Pesquisa sobre os Evangélicos e a Política

Portais de notícias evangélicas conservadores tem explorado o discurso da cristofobia quando se fala do fechamento de igrejas para conter a propagação do coronavírus. Crédito: Claudia Calderón/OjoPúblico

N° 2/2021

Fundamentalismo e projeto de poder

Em 2019, no período eleitoral, Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e ex-candidato à Presidência, chamou o bispo Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de Deus) de “fundamentalista charlatão, com fome de dinheiro”. No dia 4 de fevereiro, o STJ através do ministro Sebastião Reis Júnior, trancou a ação penal do bispo contra o Haddad por compreender que as críticas estão garantidas pelo direito de liberdade de expressão e de pensamento. Entretanto, a defesa do bispo da Universal contestou a atitude de Fernando Haddad, dizendo: “Na presença de várias pessoas e após participar de uma missa católica alusiva ao dia de Nossa Senhora Aparecida (fomentando um discurso de ódio religioso), em sede de ‘coletiva de imprensa’, passou a injuriar e difamar o Reclamante, Edir Macedo Bezerra.

Fábio Marton, em matéria ao Intercept, traz visões acerca das obras sociais das igrejas fundamentalistas e suas contradições e ambiguidades. A leitura é interessante, pois aborda as concepções evangélicas de Direitos Humanos, importância da figura da ministra Damares Alves, e como através dessas ações as periferias vão absorvendo discursos fundamentalistas e conservadores.

Após a prisão o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) após fazer ameaças a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e ao Estado Democrático de Direito, evangélicos saíram em defesa e protegendo Silveira, que além de discursos violentos, fez apologia ao AI-5. Um desses evangélicos foi o pastor Silas Malafaia, que ainda ameaçou políticos da bancada evangélica que não votassem para soltura de Silveira. O Líder da bancada evangélica na Câmara, o deputado Sóstenes Cavalcante, considerou ser ilegal a prisão de Daniel e pediu a soltura em nome da democracia.

Na busca do alguém “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal, um nome tem sido cotado desde o início do mês: William Douglas, pastor evangélico da Igreja Batista Getsêmani. Inclusive, era titular da 4ª Vara Federal de Niterói teve uma promoção aprovada pelo TRF, se tornando mais novo desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região após aprovação de Bolsonaro. Diversos líderes evangélicos, como R.R. Soares e Silas Malafaia, apoiam e defendem William Douglas para o cargo no STF, que substituiria o ministro Marco Aurélio Mello, que se aposenta em julho deste ano, compulsoriamente.

 

Igrejas, pandemia e cristofobia

O contexto pandêmico necessita do distanciamento social, entretanto, como Jaqueline Moraes relembra em sua entrevista ao portal IHU, os grandes movimentos evangélicos são recheados de imagens de grandes aglomerações, multidões convertidas, e a pandemia tem afetado a essa prática de massa. Então, portais de notícias evangélicas conservadores, como gospel+, gazeta do povo, entre outros, tem explorado o discurso da cristofobia quando se fala do fechamento de igrejas para conter a propagação do novo coronavírus. Esses discursos vão desde Fake News acerca da  “China comunista perseguindo cristãos”, a atentados a liberdade religiosa por ações de contenções e distanciamento social.

Em janeiro na cidade de Boa Vista, Roraima, houve um decreto municipal que suspendia a realização de cultos, missas e rituais por 15 dias. Entretanto, no final de janeiro, a equipe de fiscalização flagrou cerca de 100 pessoas reunidas na Igreja Assembleia de Deus, no centro da cidade. A Polícia Militar foi acionada e chegou a dar voz de prisão ao pastor Isac Ramalho, entretanto, foi liberado após assinar um termo de comparecimento para prestar esclarecimentos do caso. Essa notícia reverberou em inúmeros sites alegando “perseguição religiosa”, cristofobia, atentado contra a liberdade religiosa. Sobre esse último item, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) e a APEBE – Associação Pró-Evangélicos do Brasil e Exterior, escreveram notas de repúdio ao caso alegando, como o caso da APEBE, que alegou que a ação foi “malograda, travestida de legalidade e combate à pandemia, mas que escamoteia uma perseguição velada aos cristãos”, disse Gesiel de Oliveira, Presidente Nacional da APEBE.

Essa tem sido uma estratégia para disseminar uma perseguição religiosa inexistente no Brasil, a perseguição aos cristãos. Enquanto isso, diversas denúncias de igrejas lotadas de pessoas, sem máscara, sem distanciamento estão sendo feitas e divulgadas, entretanto, nenhuma medida drástica está sendo feita pelos governos, para garantir apoios da base evangélica no momento oportuno. A esquerda precisa, de fato, se atentar para essas artimanhas discursivas e não dar mais elementos para essa construção.

