Pesquisa sobre os Evangélicos e a Política

O debate entre o fechamento e abertura das igrejas foi um dos principais temas que tomou conta do Supremo Tribunal Federal no mês de abril. (Valter Campanato/Agência Brasil).

N° 4/2021

 

O mês de abril foi movimentado no mundo evangélico. A discussão sobre o fechamento e abertura das igrejas se tornou um instrumento para alcançar a próxima vaga ao STF. O presbiteriano Milton Ribeiro, ministro da Educação, tem atuado fortemente no MEC e gerado polêmicas entre os conservadores e acadêmicos. E as pautas de gênero e sexualidade tomam conta dos discursos fundamentalistas religiosos, mas as contra-narrativas e resistências seguem se fortalecendo frente aos retrocessos políticos-religiosos.

 

Fechamento e a abertura das igrejas

Em junho de 2020, o Instituto Tricontinental publicou o resultado de uma pesquisa sobre cultos onlines, pandemia e fundamentalismo. Quase um ano depois, a temática da abertura ou fechamento das igrejas toma lugar ao sol nas discussões políticas, jurídicas e midiáticas. Em um Brasil que atingiu um patamar de mais de 3 mil mortes por dia por conta do descontrole da pandemia do coronavírus, a manutenção dos cultos presenciais mobiliza determinados setores mais do que a luta pela vacina para todos.

No início de abril, a Advocacia Geral da União, liderada pelo pastor presbiteriano André Mendonça, não reconheceu a legitimidade da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) em questionar os decretos estaduais e municipais que suspenderam a realização de celebrações religiosas pelos territórios. Após a repercussão do ocorrido, Mendonça manifestou o desentendimento e reviu seu posicionamento frente à ANAJURE, alegando que seu posicionamento em decorrência da abrangência do pedido, mas sainado em defesa da legitimidade da associação. Com um discurso semelhante ao da petição, Mendonça pensa que restringir missas e cultos – no pior momento da pandemia – viola o direito de crença e afeta “de modo excessivo e desproporcional a liberdade religiosa”. Por fim, no dia 3 de abril, Kassio Nunes Marques, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a liberação dos cultos e missas, com a “cautela” das medidas sanitárias e com 25% de ocupação. Entretanto, na contramão, Gilmar Mendes, no dia 5 de abril, negou diversos pedidos, como do Conselho Nacional de Pastores do Brasil e do PSD para derrubar o decreto governamental em São Paulo acerca das restrições das atividades religiosas no estado.

Na sessão do STF, no dia 7 de abril, acerca da autonomia dos prefeitos e governadores para proibir ou liberar cultos e missas presenciais, Gilmar Mendes criticou André Mendonça e seu argumento para a reabertura das igrejas, que alegava que os transportes públicos e aviões continuam com aglomerações. Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes votaram contra a abertura dos templos. Mendes disse: ‘Tomam o nome de Deus para sustentar o direito à morte’. Entretanto, Kassio Nunes Marques manteve a sua defesa quanto à reabertura. Silas Malafaia, pastor da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, destilou seu ódio à postura de Gilmar Mendes, vociferando ofensas como “negacionista da Constituição”.

As motivações e alegações para a abertura das igrejas são muitas, entre elas o recebimento de dízimos e ofertas, que caíram com o fechamento em decorrência da pandemia. Embora alguns líderes alegam que não é esse o grande motivo, o pastor Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, apelou na celebração de Páscoa, pedindo que os fiéis eviassem dinheiro, mostrando as contas nos telões, e incentivando a doação “para Jesus”. No dia 02 de abril, a Igreja Mundial quitou a dívida de R$53.650,00 com o proprietário de um imóvel na cidade de Guararema, no interior de São Paulo, após a decisão da juíza Monica Di Stasi, da 3ª Vara Cível de São Paulo, que decretou a quebra do sigilo bancário do apóstolo Valdemiro Santiago caso não houvesse pagamento. A matéria do Estadão alega que líderes religiosos admitem encolhimento de 5% a 40% nas receitas”.

