São Paulo, 23 de maio de 2020
Nº 006/20 – semana 3

Síntese: No âmbito internacional, os EUA pressionam a OMC e OMS para continuar o tensionamento com a China. Internamente, os EUA buscam retomar a produção industrial, em especial a farmacêutica como medida de segurança nacional. Já a China se destaca na corrida por uma vacina contra o Covid-19. No Brasil, as projeções para a queda do PIB continuam sendo atualizadas; segundo o Boletim Focus do Banco Central a queda pode ser de -5,12%. No crédito, os dados do BNDES mostram o quanto a política de esvaziamento desse banco vem se consolidando, com os menores desembolsos feitos no último período. Nas contas públicas, a arrecadação de abril caiu mais de 28%, e o Congresso Nacional aprovou o crédito suplementar que permite a União descumprir a regra de ouro. As empresas europeias, em especial no Reino Unido, enviaram uma carta ao Congresso brasileiro criticando o PL da Grilagem, que pode levá-las a não comprar matérias-primas do Brasil. Mais de R$ 5 bilhões já foram arrecadados em doações de empresas e pessoas físicas para ações contra o coronavírus.

 

I. INTERNACIONAL

1. A ofensiva dos EUA em manter seu controle na disputa geopolítica ganhou destaque em duas organizações multilaterais nessa semana. Na OMC, os EUA buscam isolar a China e empurrá-la para fora da organização, mas esse intento não tem encontrado eco entre seus aliados, condicionando os EUA para a segunda alternativa, o esvaziamento da instituição. O mesmo vêm fazendo na OMS, ao ameaçar deixar essa organização caso ela não atenda suas queixas e “demonstre independência da China”. Os EUA são um dos principais financiadores da OMS.

2. Na luta por repatriar sua indústria, os EUA têm incentivado a indústria farmacêutica de produzir em seu território como uma medida de segurança nacional. Cerca de 80% dos ingredientes ativos dos medicamentos consumidos no país são importados, especialmente da Índia e China. O governo dos EUA por meio do Barda (Autoridade de Pesquisas Biomédicas Avançadas e Desenvolvimento) concedeu um contrato de US$ 345 milhões para que a companhia Phlow amplie sua produção na Virgínia. As autoridades estadunidenses têm alertado Trump da impossibilidade de tirar da China as cadeias de fornecimento dos EUA, bem como almeja o presidente, já que a repatriação seria custosa e demorada e poderiam sofrer retaliações do país asiático.

3. Na disputa internacional contra o Covid-19, a empresa farmacêutica americana Moderna ganhou destaque e suas ações valorizaram no início da semana por conta dos testes preliminares da vacina contra o coronavírus anunciados na fase 1. Porém, a China mantém a liderança nessa corrida, já que cinco vacinas foram testadas em humanos já na fase 2 de 4 fases; a capacidade da China de responder a produção em massa quando a vacina ficar pronta é maior do que a dos EUA.

4. As emissões de dívida soberana na América Latina estão com forte demanda dos investidores, por conta de um excesso de liquidez existente que tem voltado ao mercado global. Chile, México, Paraguai e Peru já captaram recursos para o combate contra o Covid-19. Os Bancos Centrais dos países da região têm seguido as políticas utilizadas pela Europa e EUA com o aumento da injeção de liquidez, como forma de tentar conter a fuga de capitais.

II. CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO

5. O Monitor do PIB medido pelo Ibre/FGV aponta uma retração de -1% na atividade econômica no primeiro trimestre do ano em relação ao último trimestre de 2019. Em março, a queda foi de 5,3% comparado a fevereiro, já refletindo os dados do isolamento social aplicado na metade do mês. O consumo recuou nesse mês em -1,9%, a formação bruta de capital fixo (FBKF) em 5,6%. O estudo aponta que os dados agregados de janeiro (0,6%) e fevereiro (0,2%) já eram bem decepcionantes, contrariando a defesa do governo que estávamos em uma ascendente de crescimento.

6. Com isso, novas revisões de retração do PIB são atualizadas. Segundo o Boletim Focus do Banco Central, a estimativa de queda é de -5,12%. Na semana anterior esse indicador era de -4,11%, e um mês atrás era de -2,96%. Para as demais consultorias a queda já pode chegar a -7,4% no ano.

7. No caminho contrário, o governo continua com o processo de abertura da economia para as empresas estrangeiras, apresentando formalmente na OMC o pedido de adesão ao Acordo de Compras Governamentais (ACG), que permitirá que as empresas estrangeiras participem das licitações de compras públicas nacionais, com o compromisso das empresas brasileiras fazerem o mesmo em outros países. O Brasil é o sexto maior mercado de compras públicas do mundo, sendo um mercado relevante para as empresas.

 

III. CRÉDITO, DÍVIDA E JUROS

8. O papel do BNDES continua desmilinguindo, mesmo diante da pandemia do Covid-19. Os desembolsos realizados em 12 meses até março foram de R$ 50 bilhões. Entre 2010 a 2014, esses números giravam em torno de R$ 230 bilhões. Os valores vieram caindo desde 2015. Mesmo em março desse ano os desembolsos foram 23,7% menores comparado a março do ano passado.

9. Com a crise e a busca dos investidores financeiros por ativos mais seguros, o preço do ouro tem se elevado com uma valorização de mais de 40%. Isso leva a uma corrida do ouro na Amazônia, com o aumento de garimpos em áreas de preservação ambiental, florestas nacionais ou parques nacionais.

10. O governo instituiu o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) como uma forma de dar acesso ao crédito a esses segmentos. O crédito se destina ao capital de giro e em investimento. O teto máximo dos juros é a taxa Selic + 1,25% ao ano. A oferta estimada é de R$ 15,9 bilhões e todas as instituições financeiras poderão operar com essa linha, mas caso os bancos privados não se interessarem, a Caixa Econômica Federal está disposta a assumir integralmente.

