Pesquisa sobre os Evangélicos e a Política

O sociólogo Vinicius do Vale trouxe uma importante reflexão sobre a necessidade de “desfazer a caricatura dos evangélicos” e compreendermos como opera esse grupo multifacetado e complexo em relação às eleições. Foto: Antonio Lacerda / EFE

 

N° 5/2021

 

O ano passa, os meses passam, as notícias se repetem. Mas continuam surpreendendo porque, definitivamente, não há limites. A atuação dos ministros evangélicos e de lideranças fundamentalistas na defesa desse projeto de poder segue impressionando. Nesse mês, tivemos esses mesmos atores desresponsabilizando Bolsonaro pelo genocídio em curso, mas não, por outro lado, sem resistências. O campo progressista segue na contranarrativa aos fundamentalismos e o povo evangélico já dá sinais de que não é assim tão fiel ao presidente, como muitos do nosso campo acreditam. Acompanhem:

 

Fundamentalismo

No município de Goiás, em ato a favor do presidente, cartazes pedem a Deus que perdoe os torturadores e afirmam que o Brasil pertence a Jesus Cristo.

Marco Feliciano, pastor, deputado federal e apoiador de Bolsonaro, segue os passos do presidente e é surpreendido por operação coordenada das polícias civil e militar, Ministério Público e vigilância sanitária. Seu culto foi barrado por não respeitar as orientações sanitárias vigentes por conta da pandemia. O local do culto ultrapassou os 25% de ocupação, interferindo nas regras de distanciamento.

Sabemos da importância da igreja para a classe trabalhadora e o quanto os fiéis sentem falta desse espaço em seus cotidianos. No entanto, manter as igrejas abertas tem sido um enorme risco para a vida desses mesmos fiéis. Lideranças religiosas não podem se furtar de considerar a saúde e a vida das pessoas como mais importantes do que as portas abertas das igrejas. Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu autonomia e autoridade aos municípios para que escolhessem proibir ou permitir as atividades religiosas presenciais, gerando debates e cisões no campo religioso. Alguns religiosos defendem a abertura pautados no discurso em torno da liberdade religiosa, enquanto defensores do fechamento das igrejas acreditam que a vida dos fiéis é prioridade nesse momento. No estado de Pernambuco, parlamentares não têm medido esforços para que as igrejas se mantenham abertas, mesmo com os surpreendentes números de contaminação e mortes por covid-19 em nosso país. No começo do mês, o governo estadual sancionou uma lei enquadrando igrejas e templos como serviços essenciais. Não bastasse, o deputado federal Eduardo da Fonte (PP) apresentou um texto para lideranças religiosas onde discute a possibilidade de aprovar a pauta da abertura em nível nacional. No dia 25 de maio, um novo decreto estabeleceu restrições mais rígidas para a abertura, desagradando membros da Bancada Evangélica.

Ainda neste mês de maio, surgiu um novo conflito entre Israel e Palestina movido pelas ações de despejo de famílias palestinas em Jerusalém Oriental. Atualmente, cerca de 40 mil famílias estão ameaçadas de despejo. Nesse cenário de guerra, vitimando principalmente o povo palestino em todos os sentidos, as lideranças evangélicas dos Estados Unidos e do Brasil, baseadas em uma leitura literal da Bíblia, seguem no discurso de defesa do estado Israel, dado que acreditam, ou assim o dizem, se tratar da terra santa e do povo escolhido por Deus.