O pastor presbiteriano Augustus Nicodemus Lopes, ex-chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, concedeu uma entrevista à Folha de São Paulo que gerou movimentações sobre o tema. O presbiteriano, reconhecido entre os reformados e neocalvinistas, defende a abertura das igrejas como direito constitucional, mas fez críticas às igrejas neopentecostais: “Elas estão preocupadas porque têm um sistema de arrecadação que depende do [culto] presencial. Para não serem estranguladas financeiramente, vão dizer o que for necessário para defender igrejas abertas”. O ex-ministro da Justiça e atual AGU, André Mendonça, e o ministro da Educação, Milton Ribeiro, saíram em defesa das igrejas pentecostais e neopentecostais, que são aliadas ao governo Bolsonaro, e criticaram a fala de Nicodemus. Milton Ribeiro disse que “em um tempo em que parte da mídia tenta destruir valores e princípios próprios do Evangelho, temos sim que ressaltar o que nos une: Deus, Família e Pátria. Todos nós somos herdeiros do pentecostes. Eu também sou pentecostal”.

Mas a realidade da distinção entre protestantes históricos e pentecostais/neopentecostais não é, quando se trata do fundamentalismo dessas instituições e figuras, tão profunda. Como diz o dito popular: “tudo farinha do mesmo saco”. O teólogo Ronilso Pacheco tem insistido na necessidade de se dar atenção para os protestantes no poder e aponta que no fundamentalismo “a única distinção real entre fundamentalistas reformados e (neo)pentecostais é como um enxerga o outro. Tradicionalmente, conservadores reformados veem a si mesmos como a ’teologia mais pura’, refinada, os ilustrados (pode ler ‘donos da verdade’), uma elite teológica que, no mundo inteiro, arrasta um legado racista e senso de superioridade”. E a fala de Nicodemus vai de encontro com essa superioridade classista permanecendo, entretanto, ainda na defesa de templos abertos com índices de mortes altíssimos.

Ricardo Gondim pontua algo importante para se ter em mente. Segundo ele, as pequenas igrejinhas, que não fazem parte dessas megachurches, têm sofrido, e alerta: “Não se deve medir o movimento evangélico por igrejas ricas, que estão na TV e já diversificaram suas rendas. Os pastores de igrejas em garagens, galpões e que nem conhecem a internet se encontram em uma situação de extrema fragilidade”. O professor e ativista Vagner Marques pontua que nem todos querem igrejas abertas por questões do dízimo, e aponta que quando setores progressistas insistem nessa crítica uma barreira é criada com os evangélicos da base que estão em disputa: “Há uma dificuldade de diálogo entre setores progressistas com as periferias urbanas e se as falas não forem ajustadas, as distâncias tendem a aumentar cada vez mais”.

Diversas lideranças cristãs saíram em favor do fechamento dos locais de culto, como foi o caso do pastor batista na Bahia, Brian Kibuuka, que defende que todo ato litúrgico pode ser feito em casa. Ariovaldo Ramos, pastor da Comunidade Evangélica Cristã Reformada, na capital de São Paulo, também acredita nisso: “Aqueles [ritos] específicos que não podem ser feitos virtualmente, como o batismo, devem esperar. Não tem nenhuma pressa. Não faz nenhuma diferença batizar hoje ou daqui a um ano, por exemplo”, enfatiza o pastor, membro da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. O pastor Marcos Jair Ebeling e a pastora Lusmarina Campos, ambos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, também se manifestaram contra a decisão de Kassio Nunes Marques. Lusmarina considera a decisão de Nunes Marques “uma adesão à política de aniquilamento presente no governo federal”. Já para o teólogo e pastor presbiteriano Antonio Carlos Costa, que lidera a ONG Rio de Paz, essa insistência de algumas lideranças e igrejas em apontar que o fechamento dos templos, em plena pandemia, fere seu direito à liberdade religiosa é “infantilismo espiritual” ou “falta de conversão.”. Magali Cunha vai de encontro a essa reflexão, e diz que “Liberdade religiosa não é liberdade de contaminação”!

