Este texto faz parte do Concurso de Ensaios Tricontinental | Nada será como antes. Saiba como participar.

 

Por Júlio Miranda

O que é essa forma de vida, à qual estivemos aderidos, de um modo tal, que sempre nos pareceu “natural”, incontestável, sem alternativa; com seus “modus operandi”, suas hierarquias, importâncias e prioridades, todas predeterminadas e especificadas; com suas atribuições distribuídas e definidas; esse jeito de viver ao qual estivemos impositiva, inadiável e inapelavelmente presos e acostumados, ora rejeitando, ora corroborando, sempre, de alguma forma, confirmando e colaborando, e do qual fomos arrancados, alijados, impedidos de manter a investidura; essa única motivação que conhecemos, que é de todos os dias, e que, mais que justificada, é justificadora; ela que é em si mesma, a finalidade, a utilidade e a objetividade…?

Pois é essa, que sem consulta, sem aviso, sem convite, sem decreto, lei ou estatuto que formalizasse ou justificasse tal acontecimento, foi “nadificada”! O que teria ela? O que ela tem, que lhe seja alternativa? O que poderia substituir a falta de obrigação, de produtividade, de competência? Qual é a opção à concorrência, ao ”foco”, à superioridade produtiva? Como exercer alguma superioridade? Como definir qualquer preferência ou importância? Qual a utilidade da potência? Da competência? Da eficiência? Estávamos, já faz um certo tempo, isolados, desacompanhados, sem conversa, sem abraço, sem toque, sem cheiro, sem corpo, e, no entanto, ainda e a despeito, estávamos todos tão sem defeito, sem idade, sem necessidade, sem tristeza ou infelicidade, belos, sorridentes, bem alimentados, bem acompanhados, sábios e completos…

E agora, de súbito, estaremos isolados, desacompanhados, sem conversa, sem abraço, sem toque, sem cheiro, sem corpo, e no entanto e a despeito, veremos cara a cara, todos os defeitos; a idade, a necessidade, a tristeza e a infelicidade. Agora, de súbito, cara a cara, não faz tanta diferença se somos belos, se temos belos sorrisos; não temos nem certeza de que seremos bem alimentados; nem mesmo acompanhados, estaremos juntos; teremos que conversar; proibidos de abraçar; ninguém nos completa!

Temos, a uma inútil disposição, prédios, pontes, pistas, parques…

Temos, finalmente, inútil sobra de tempo, espaço inútil de sobra, ruas de sobra…inúteis!

Temos carros inúteis, bares inúteis, lojas inúteis, roupas inúteis…inúteis profissões,
inúteis profissionais…

Pra que ganhar, pra que “malhar”, pra que trocar, pra que guardar? A quem vencer? Por que vencer? A quem vender, o que vender, pra que vender…por que, para que e para quem SE vender? Pra que convencer, pra que seduzir, por que conhecer? Não há porque ter e não faz diferença Ser ou não Ser, crer ou não crer. Perdemos os Porquês!

Eu sou Júlio Miranda…e isso, tampouco faz a menor diferença!