Por essas terras, grandes lideranças evangélicas como Ana Paula Valadão, Fernanda Brum, apóstolo César Augusto, pastor José Wellington Júnior, Magno Malta, Pastor Josué Gonçalves, pastor Josué Valandro Jr. entre outros, mostraram apoio a Israel. Porta voz da direita evangélica, o pastor Silas Malafaia ecoou o apoio chamando o Hamas – grupo de resistência da Palestina –  de terrorista: “Aí vem o PT com nota dizendo que Israel tem que cessar a agressão e partir para o diálogo? Vocês são cínicos ou apoiam terroristas? É Israel que está sendo agredido por terroristas, mesmo sendo um Estado soberano. E essa resolução da ONU de que tem que criar dois estados, quantas resoluções da ONU já não foram quebradas pelos Estados Unidos, Rússia e China? […] Jerusalém é a eterna e indivisível capital do Estado de Israel!”, esbravejou o pastor.

Em conferência sobre o retorno do fundamentalismo religioso, o professor e pesquisador brasilianista Georg Wink fala sobre o papel dos católicos e pentecostais e afirma: “Eu diria que os neopentecostais são um pouco os peões no jogo de xadrez da nova direita. Eles proporcionam o voto, o eleitorado, e fazem o trabalho de campanha. Mas não têm uma visão para o país”. Em comparação, “os conservadores católicos, ou tradicionalistas, têm uma visão muito clara sobre o futuro do Brasil e de onde querem chegar: em um país baseado numa ordem natural, que seria uma ‘lei natural’, o neotomismo, e, dessa forma, preservar um legado colonial”. Nos parece, portanto, fundamental refletirmos sobre o projeto de poder em curso, ampliando nosso olhar para além dos pentecostais e neopentecostais, mas também para as forças religiosas conservadoras do catolicismo e do protestantismo histórico, seus gurus e ideólogos.

A pastora presbiteriana Sonia Mota acredita que a ausência do Estado em comunidades carentes abriu espaço para os fundamentalismos religiosos. No entanto, alerta para a necessidade de não generalização das posições das religiões. “A igreja católica não é um bloco homogêneo, assim como as igrejas do protestantismo também não o são. Cada dia surgem novas igrejas com perspectivas e percepções diferentes da realidade. Há também muitos grupos que continuaram fazendo trabalhos de base com uma teologia fortemente crítica à realidade. Desse modo, não é possível olhar para o passado nem para o presente sem compreender a complexidade que caracteriza os diversos grupos cristãos no Brasil em sua relação com a sociedade civil e com o Estado”, diz.

Bolsonaro

Bolsonaro ainda conta com os evangélicos como sua principal base de apoio, no entanto, mesmo seus apoiadores têm demonstrado insatisfações e rusgas entre eles, e partidos de esquerda seguem acenando para o segmento, compreendendo a importância dessa disputa. Integrantes da Bancada evangélica têm se manifestado contra alguns dos seus ministros. O ministro da Educação Milton Ribeiro tem questionado o conservadorismo do deputado e pastor Marco Feliciano, apontando em grupos de Whatsapp o perfil tendencioso do deputado federal, dizendo que ele já foi apoiador da ex-presidenta Dilma Rousseff. O partido Republicanos, da Igreja Universal do Reino de Deus, também entrou em conflito com os apoiadores do presidente, dado que um de seus bispos licenciados, Marcos Pereira, teve um encontro com Guilherme Boulos, do PSOL. O deputado Sóstenes Cavalcante, líder da Bancada Evangélica, tem manifestado insatisfação pela falta de políticas públicas do atual governo. Mas não se iludam: as reclamações se deram por que o parlamentar não conseguiu repasses de recursos para comunidades terapêuticas (objeto sobre o qual grupos evangélicos têm enorme interesse). Pesquisas apontam o caráter fisiológico dos grupos evangélicos no parlamento.  E os conflitos ligam um sinal de alerta para grupos progressistas que têm buscado um diálogo com evangélicos na base, mas também para os que estão no poder.

Não sejamos tão otimistas, há um longo caminho pela frente. De qualquer forma, admitimos que as mentiras dos apoiadores do governo são tão “deslavadas” que facilitam o trabalho de nosso campo em evidenciá-las. O perfil “Desmentindo Bolsonaro” foi taxativo com Malafaia: “Você mente”. A frase se deu por conta de publicações do pastor defendendo a atuação de Bolsonaro contra a pandemia. O perfil informou que o presidente da República recusou doses de vacina que evitariam a morte de milhares de pessoas em nosso país.