 

Armas de fogo e a bancada evangélica

Após os quatro novos decretos sobre a flexibilização das armas de fogo, editados por Bolsonaro, sua base de sustentação do governo, os evangélicos, resistem e criticam tais políticas. Uma fissura a ser explorada nessa relação, pois diversos políticos e políticas ligados a Bancada Evangélica fizeram críticas públicas aos decretos e criaram campanhas e projetos para combater as liberações, como foi o caso da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que integra a bancada evangélica, que apresentou propostas para sustar os decretos de Bolsonaro.

Até mesmo a voz violenta de Silas Malafaia se opôs dizendo: há uma diferença entre a polícia estar bem armada e armar o cidadão. Isso é loucura!”. Entretanto, a voz “mais sofisticada” do pastor e vice-presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil, Augustus Nicodemus Lopes, em entrevista ao portal Gospel afirma, se o governo permitir o porte de arma, a Bíblia não condenaria o cristão a ter sua arma para uso pessoal e defesa. O Instituto Tricontinental tem reforçado as artimanhas sorrateiras dos protestantes históricos para continuidade do projeto de poder. E veremos ainda nesse observatório outras visões, de ativistas e teólogos progressistas, acerca do tema.

 

Vacina

A saga das vacinas e os evangélicos continuam. O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social publicou recentemente o texto “Vacina: um diálogo urgente com os evangélicos”, trazendo as denúncias relacionadas a fake news sobre a vacina por parte de pastores e líderes evangélicos, e também outras vozes evangélicas que estão lutando e promovendo campanhas de conscientização sobre a vacina. Entretanto, as denúncias não param de chegar, principalmente em relação aos indígenas que tem sido vítima de missionários evangélicos promovendo desinformação e atentados contra a saúde pública. Outros exemplos que geram esse caos proposital, que é promovido por uma elite religiosa fundamentalista, são os sites de notícia “gospel” conservadores, que insistem em divulgar medicamentos sem comprovação científica como cloroquina e ivermectina, como foi o caso de Marco Feliciano que disse que se recuperou da COVID-19 graças a esses remédios.

 

Intolerância religiosa

A intolerância religiosa entre os evangélicos é fruto de leituras fundamentalistas da Bíblia e promovem violência contra adeptos de outras crenças, tradições ou mesmo de quem não possuí nenhuma fé. Infelizmente, todos os meses temos casos de intolerância religiosa pelo país, muitos deles não notificados à justiça por inúmeros fatores. Em fevereiro o pastor evangélico Gledson Lima, que apareceu em um vídeo postado na internet destruindo oferendas religiosas no bairro Shangrilá, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. No vídeo divulgado é mostrado ele quebrando as oferendas e dizendo: “Assim como essa pedra está quebrando, assim é a palavra de Deus. Quebrando toda maldição hereditária na sua vida. Foi quebrada essa oferenda em nome de Jesus […] Venha amanhã para o nosso culto, venha receber sua benção, sua vitória, em nome de Jesus”. No dia 24 de fevereiro o pastor foi indiciado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, por intolerância religiosa. O babalorixá Natã de Oxaguiã, dirigente do Ilê Àsé Babá Mi Okan Fun Fun disse: “Os alimentos nos alguidares, as bebidas são oferecidos como presentes, em agradecimento à ancestralidade, portanto, são sagrados […] A postura dele acaba por exercer influência diante de outros, que não conhecem a religião e não aprendem a respeitar”.

 

Fé evangélica e luta

A antropóloga Jacqueline de Moraes concedeu uma entrevista ao portal IHU que trouxe inúmeros elementos importantes para compreender os evangélicos no Brasil, abordando que com o atual cenário político somado a pandemia tem revelado uma abertura e autonomia dos evangélicos para pautas progressistas. Além de trazer um conteúdo muito rico de resgate da relação Estados Unidos e o movimento evangelical avivalista.

Entretanto, ainda é um desafio essa relação mais direta dos evangélicos e os partidos de esquerda por conta das fake news de líderes evangélicos como Silas Malafaia, Marco Feliciano, que colocam os partidos de esquerda como “contra a família”. Para Geter Borges, coordenador do grupo dos Evangélicos do PT: “Existe uma fake news e um discurso que é feito dentro das igrejas de que o PT defende princípios que afrontam as famílias nas suas questões morais, mas isso não corresponde à realidade.”