Caminhando nessas resistências, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito promoveu, no dia 12 de abril, uma live com Santa Ceia em seu canal do YouTube em defesa da realização de cultos online enquanto for preciso conter a disseminação do coronavírus e contra a decisão de Kassio Nunes para a abertura dos templos. Para a teóloga Priscilla dos Reis Ribeiro: “Somos cristãos de diversas comunidades de fé e seguimos comungando mesmo no ambiente virtual pois nossa igreja é o planeta, não um edifício”

O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, CONIC, também segue na empreitada em conscientizar as igrejas-membro a realizarem suas atividades religiosas virtuais. Entretanto, a secretária-geral do CONIC, Romi Bencke, salienta que não é possível o controle de todas as comunidades e que o debate em torno abertura dos locais de culto religioso é político, e faz parte do lobby das igrejas e instituições governamentais:”Muitas igrejas têm se tornado o que a gente chama de curral eleitoral. E isso é o pano de fundo dessa discussão atual no Brasil, pois no ano que vem tem eleição e parte dessas pressões tem muito a ver com negociação para apoio eleitoral no futuro”.

 

Caminhos ao STF

A questão da abertura das igrejas se tornou uma disputa política em inúmeras instâncias, com repercussões principalmente nas movimentações em torno da indicação do governo para a vaga no STF que se abrirá com a saída de Marco Aurélio Mello em julho. Basta resgatar a fala do procurador-geral da República, Augusto Aras, na sessão em que se estava discutindo a autonomia municipal e estadual sobre o tema. O representante do Ministério Público bradou: “A ciência salva vidas, a fé também”. Aras busca apoio dos setores evangélicos para ir ao STF, visto que Bolsonaro já alegou que será alguém “terrivelmente evangélico”. Enquanto isso, André Mendonça vai fortalecendo suas conexões com a ala evangélica, defendendo fortemente a abertura dos templos por conta dos interesses políticos.

Após desapontar setores evangélicos, em 2019 e no lugar de Sérgio Moro, ao nomear Kassio Nunes Marques para o STF, , Bolsonaro já havia anunciado que o segundo escolhido seria o “terrivelmente evangélico”, mencionado anteriormente. Mas agora que a data está chegando, paira a dúvida sobre qual será a escolha dentro desse perfil. Nitidamente a abertura dos locais de culto se tornou uma estratégia para alcançar os objetivos da toga. A peregrinação de André Mendonça ao STF, agora não mais como Ministro da Justiça e Segurança Pública, mas sim Advogado-Geral da União, e seus posicionamentos têm deixado claro os interesses em defender Bolsonaro e garantir seu lugar tão desejado.

Para o colunista do UOL, Josias de Sousa, Aras e Mendonça têm disputado uma gincana evangélica não declarada. Aras, além de ter defendido as igrejas abertas, se encontrou recentemente com os pastores bolsonaristas Silas Malafaia e Abner Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira.

Nessa corrida, Mendonça, que tinha boa aceitação dentro do STF, começou a sofrer certas resistências por conta da sua ação como ministro da Justiça frente a abertura de inquéritos intimidatórios contra pessoas que criticaram o governo federal com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), criada no período da ditadura militar. Por conta dessas ações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) buscou explicações do ex-ministro da Justiça sob a suspeita de cometimento de crimes de abuso de autoridade.

Entretanto, esses não são os únicos nomes. O candidato preferido de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também é evangélico e é a opção para abrandar as investigações da CPI da COVID no Senado. O deputado federal Marcos Pereira também busca essa indicação para a vaga do STF. Do partido ligado à Igreja Universal,- Republicanos, que tem dois filhos do presidente como filiados – passou a ser levemente considerado, embora não com a força necessária. Quando procurado, Marcos Pereira negou a movimentação em torno da temática e disse que estaHelen não era sua prioridade.