Não é de graça que Malafaia mente. O pastor triplicou sua dívida com a União durante o governo Bolsonaro. Fato que o pastor não negou: “Esses meus débitos têm a ver com tributos mesmo, que eu tenho que pagar, pedir para renegociar.”

Afirmamos em diversos momentos em nossa pesquisa que esse ainda é um campo em disputa e que temos que compreender as contradições para podermos avançar no diálogo. A jornalista Magali Cunha em sua coluna Diálogos da fé tem cumprido um importante papel nesse sentido. Na matéria intitulada “Quem são os evangélicos que apoiam Bolsonaro?” Cunha divide os apoiadores em três grupos: i) líderes que declaram apoio ao presidente; ii) líderes que silenciam e não tornam explícito o apoio e; iii) membros e fiéis simpatizantes. Destacamos aqui a reflexão sobre os membros e fiéis. A autora aponta em seu texto os tantos motivos que fizeram que grupos cristão que estão na base social aderissem a um discurso tão anti-cristão e anti-povo, dentre eles: “Os mais de 30 anos de cultura gospel, que embasaram o crescimento numérico, geográfico e patrimonial do segmento, intensificaram o individualismo que está no DNA do jeito de ser evangélico. (…) Esta cultura formou uma geração de evangélicos cuja expressão religiosa é ancorada em chavões como ‘Deus está no controle’, ‘estar na visão’, ‘tomar posse da bênção’, ‘pare de sofrer!’, ‘pisar na cabeça do inimigo’, ‘Deus é fiel em retribuição à fidelidade no dízimo e na frequência a uma comunidade de fé’, entre tantas outras”. Vale a pena conferir a matéria inteira. Em outra contribuição  da jornalista, aponta os evangélicos contra o atual governo destacando dois principais grupos: “O primeiro é composto por lideranças (pastores, pastoras, bispos, bispas, presidentes de igrejas e pessoas leigas que têm cargos de poder em suas comunidades de fé), membros das igrejas e simpatizantes que se comprometem com os ensinamentos cristãos baseados no amor e na misericórdia e são sensíveis à crise social, econômica e ambiental que explodiu no Brasil desde 2016”. E um segundo grupo “composto pelos historicamente denominados progressistas. São pastores, pastoras, bispos, bispas, presidentes de igrejas e pessoas leigas de diferentes lugares do Brasil e podem ser classificados como aqueles que, com base em sua concepção religiosa, defendem os direitos humanos, econômicos, culturais, ambientais e sexuais”.

Nesse caldo de ações, conflitos e disputas, Bolsonaro tem suas estratégias e não quer perder sua base mais fiel. O presidente tem construído ações com esses grupos e organizou um café da manhã no Palácio da Alvorada. A bancada evangélica cobrou maior articulação com a base, maior espaço de diálogo entre o grupo e o governo e ênfase na crítica ao lockdown. O encontro foi marcado por aglomerações e uso inadequado das máscaras de proteção.

CPI da Covid

No mês passado, dia 13 de abril de 2021, foi criada a CPI da Covid para investigar as ações do governo no combate à pandemia. A CPI foi oficialmente instalada no Senado Federal em 27 de abril de 2021. Em maio, a repercussão atingiu o campo evangélico na figura de, como sempre, Silas Malafaia. O pastor bolsonarista afirmou falar “quase que diariamente” com o presidente e que não tem medo de ser convocado a depor na Comissão. “Não tenho medo e digo tudo lá que eu falo com o presidente. Vou lá e digo. Se for convocado, vou lá e digo as conversas que eu tenho com o presidente. Sobre pandemia, lockdown, sobre, é… Cloroquina, azitromicina. Vou lá e falo. Eu digo lá”, afirmou. A manifestação de Malafaia se deu porque o senador e filho do presidente, Flávio Bolsonaro, citou o pastor na CPI apontando-o como conselheiro de seu pai.  O senador Marcos Rogério, apoiador do Presidente, seguindo a recomendação do “01”, apresentou requerimento para convidar Malafaia a depor na CPI 