 

IV. CONTAS PÚBLICAS

11. O saldo da balança comercial de abril apresentou uma elevação de US$ 1 bilhão comparado ao mesmo mês de 2019. Esse resultado é explicado pela queda de -14,8% das importações, enquanto as exportações caíram apenas -5,0%. Isso é explicado pelo aumento das exportações de commodities em 17,1% nesse mês. Setorialmente, o agropecuário registrou crescimento de 47,5%, enquanto a indústria de transformação teve queda de 5%. A China representou 31% das exportações brasileiras e 21% das importações, reforçando sua importância no comércio internacional do Brasil.

12. A projeção do déficit primário do PIB esse ano pode chegar a 10%, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), por conta dos gastos de combate ao Covid-19. Com isso, a dívida bruta pode encerrar o ano em 86,6% do PIB, mantendo as vendas de reservas para seu controle. Sem essas vendas a dívida chegaria aos 90% do PIB.

13. Sobre as reservas internacionais (mantidas em dólares), a desvalorização do real permitiu um ganho de R$ 598 bilhões, que poderá ser transferido para o caixa do Tesouro no fechamento do semestre, caso o Conselho Monetário Nacional (CMN) avalie algum problema de liquidez na economia.

14. O Congresso Nacional aprovou o crédito suplementar de R$ 343,6 bilhões para despesas esse ano, por meio de endividamento com a emissão de títulos públicos do Tesouro, permitindo que o governo descumpra a regra de ouro em 2020. A norma proibia o endividamento da União caso o objetivo fosse pagar despesas fixas, como salários e o custeio da máquina pública.

15. A arrecadação de abril, indicada pela Refeita Federal, apresentou uma queda real de 28,95%. No acumulado do ano a baixa foi de 7,45%. A maior queda foi dos tributos como IRPF, PIS/COFINS, contribuição previdenciária patronal e Simples Nacional, respondendo por 81,5% do total.

V. INFLAÇÃO E PREÇO DOS ALIMENTOS

16. A inflação medida pelo IGP-10 (uma prévia do mês) apresentou uma variação de 0,07% em maio. Para o Índice de Preços ao Produtor Amplo a variação foi de 0,25%, com deflação nos preços dos bens finais em -0,20%, em -1,14% nos bens intermediários e variação positiva nas matérias-primas brutas de 2,11%. No Índice de Preços ao Consumidor a diminuição foi de -0,51%, com queda em todos os produtos. Já nos combustíveis, a Petrobras fez o primeiro aumento no ano do preço do diesel em 8%, mantendo o preço da gasolina.

VI. MERCADO DE TRABALHO E RENDA

17. Segundo exercício feito pelo IPEA, o impacto da pandemia do Covid-19 sobre os trabalhadores menos qualificados pode levá-los a perder até 30% da renda em 12 meses. Todos os trabalhadores perdem com a crise, mas os mais ricos perdem apenas 11%.

VII. EMPRESAS (INDÚSTRIA, COMÉRCIO, SERVIÇOS E AGRONEGÓCIO)

18. O ‘PL da Grilagem’ tem sofrido pressão das principais empresas da Europa, como Burger King, Texto, Moy Park (controlada pela JBS). Elas alegam que caso o PL seja aprovado haverá um estímulo ao desmatamento da Amazônia, colocando em risco a continuidade de suas compras de matérias-primas no Brasil. A carta da British Retail Consortium, enviada aos parlamentares no Brasil, é assinada por 41 conglomerados que representam 70% do mercado do Reino Unido.

19. O preço do Petróleo em valores baixos dá a tônica dos resultados apresentado nos balanços das principais petroleiras do mundo, segundo reportagem do Valor. Todas as empresas tiveram perdas elevadas nas receitas do primeiro trimestre de 2020, comparado ao mesmo período de 2019, com destaque à Shell (-28,8%), Saudi Aramco (-15,9%) e Total (-14,5%). Para a Petrobras a perda da receita foi de -8,8%.

VIII. ESPECIAL COVID-19

20. Na esteira da crise do Covid-19, as grandes empresas e pessoas físicas já doaram mais de R$ 5,093 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos. As empresas respondem por 86% das doações, concentrada em 223 doadores. Desses recursos, 34% são do sistema financeiro, 15% do setor de alimentos e bebidas, 11% da indústria da mineração e 7% de campanhas de doação e crowdfunding.

21. A companhia norueguesa Yara organizou a compra e distribuição de alimentos de 15 pequenos agricultores no cinturão verde paulista no valor de R$ 1 milhão, que irão ser distribuídos para 8 mil famílias da comunidade Caboré, no extremo leste da cidade de São Paulo, mapeados pela ONG Grupo Mulheres do Brasil.

22. Um estudo do IBGE sobre a aglomeração da população brasileira identifica que o país tem mais de cinco milhões de domicílios concentrados em favelas (13.151 aglomerados subnormais). O Amazonas tem a maior taxa de concentração, com 34,5% dos seus domicílios nas favelas. Entre as capitais, Belém é a que apresenta maior concentração, com 55,5% dos domicílios nessas comunidades. Sobre o atendimento à saúde, o estudo mostra que 64,9% das favelas estão menos de dois quilômetros de distância dos hospitais e que 79,5% estão a menos de um quilômetro das UBS.

23. O governo federal está receoso com as movimentações que procuram estender o programa de auxílio emergencial de R$ 600,00 até o fim do ano. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem apontando a necessidade de retirar gradualmente o auxílio e voltar ao valor original de R$ 200 por mais um ou dois meses.