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Vida para além das Big Techs?

 

Por Carolina Cruz e Cristiane Ganaka

 

A notícia da mudança de nome da empresa Facebook para “Meta” certamente escancarou que as intenções da companhia estão para além do mercado das redes sociais. O metaverso, onde “você será capaz de fazer quase tudo que você possa imaginar”, como anunciou Mark Zuckerberg, não passou incólume aos memes que logo lembraram a distópica série Black Mirror.

Ambicionar tornar-se um universo em si, parece arrogante, mas é só o capitalismo mais uma vez se apropriando dos aspectos da vida humana, processando e extraindo mais valor. Não é por acaso que esta seja uma característica comum entre o restrito grupo das Big Techs – grandes companhias de tecnologia que figuram entre as maiores corporações da atualidade. Enquanto a Meta almeja reunir tudo em uma única rede, a Alphabet, dona do Google, declara como sua missão “organizar a informação do mundo”; a Amazon anunciou o fim das lojas físicas e quer se tornar o Varejo; a mais experiente Microsoft é a opção de soluções de software e inteligência artificial para as grandes companhias e governos.

Este restrito grupo controla globalmente não apenas os meios de comunicação, publicidade ou redes sociais, mas expande rapidamente seu monopólio para outro setores, como logística, mercado financeiro, educação, agricultura e mesmo a gestão de dados e informações estratégicas de Estado, do Pentágono nos EUA ao Cadastro Único de Programas Sociais no Brasil.

Após quase dois anos de medidas de distanciamento social necessário devido à pandemia, é verdade que, por mais que nos assustem, estamos cada vez mais dependentes dos serviços dessas empresas. Basta lembrar do dia em que os aplicativos da empresa Meta (WhatsApp, Instagram e Facebook) ficaram fora do ar; muitos de nós nos vimos perdidos em um primeiro momento, levou um tempo para lembrarmos que poderíamos ligar, mandar e-mails ou até mesmo enviar mensagens de texto – os antigos SMS – para nos comunicar. Depois desse bug nos hábitos pessoais que se estende até as culturas empresariais, ouvimos falar de prejuízos em vendas, dificuldades em acessar notícias; isso porque várias atividades têm aumentado a dependência das infraestruturas digitais oferecidas por essas grandes plataformas, como o próprio jornalismo. Assim, aos poucos, devido a dependência em relação a determinadas infraestruturas, essas ferramentas começam a estruturar nossas vidas e a margem de ação para regulá-las é curta. Podemos lembrar da polêmica imposição na mudança de regras da política de privacidade e compartilhamento de dados no início do ano pelo Whatsapp.

Em países como o nosso, enfrentamos essas empresas em desigualdade, do acesso limitado às tecnologias de informação e comunicação à população em geral a destruição acelerada promovida pelo governo de Jair Bolsonaro do que poderiam ser as bases de uma ciência e tecnologia nacional e independente. Já sentimos as perdas com os cortes do orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ou a ameaça de privatização das empresas públicas de tecnologia como Serpro e Dataprev – que talvez tenhamos a chance de reverter num próximo governo. No entanto, é preciso cuidado ao trafegar por essa pantanosa narrativa difundida pelas Big Techs e sua onipresença para não atolar.

Talvez o primeiro desafio para os movimentos, organizações e coletivos populares seja superar as narrativas ideológicas hegemônicas da economia de dados. O dossiê 46 do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Big Techs e os desafios atuais para a luta de classes, lançado no mês de novembro, traz um interessante esforço coletivo neste sentido. E nos lembra que, embora lidemos com um mundo aparente novo de “soluções” tecnológicas, as lutas por soberania e direitos, como fazem os entregadores de aplicativos por seus direitos trabalhistas, por exemplo, são nossas velhas conhecidas. Se não disputarmos o sentido da tecnologia, podemos ser levados diretamente ao passado.