Outro representante do segmento “terrivelmente evangélico” esteve na CPI para dar seu depoimento. O advogado e ex-secretário-executivo do Ministério das Comunicações Fabio Wajngarten, de tradição judaica, iniciou sua fala acenando aos evangélicos e afirmando que frequenta o Templo do Salomão, do líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo. Seu depoimento foi marcado por contradições. Nesse mar de lamas e mentiras, Marco Feliciano, que apoia um governo antidemocrático que a todo momento se referencia à ditadura militar, comparou, vejam só, a CPI a uma sala de tortura: “Num futuro breve a CPI do Fuzilamento acabará requisitando instrumentos de trabalho, como o pau-de-arara, a guilhotina, o garrote vil e outros pra completar a sala de tortura em que se transformou”.  Vale lembrar que esses são instrumentos apoiados pelo presidente, o qual ele defende.

 

De olho em 2022…

Em maio, o Datafolha publicou uma informação importante: em uma possível corrida presidencial, 34% dos evangélicos votariam no atual presidente, enquanto 35% votariam em Lula. Os dados divulgados geraram diversas manifestações.

Lideranças da Bancada Evangélica têm pressionado o presidente para uma maior atenção às bases eleitorais evangélicas nos estados. Sobre os dados, o pastor Ariovaldo Ramos, da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito reflete: “Uma questão que talvez tenha escapado a alguns é que dentro da população evangélica há um grande número de vítimas da covid-19. Quando Bolsonaro começou a dizer que era uma gripezinha, que o número de vítimas seria irrisório, essa prática fez muitos evangélicos apoiarem o negacionismo”,

A estratégia de Malafaia foi criticar o Datafolha usando um vídeo de 2018, em que  um bolsonarista pede para ser entrevistado por um pesquisador. O Datafolha já havia se justificado informando a metodologia da pesquisa – parece que é algo bem fácil de compreender-, mas Malafaia preferiu, obviamente, questionar os dados, e não as razões para a falta de apoio.

Nesse cenário, mais uma ameaça ao bolsonarismo. Desde 2019, a Igreja Universal do Reino de Deus tem sido acusada de diversas violações por pastores angolanos, criando uma enorme crise. Bolsonaro não tinha dado muita atenção, o que irritou as lideranças, apontando sua postura como descaso, decepção e omissão, inclusive provocando um possível flerte com Lula. Com medo de perder esse fiel apoio, o governo passou a ser mais ativo nas ações em favor da IURD contra as acusações angolanas.

O sociólogo Vinicius do Vale trouxe uma importante reflexão sobre a necessidade de “desfazer a caricatura dos evangélicos” e compreendermos como opera esse grupo multifacetado e complexo em relação às eleições. O voto dos evangélicos foi tema de seu livro e na matéria para El País ele afirma que “a inclinação política da maior parte dos líderes desse segmento em direção a candidatos de direita e extrema-direita se deu só no final da última década, tendo como pano de fundo a crise econômica pós 2015. Este posicionamento é perfeitamente explicável a partir da constatação de que os evangélicos correspondem ao grupo religioso com maior contingente de famílias em situação de baixa renda e vulnerabilidade social. Parte importante desse segmento abandonou o barco dos governos petistas com a piora da situação econômica. Agora, em um momento de perda do poder de compra, alto desemprego e ausência de perspectivas – situação cada vez mais evidentemente ligada às más escolhas do atual governo –, punem também Bolsonaro.”