 

Governo Bolsonaro

Com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa eleitoral, o governo Bolsonaro começa a estremecer e correr em direção a alianças mais profundas com setores evangélicos. Além dos setores da esquerda, o Centro também se aquece nessa disputa, acenando para os religiosos como estratégia de articulação eleitoral. Como abordamos, a questão da abertura das igrejas e a defesa de Bolsonaro na manutenção delas de portas abertas é um elemento que integra o conjunto de esforços no fortalecimento desses vínculos, assim como a indicação do “terrivelmente evangélico” ao STF. Mas parece que o presidente Bolsonaro (sem partido) tem se movimentado em outras instâncias nesse último mês.

No início de abril, Bolsonaro se reuniu com os pastores Silas Malafaia e Abner Ferreira (Assembleia de Deus Ministério Madureira) para discutir a ampliação da bancada religiosa no Senado em 2022. Atualmente a bancada é composta por 14 representantes evangélicos bolsonaristas, entre 81 senadores. O objetivo seria dobrar a presença dos evangélicos no Senado.

A aliança com evangélicos tem sido fragilizada por conta da péssima gestão da pandemia e a defesa dos templos abertos não tem se mostrado eficaz no avanço dessa parceria. O pastor Samuel Câmara, da Assembleia de Deus Belém, disse recentemente : “O exercício do poder tende a desgastar, e a pandemia tem participação nisso. Gostaríamos que o presidente fosse mais protagonista. Acho que em alguns momentos ele é extremamente inflexível. Se houver uma terceira via, creio que o apoio (a Bolsonaro) será menor”, disse. Embora, em nota ao GLOBO, também tenha dito que “mantém seu apoio ao governo e aos valores que defende e que “apresenta sugestões com a intenção de fortalecer seu mandato”. Muitos ainda possuem um discurso anti-PT, entretanto, na aparição de uma terceira opção, poderão migrar para esta. A pesquisa do Datafolha em 2019 mostrou que 42% dos eleitores evangélicos consideravam o governo ótimo ou bom, ao passo que em março de 2021 esse número caiu para 37%.

E dentro da bancada evangélica as coisas também não andam muito bem. O deputado Sóstenes Cavalcante do DEM-RJ afirmou que nas últimas reuniões com o presidente têm sido realizadas cobranças para mais apoio do governo federal ao setor gospel, e ainda disse que o governo está “muito devedor com o segmento evangélico”, que busca ministérios que abordam áreas sociais, da cultura e educação. Uma outra grande insatisfação da bancada evangélica dentro do governo Bolsonaro foi a nomeação pelo ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, da advogada Claudia Toledo para a presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Marco Feliciano, deputado federal (Republicanos-SP) e pastor, foi o que mais se manifestou de forma contrária a essa decisão, acusando-a de “esquerdopata” e ameaçando deixar a vice-liderança do governo na Câmara caso a escolha não fosse cancelada.

 

Educação em crise

Em tempos de pandemia um abismo se abre ainda mais nas injustiças sociais enfrentadas no Brasil, incluindo a questão da educação. Pelo governo de Jair Bolsonaro já passaram quatro ministros da Educação, e a coisa em comum entre esses é que nenhum tinha arcabouço necessário para a pasta – como tudo nesse desgoverno. A indicação de Milton Ribeiro, pastor presbiteriano, não seria diferente. Sua atuação também inclui um fator desprezado por muitos: a presença dos setores protestantes históricos na política e no projeto de poder. Sorrateiramente, ainda que agora nem tanto, esse setor tem se infiltrado perfeitamente nesse governo e agido de maneira serviçal ao seu Messias. Milton Ribeiro parece se esquecer do legado protestante que investiu, desde de sempre, na educação.