Em um texto a CartaCapital, a pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Angelica Tostes, pontua que a frase “a esquerda precisa dialogar com os evangélicos” dá a impressão de que os evangélicos são difíceis de se encontrar, entretanto, sabemos que “se estamos no meio do povo dialogamos com os evangélicos”. E esse diálogo deve ser feito a partir das relações cotidianas, conhecendo todo um mundo de símbolos, ritos e crenças. Pensando assim, a matéria “Evangélicos estão tomando o lugar dos católicos no MST do Rio” acaba colocando a fé evangélica como algo a ser freado, e não um dado social das mudanças político-econômicas-sociais-religiosas do país. Como se o foco da Comissão Pastoral da Terra fosse diminuir esse avanço, e por isso, e dessa maneira falharam em sua atuação no movimento. Dessa forma, ao que parece, a única possibilidade de crença dentro do movimento é a fé católica e um saudosismo da Teologia da Libertação, que nos moldes da década de 70-80, não comunica mais com uma base evangélica, e precisa ser renovada em pautas, linguagem e comunicação.

Em matéria a Folha de São Paulo, o ativista evangélico Jackson Augusto busca responder  inquietações sobre imprensa e os abismos de diferenças entre os evangélicos, que insistem em reduzir as pessoas de fé evangélica a uma só categoria: fundamentalistas conservadores. E por vezes, a esquerda compra esse discurso e reproduz preconceitos e silenciamentos de setores progressistas que sempre estiveram nas lutas populares e continuam a disputar narrativas. Jackson alerta: “enquanto a gente achar que o problema é religião, e não uma questão de projeto de poder político, econômico e social, talvez a gente não consiga vencer isso. Eles usam Deus para isso, mas não tem a ver com Deus. Não tem a ver com fé.”

O teólogo Ronilso Pacheco traz um outro fator importante dessa disputa de narrativas, ao que parece todas as injustiças do Brasil são depositadas sobre os ombros dos pentecostais, mas na verdade não é bem assim, o fardo de um Brasil em chamas fundamentalistas recai também sobre os setores mais intelectualizados da fé, os protestantes históricos e sobre os setores “pops” da fé. Esses grupos que dizem seguir o Evangelho, na opinião do teólogo, traíram a fé. Além disso, esse mês, o Pacheco concedeu uma entrevista acerca do projeto ultraconservador do Bolsonaro e os fundamentalismos religiosos presentes nessa relação.

 

Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021

A Campanha da Fraternidade Ecumênica acontece a cada cinco anos, as igrejas-membro do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, além da Igreja Betesda, como igreja observadora, e o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e à Educação Popular (Ceseep), como membro fraterno se unem para realizar essa campanha que tem o objetivo de ser um guia, inspiração, para o período da Quaresma cristã (quarenta dias que antecedem a Páscoa). Um período, como Magali Cunha pontua sendo “um tempo de inspiração e oportunidade para cristãos, para pessoas de outras religiões e até para quem não tem uma. Um momento para decisões e para mudanças. Tempo de reafirmar projetos de vida e de revê-los, mas com um sentido profundo: se opor às tentações de quem promove o mal, pagando o preço que for preciso para que vida plena, com paz e justiça para todas as pessoas seja defendida”.

Entretanto, ao que parece, a justiça, como a Bíblia diz, dá “comichão no ouvido”, uma coceira insuportável que desnorteia, e foi assim com a CFE 2021.A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021, lançada na quarta-feira de cinzas, 17 de fevereiro, com o título “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz, do que era dividido, fez uma unidade”  foi voz profética denunciando as atrocidades do governo Bolsonaro em relação ao descaso a pandemia de COVID-19  e as inúmeras violências que estão vindo a partir disso. O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social nomeia o que estamos vivendo de CoronaChoque : “um termo que se refere à forma como o vírus atingiu o mundo com uma força avassaladora e como a ordem social do Estado burguês desmoronou diante dele, enquanto a ordem socialista pareceu mais resiliente.” E a partir desse chão que pisamos foi escrito a CFE 2021, de um governo de necropolítica, que dita quem vive e quem morre.

Inúmeras matérias em sites religiosos conservadores, de setores evangélicos e católicos, começaram a difamar e rechaçar a CFE 2021 fechando seus olhos e tapando seus ouvidos para o que o país vem enfrentando. Para além disso, demonizaram a campanha com violência e ofensas ao CONIC e a pastora Romi Bencke, secretária-geral da organização, que tem sofrido perseguições desde o pedido de cristãos e cristãs ao impeachment de Bolsonaro. Pastores como Silas Malafaia, disse “um antro de esquerdopatas travestidos de cristãos”. Magali Cunha relata sobre vídeos promovendo ódio e boicote a campanha, dizendo “pastora entre aspas”, a quem ele alega estar, com a campanha, inserindo na “Santa Igreja Católica” pautas da “extrema esquerda revolucionária”. A pastora Romi reforça “O CONIC não tem vinculação político-partidária. O que nos orienta é o Evangelho. Se você se orientar pela prática de Jesus, ele nunca incitou a violência e o ódio.”