Ministros evangélicos

Há quem ainda ridicularize as ações da ministra Damares Alves. Ao ridicularizá-la, entretanto, não compreendemos seu enorme poder no governo e como ela tem construído uma narrativa que dialoga com os valores morais conservadores ainda tão enraizados em nosso povo, muitos deles embasados nas narrativas fundamentalistas religiosas. Segundo estudo feito pela Carta Capital, dos 43 cargos mais importantes do Ministério, 30 são ocupados por reacionários cristãos. Alves tem saído dos holofotes, mas continua cumprindo seu papel fundamental para a manutenção de ideais e valores bolsonaristas. Bolsonaro sabe o poder da ministra e tem sondado seu nome para uma candidatura  ao Senado.Ela segue o discurso: o que o presidente mandar, ela obedece. Compreendendo a importância de ficar de olho na ministra, o PSOL acionou o Ministério Público Federal para que instaure procedimento extrajudicial para acompanhar as ações de revisão de Alves no Plano Nacional de Direitos Humanos. Para a deputada Taliria Petrone (PSOL), “não é possível pensar direitos humanos sem ouvir os movimentos sociais. Agora, esperamos que a ministra Damares Alves reconheça o retrocesso que isso representa e cumpra os compromissos assumidos pelo Brasil em nível internacional”.

O presbiteriano, pastor e atual ministro da Educação Milton Ribeiro segue sendo notícia. A jornalista Miriam Leitão classifica o ministro como omisso, devido a falta de encaminhamentos junto ao INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas – sobre questões referentes ao ENEM. Até Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação, liderado por empresários, afirma que o atual ministro consegue ser pior do que o anterior, Abraham Weintraub: “A gente tem um ministério da Educação que não cumpre o seu próprio papel legal, o seu papel constitucional”.

Quando não é omisso, cumpre seu papel beneficiando a privatização da educação. Milton Ribeiro afirmou que entre suas prioridades está a de “simplificar os trâmites burocráticos necessários para a regulamentação da iniciativa privada no ensino superior do país” . Além disso, o ministro tem atuado em benefício próprio ou “dos seus”, dado que protelou enviar à Polícia Federal a apuração de fraude em um centro universitário ligado a pastores aliados. Segundo a reportagem, ele atuou nos bastidores para blindar a entidade. Felizmente, suas ações têm tido consequências. Deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) querem que a Procuradoria Geral da República apure o caso. Outra consequência se refere às falas homofóbicas do Pastor em setembro do ano passado: por conta delas, a União deverá pagar 200 mil reais por danos morais coletivos

Por fim, chegamos nele, no mais fiel escudeiro de Bolsonaro, o também pastor presbiteriano André Gonçalves Mendonça, que tem proporcionado momentos de vergonha alheia em relação à sua ilimitada blindagem ao Presidente. André Mendonça abriu inquérito contra uma médica que lamentou “facada mal dada” em Bolsonaro. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), entretanto, suspendeu a investigação. O advogado-geral da União deu diversas demonstrações de  abuso de poder quando ministro da Justiça e segue  atuando contra o povo. O STF, por exemplo, obrigou o governo federal a realizar o censo, importante instrumento de dados para implementação de políticas públicas e planejamento de gastos. O ministro, no entanto, entrou com recurso para que a Corte volte atrás.

André Mendonça, para blindar Bolsonaro, entrou com um pedido de habeas corpus para que o general Eduardo Pazzuello pudesse ficar calado durante a oitiva na CPI da Covid. No entanto, Lucas Furtado, do Tribunal de Contas da União, pediu apuração sobre a atuação do ministro nesse caso. A máxima “quem não deve não teme” acende uma luz de alerta (e mais ainda depois da fala do ex-ministro da CPI).

As ações dos ministérios reforçam o que muitos pesquisadores, jornalistas e estudiosos do mundo evangélico têm insistido: nem só de pentecostalismo vive o fundamentalismo religioso no governo Bolsonaro!