O ministro da Educação e a pastora e ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, saem em defesa do “homeschooling”, pauta proposta pelo governo federal, em um ciclo de debates organizado pela relatora de projetos de lei sobre o tema, deputada Luisa Canziani (PTB-PR), na Câmara dos Deputados. Ribeiro declarou: “Se é uma proposta que vem do governo, pouco importa. O que importa é se a proposta é boa. Não queremos estabelecer um dualismo entre a escola e a família, nem desmerecer os professores”. A questão não deveria ter prioridade enquanto há milhares de crianças sem acesso a um ensino básico público de qualidade, além das muitas possíveis e potenciais implicações da adoção da prática como violência doméstica, evasão escolar e socialização. Sobre está última, Ribeiro disse: “É claro que a escola oferece essa questão [socialização], mas existem outras formas de socializar, na família, nos clubes, nas bibliotecas e até mesmo nas igrejas”.

O mês foi agitado pelas bandas do MEC, e Milton Ribeiro anda se movimentando e ganhando visibilidade – obviamente duvidosa – em sua gestão. A começar pela demissão do presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Benedito Guimarães Neto, igualmente presbiteriano, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em entrevista, Benedito se disse surpreso com a exoneração inesperada, e falou que Ribeiro alegou que a decisão se deu por motivos políticos. No dia 15 de abril, como já mencionado, Claudia Mansani Queda de Toledo foi nomeada pelo governo federal para presidir a Capes, a terceira pessoa a comandar o órgão na gestão Bolsonaro. A nova presidente foi reitora do Centro Universitário de Bauru, faculdade particular que antes tinha o nome de Instituto Toledo de Ensino (ITE), fundada por sua família. E foi no ITE que o próprio ministro da Educação, Milton Ribeiro, estudou e se formou em direito em 1990.

Tal nomeação tem causado grande desgaste na aliança do governo federal e a ala evangélica conservadoraE a mudança também foi criticada pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, que representa as direções da USP, Unicamp e Unespe manifestou “preocupação” com a alteração, devido ao fraco currículo e experiência da mesma. Em nota, diz que o cargo e atuação não podem ser “subordinada às diretivas de alinhamento político”. Entretanto, mesmo com as inúmeras críticas de diversos setores, Ribeiro saiu em defesa de sua escolha dizendo que Claudia é “uma pesquisadora e uma gestora de uma grande instituição de ensino. Além do mais, ela tem se mostrado desde já uma pessoa que, tenho certeza, será capaz de levar a bom termo a gestão da Capes”.

Além dessa alteração na Capes, foi anunciado no “Diário Oficial da União”, no dia 28 de abril, que o MEC também trocou a coordenação de avaliação dos cursos de graduação do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), antes ocupada por Sueli Macedo Silveira. Quem assume a vaga é Helena Cristina Carneiro Cavalcanti de Albuquerque, formada em medicina veterinária, com mestrado e doutorado em Ciências Animais. Em seu currículo Lattes, atualizado no último dia 14 de abril, se lê queatuava na Diretoria de Programas e Bolsas da Capes.

O MEC, na figura de Milton Ribeiro, desarticulou o grupo responsável por atualizar os dados do Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – e transferiu a tarefa para a secretaria-executiva do ministério, uma instância política. E tomou a decisão de adiar o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), “que a cada dois anos testa os conhecimentos de Matemática e Português de alunos da 5ª e 9ª séries do fundamental e do 3º ano do ensino médio”. Após inúmeras críticas, o Inep se manifestou dizendo que uma das propostas para a aplicação é o adiamento do Saeb para 2022, por conta da pandemia.

Por fim, em geral, Milton Ribeiro tem atuado a partir da a visão que expressou recentemente: A política do MEC [Ministério da Educação] deve vir e tem que vir em consonância com a visão educacional, do projeto, do senhor presidente da República”. Um projeto de destruição do país.

