas individuais. Aos militares é vedado o direito de Habeas Corpus.

Cabe advertir que este texto não objetivou questionar as vantagens ou desvantagens que a carreira de oficial militar apresenta. Essa discussão só seria pertinente nos marcos do debate estratégico de como defender o Brasil e para que servem as forças armadas. Pretendeu-se contribuir para apresentar a carreira militar para os trabalhadores civis, sejam estes funcionários públicos, celetistas, MEIs ou precarizados. Assim como cabe aos cientistas abrir “a caixa preta militar”, é tarefa dos educadores populares apresentar ao povo brasileiro as fileiras desconhecidas [10].

 

[1] Para aprofundamento sugerimos o informe temático “A reestruturação da carreira militar e a reforma da previdência”, produzido por Mariana Janot para o Observatório Sul Americano de Defesa e Forças Armadas (GEDES), disponível em: https://gedes-unesp.org/wp-content/uploads/2020/08/Informe-Reestruturac%CC%A7a%CC%83o-carreira-militar-e-reforma-previde%CC%82ncia.pdf. Sugere-se também o recente estudo de William Nozaki publicado pela Fundação Perseu Abramo intitulado “Militarização da máquina pública: projeto de nação ou de poder?” disponível em: https://fpabramo.org.br/observabr/2021/05/14/militarizacao-da-administracao-publica-projeto-de-nacao-ou-de-poder/

[2] Adicional de disponibilidade é o valor percebido mensalmente em razão de dedicação exclusiva da profissão militar, e adicional de habilitação é o percentual mensal pago em razão de cursos feitos ao longo da carreira.

[3] A MP 2.215-10/2001 nunca foi votada e não foi convertida em Lei, mesmo alterando o Estatutd dos Militares. Em 2015, o tema ainda era objeto de disputa no Congresso. Como editada antes da Emenda Constitucional número 32 de 2001, seu texto segue em vigor.

[4] Um exemplo é dado pela participação das FAffrasileiras na Minustha. A respeito, veja SEITENFUS, R. «Entrevista a Leandro Melito e Lu Sudré», Brasil de Fato, S.P. 09 de setembro de 2020, disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/09/09/mortes-por-colera-e-golpe-eleitoral-o-rastro-das-missao-brasileira-no-haiti; VIEIRA, A.L. Abusos e violência: tropas chefiadas pelo Brasil no Haiti são criticadas. Portal Noticias R7, 24 de outubro de 2007, disponível em: https://noticias.r7.com/internacional/abusos-e-violencia-tropas-chefiadas-pelo-brasil-no-haiti-sao-criticadas-24102017

[5] Oficiais Militares têm um prazo máximo para permanecer em algumas patentes antes de serem promovidos, caso contrário, são automaticamente reformados. Por exemplo, um general não pode permanecer mais do que quatro anos com a mesma patente.

[6] Casais LGBTs vêem tendo conquistas de reconhecimento nesse sentido através de interveções judiciárias. https://www.conjur.com.br/2008-ago-05/exercito_pagar_pensao_companheiro_militar

[7] A respeito, ver Penido e Kalil, “As escolas cívico-militares”, publicado pelo portal A Terra é Redonda e disponível em: https://aterraeredonda.com.br/as-escolas-civico-militares/

[8] Cabem duas excessões na lei que regulamenta o caráter de exclusividade dos funcionários públicos: professores podem dar aulas em mais de um local e médicos podem manter um consultório próprio além da matrícula pública.

[9] Quando se trata de condutas incluídas na legislação militar.

[10] A esse respeito, sugerimos o capítulo de Domingos Neto, “Fileiras Desconhecidas”, publicado no livro “Os militares e crise brasileira”, de João Roberto Martins Filho, pela Editora Alameda em 2021.