 

A peregrinação ao STF

Na disputa ainda sem vencedores pela vaga no STF, alguém terrivelmente evangélico é o nome preferido de Michele Bolsonaro, a primeira dama deste país. Aparentemente, ela tem verdadeira adoração por André Mendonça, enquanto Flávio Bolsonaro prefere o adventista Humberto Martins, chamado de maravilhosamente evangélico pelo governador de Alagoas, Renan Filho. Bolsonaro insiste no nome de seu ex-ministro da justiça e atual AGU, mesmo contrariando o centrão. O fato do ministro ser um pastor evangélico é uma condição forte para a decisão e tem sido a bandeira defendida pelo presidente. Uma ala de evangélicos voltaram a mencionar o nome do desembargador William Douglas. Além de “terrivelmente evangélico”, ele faria frente à ala mais progressista da suprema corte.

 

Teologia da prosperidade

Para muitos que pensam que fiéis das igrejas são massa passiva, mostramos: fiéis da assembleia de Deus não aceitam alto salário do pastor, o expulsam e assumem direção da igreja.

Se apenas a fé é suficiente para uma vida próspera, vale questionarmos por que o apóstolo Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Trono de Deus, segue endividado, apelando para propagandas de suplemento alimentar para garantir um extra e tirar a sua igreja do buraco…

Parece que nem só de fé vive a bancada evangélica. Segundo pesquisa realizada por dois economistas da USP, caso as igrejas pagassem impostos o número de parlamentares do segmento seria bem menor. “Usando os dados fornecidos pelas igrejas à Receita Federal, o estudo viu que o número de igrejas seria de até 74% menor se pagassem mais impostos como as atividades comerciais em geral”.

 

Teologia do Domínio

Existe um projeto de poder em curso muito bem orquestrado e realizado em diversos espaços para além do Congresso Nacional. Destacamos algumas notícias para pensarmos quais espaços os grupos evangélicos têm ocupado. Que possamos utilizar os filtros necessários (nem toda grande ação evangélica é fundamentalista) em relação a essa atuação, sem perder de vista o avanço dos fundamentalismos religiosos em nosso território. O que temos que ter em mente é que o enorme avanço das igrejas evangélicas no Brasil é respondido através de diversas chaves de interpretação.

No Rio de Janeiro, Associação Evangelística Billy Graham, unida a mais de 2 mil igrejas evangélicas, atua em um projeto de evangelização, mas não só: “O projeto não visa apenas alcançar quem ainda não entregou a vida a Jesus, mas gera capacitação em evangelismo e discipulado para os membros das igrejas participantes; programações voltadas especificamente para mulheres, jovens e crianças, e unidade entre as denominações”. Também no Rio de Janeiro, traficantes, paramilitares e igrejas têm se unido contra grupos rivais e religiões de matriz africana: “O preço atualmente pago pela população do Rio, tomada como refém pela narcomilícia neopentecostal é muito mais elevado: ao terror propagado pelos grupos armados acrescenta-se a perda da liberdade de fé e a perseguição das religiões afro-brasileiras e dos seus praticantes”.

A reportagem “Blogueiras cristãs prosperam em um Brasil cada vez mais evangélico” demonstra um novo nicho de consumo que movimenta bilhões por ano. A construção do “ser evangélico”, principalmente para as mulheres, tornou-se uma possibilidade rentável para blogueiras e empresas da moda. Franciele Vasconcelos, com mais de 50 mil seguidores afirma que “a mulher evangélica consome muito. Ela sempre quer estar bem vestida. A gente vai para o culto e parece que a gente vai para o Oscar. Eu acredito que, se a gente se veste bem e da melhor forma para estar em qualquer ambiente, o que dirá para Deus. A gente tem que estar o mais apresentável possível, pois você está entregando o seu melhor para Deus”.

Intolerância religiosa

A Igreja Católica em São Paulo foi atacada por quatro pessoas que destruíram imagens de santos, além de vasos sanitários, vasos de plantas, portas e espelhos. Ao serem questionados quanto à sua motivação, os criminosos afirmaram ter agido “em nome de Jesus”, o que suscita a possibilidade de intolerância religiosa.

No Rio de Janeiro, CPI denuncia ações de intolerância religiosa por parte de traficantes evangélicos que ocorrem em especial na zona norte da cidade

Mas nem só de intolerância vive o mundo evangélico. Em uma ação social, a Igreja Universal e um centro de umbanda no Rio de Janeiro se unem para doação de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade.

Classe/raça/gênero

Na coluna de Ronilso Pacheco do UOL, o teólogo reflete sobre Gil, participante do BBB 21, que se assumiu gay e teme não ser aceito: “Por vezes, disse que amava a igreja e gostaria apenas que ela o aceitasse com sua sexualidade”. Pacheco traz os tantos espaços protestantes que acolheram seus fiéis e suas sexualidades.

Trabalho de base

É inegável que as igrejas evangélicas realizam um trabalho de base muito eficiente em seus territórios, construindo espaços de acolhimento e respondendo às demandas objetivas e subjetivas para parte significativa do nosso povo. No Amazonas, missionárias estão dando reforço escolar para crianças que tinham  dificuldades educacionais, inclusive em ler e escrever. Por conta da pandemia, as crianças estavam sem aula e as famílias não conseguiam acompanhar os livros por não terem muito estudo. As missionárias então estão cumprindo essa função.

A ex-traficante de 68 anos Leida Gabriel diz ter transformado sua vida radicalmente após sua conversão e hoje atua no sistema prisional: “O sistema [prisional] me ensinou a ter humildade, respeito e disciplina. Converso com os presos na mesma linguagem das ruas, mas levo também a palavra de Cristo”.

Em Guarapari, no Espírito Santo, voluntários da Congregação Cristã têm visitado a casa de famílias em vulnerabilidade para a doação de cestas básicas, mas não só: “Além dos alimentos, também buscamos outras formas de ajudar. Seja conseguindo um emprego, um curso, uma orientação, fazemos o possível”, contou Rafael.

Olhando para esse cenário, o antropólogo Julian Spyer afirma: “Muitos jovens não estão no crime porque vão às igrejas evangélicas, e a esquerda devia pensar nisso”. O pesquisador alerta para a necessidade de refletir sobre as ações nos territórios antes de atacar as igrejas e desconfiar da capacidade intelectual dos fiéis.

Disputas e contranarrativas

A série da revista Fórum publicada no mês de maio trouxe entrevistas com importantes lideranças evangélicas que se opõem ao governo Bolsonaro, dentre elas, a pastora Odja Barros: “Eu acredito que houve sim uma articulação, uma cooptação. Não que tenha sido feita por ele próprio, mas sim por um grupo de lideranças religiosas, que de uma maneira coordenada cooptou esse apoio evangélico… E várias estratégias foram usadas para isso. Há muitos pastores e figuras que são peças-chave e que abraçaram esse discurso e colocaram os púlpitos de suas igrejas à disposição da onda pró-Bolsonaro. Gente que usou o seu poder de influência, com a liderança que têm… Que exercem um poder simbólico e que, primeiro, foram construindo todo um discurso para suas congregações e gerando essa adesão”. Vale a pena ler todas as reportagens da série!

No dia 29, milhares de pessoas foram às ruas, com suas máscaras e proteção e gritaram: “Fora Bolsonaro!”. Dentre as tantas pessoas, diversos grupos em todo o país se manifestaram contra o governo a partir de sua identidade religiosa e de sua fé. Crentes também estiveram lá e, por isso, insistimos sempre: não generalize os evangélicos! Seguimos juntos contra esse governo que mata e oprime nossa classe, que mata e oprime os trabalhadores evangélicos de nosso país.