 

Gênero e sexualidade

Quando pensamos que o ministro Milton Ribeiro acabou por aí, nos enganamos. Na última semana de abril, Ribeiro palestrou numa aula magna na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Nesse evento o pastor presbiteriano disse: “Crianças com 9, 10 anos não sabem ler, sabem tudo, com todo respeito às senhoras aqui presentes, sabem até colocar uma camisinha, mas não sabe que ‘b’ mais ‘a’ é ‘ba’, está na hora de dar um basta nisso”. E prosseguiu questionando “Onde já se viu começar a discutir esses assuntos com crianças de 6 a 10 anos? Respeito a orientação de todos, mas a gente não tem o direito de violar a inocência de uma criança trazendo questões como ‘se você quiser ser homem é homem, se quiser ser mulher é mulher”’. As falas LGBTIfóbicas de Ribeiro não são um dado novo, já que o ministro demonstrou suas fobias em outros espaços públicos, políticos ou religiosos.

Além desse ocorrido, o MEC foi alvo de críticas dos evangélicos fundamentalistas por conta da página do Qualifica Mais (projeto destinado para jovens de até 29 anos que oferece vagas gratuitas em cursos de qualificação profissional), vinculada ao site do MEC e que saudava os visitantes dizendo “bem-vindxs”. O uso do gênero neutro incomodou os conservadores. Em resposta, o ministro da Educação disse: “Imediatamente após termos ciência do fato, o MEC solicitou a sua correção.”

A pesquisadora Magali Cunha apontou que uma bandeira do fundamentalismo religioso na América do Sul são as temáticas de proteção à família e contra a falaciosa “ideologia de gênero”. As igrejas cristãs, não resolvidas com o corpo, decidem oprimir. Em matéria do Queer IG, são relatados casos de fiéis que são levados a terapias intensivas de cura gay em centros de igrejas católicas e evangélicas. Algumas igrejas rejeitam seus fiéis LGBTQIA+, como é o caso da história de Mel Rosário, uma mulher trans, que foi proibida de frequentar a igreja e após ir à Justiça, em 2020, ganhou o direito de de exercer sua fé. Entretanto, está novamente sendo barrada sob o argumento da pandemia e de que apenas membros da igreja podem frequentar os cultos para evitar aglomeração. O ponto é que Mel não pode se tornar membra por ser uma mulher trans e essa história, em breve, se tornará um filme.

De outro lado, existem movimentos e organizações baseadas na fé que constroem resistências a essas violências encontradas na religião cristã. Alguns exemplos a serem citados são o movimento Evangelicxs e a Diversidade Católica, que através da fé acolhem pessoas LGBTQIA+, respeitando a dignidade humana em sua plenitude.

 

Teologia do domínio e da prosperidade

As comunidades indígenas estão preocupadas com o novo grupo de trabalho liderado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, na figura da ministra e pastora batista Damares Alves. Um dos discursos que Damares insistentemente propaga é do infanticídio entre os indígenas, posição que, entretanto, carece de dados. A ministra divulga números exagerados e sem nenhuma referência acerca da temática. Outro fator preocupante é que o grupo não conta com representantes de comunidades indígenas, mas apenas com pessoas ligadas diretamente à ministra. Os evangélicos se envolveram em outra polêmica ao tentarem construir um templo na aldeia Truka, na cidade de Cabrobó, interior de Pernambuco. A igreja, pertencente à Assembleia de Deus, não tinha o aval de construção na área de reserva. Os indígenas resistiram e destruíram os alicerces da construção, mostrando a resistência contra as forças de um cristianismo colonizador.

A Igreja Universal do Reino de Deus segue com os conflitos na Angola. Sete pastores foram notificados, no dia 08 de abril, pelo governo local, que determinou que devem deixar o país em no máximo oito dias. Os problemas se estenderam para o canal de televisão, afiliada da emissora de Edir Macedo, a Record Africa, que por decisão governamental saiu do ar esse mês, mesmo com resistências da sede brasileira. Um dos fatores responsáveis pela decisão do governo é que a direção executiva do canal é encabeçada pelo brasileiro Fernando Henrique Teixeira. Edir Macedo está sendo processado pelo ex-bispo João Leite, por atacar sua reputação propagando os casos de adultério com membros da igreja. Mais complicações para a IURD: três ex-pastores, Luciano de Oliveira Alves, Junior Ribeiro e Everdan Calvalcanti Rocha, acusam a igreja por quebra ilegal de sigilo bancários. Essas ações teriam a justificativa de comprovar a movimentação bancária e investigar as aplicações em bitcoins pelos pastores.

Há tempos que setores evangélicos têm dominado as mídias de comunicação em massa, como rádio e TV. Entretanto, há um limite de 25% de programação religiosa estabelecido pelo artigo 124 da Lei Geral da Radiodifusão (Lei Federal 4.117/1962) e pelo Decreto 52.795/1963. A Band Rio ultrapassou esse limite diário oferecido às igrejas evangélicas, e a Justiça Federal do Rio de Janeiro decretou que seja respeitada essa determinação. “A ultrapassagem do limite de publicidade comercial configura desvio de finalidade das concessões e permissões de radiodifusão e o enriquecimento ilícito dos que comercializam os horários acima dos limites legais”, diz a decisão da juíza Frana Elizabeth Mendes, da 26ª Vara Cível.

 

Disputas e contra-narrativas

Guilherme Boulos (PSOL), líder do MTST, publicou um artigo na Folha de São Paulo acerca da relação entre os evangélicos e a esquerda, refletindo sobre o distanciamento ocorrido durante o tempo por conta das generalizações: “De um lado, porque parte das lideranças das igrejas decidiu politizar seus cultos, transformando-os em pregações contra a esquerda e a favor do bolsonarismo. De outro, porque parte da esquerda passou a estigmatizar os evangélicos como símbolos do atraso. As generalizações não ajudam.” Além disso, buscou construir pontes. Ainda no mês de abril, Boulos se encontrou com Marcos Pereira, presidente do Republicanos, partido ligado à Igreja Universal. A movimentação foi alvo de críticas por alguns setores progressistas, visto que o partido é aliado ao governo bolsonarista. O pré-candidato ao governo de SP se encontrou também com líderes da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, e pontuou: “Os evangélicos são a maioria entre os que estão nos movimentos de luta por moradia”.

A pesquisadora do Instituto Tricontinental, Angelica Tostes, publicou na CartaCapital reflexão sobrea necessidade de se superar a divisão entre o campo progressista de esquerda e a religião do povo, que hoje tem se tornado predominantemente evangélica. Esther Solano retoma algumas razões da classe trabalhadora estar imersa na fé e encontrar refúgio, mesmo se colocando em risco, em um momento tão difícil que o país está vivendo: “no momento em que a pandemia devora vidas e as periferias se sentem abandonadas, jogadas à própria sorte, o pastor está lá, o irmão e a irmã da igreja estão lá, onde a prefeitura não está, onde o governo não está, onde o partido de esquerda não está”.

A esquerda tem buscado essas pontes para além da questão eleitoral, mas também por conta dela, e são diversos evangélicos progressistas que têm se lançado à política institucional. O artigo de Fábio Py traz algumas dessas “flores nas encostas de cimento”, e faz uma retomada desses nomes e ações de resistência a partir da fé. Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi, “afirmou que a esquerda não precisa temer o eleitorado evangélico, dizendo ser possível restabelecer o diálogo com esta parcela da população”.

Nesse caminhar de pontes e flores que surgem de lugares aparentemente inóspitos, o Instituto Tricontinental publicou a quarta e última parte do estudo das Mulheres Evangélicas do MST. Um texto construído durante um ano e que contou com a participação das vozes das dirigentes do MST e de nossas companheiras evangélicas, entrevistadas no Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra.