Pesquisa sobre os Evangélicos e a Política

Nem só de fundamentalismos vive o mundo evangélico. Pelo contrário, as contra-narrativas da fé seguem corajosamente em marcha pela tolerância e libertação. Foto: Reprodução.

 

 

N° 11/2021

 

Nossa última publicação das notícias do mundo evangélico de 2021 dialoga com o que vimos durante o ano todo: parte dos evangélicos fundamentalistas destilando seus ódios contra as mulheres e a população LGBTQIA+, os evangélicos do governo Bolsonaro “avançando em retrocessos”, negacionismos e intolerância religiosa. E o mais importante de tudo, há pessoas de fé, corajosas e firmes no enfrentamento aos fundamentalismos. Que o novo ano seja de luta e de vitórias para a nossa classe, que carrega a identidade religiosa como parte importante dessa luta!

 

Fundamentalismo

No mês que passou, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), anunciou o primeiro evento “sem passaporte da vacina” na cidade e, adivinhem? Será um evento evangélico da Assembleia de Deus Ministério Madureira. “É só chegar!” conclamou o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz. Quem nos acompanha por aqui, conhece a briga durante toda a pandemia entre abrir e fechar as igrejas. Agora, em um momento de certo respiro na situação pandêmica, mais do que nunca é importante garantir que a ciência nos salve e que os protocolos sejam cumpridos. Ainda que o evento seja em lugar aberto, a vacina e o uso de máscaras continuam sendo as principais garantias de que estamos protegidos.

O fundamentalismo religioso foi a marca dos discursos dos grandes pastores midiáticos, que encontram ecos no governo (ou seria o contrário?). Uma retrospectiva com essas falas que, ao serem levadas como verdades, podem ter custado a vida de muitos brasileiros: “vacina causa câncer e possui HIV”, a defesa anticientífica do tratamento precoce, feijão vendido a mil reais como garantia de cura entre tantas outras atrocidades. Apesar de tudo isso, ponto para a Marcha para Jesus, que aconteceu no último mês no sambódromo e exigiu o “passaporte da vacina” dos fiéis para participarem do evento, além do teste negativo para Covid e do uso de máscaras.

 

Bolsonaro

Quais as estratégias do atual presidente nas viagens que tem feito pelo Brasil? Além de disseminar o vírus pelo nosso país, Bolsonaro tem atuado de forma estratégica em cada região buscando votos para sua reeleição. Além do apelo militar, entre outros, na região Norte, por exemplo, a questão religiosa foi motivo de 8 viagens do presidente nos últimos três anos, todas ligadas às igrejas evangélicas. Sabemos que, além dos militares, a principal base do governo – que já vem demonstrando que não é tão fiel assim – são os evangélicos.

Fábio Faria (PSD), marido de Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos, é um dos possíveis nomes para a candidatura de vice-presidente ao lado de Bolsonaro. No que diz respeito à religião, Fábio se assemelha ao presidente: é de família católica, mas muito pŕoximo das Igrejas evangélicas – em especial Sara Nossa Terra, que ele diz frequentar esporadicamente.

Essa corrida aos evangélicos não é sem motivo, Bolsonaro tem visto os números de sua aprovação despencarem, inclusive entre os evangélicos. Pesquisa realizada pela Exame/Ideia demonstra que a aprovação do presidente entre os evangélicos é de 28%. A queda é de 11 pontos percentuais desde a rodada de 22 de outubro. 

Algumas coisas um pouco cômicas também acontecem neste governo… No portal R7, da Record, que é vinculada a Igreja Universal do Reino de Deus, a publicação do jornalista Guto Ferreira  sugere 10 motivos para a reeleição de Bolsonaro. O texto tem somente a seguinte frase: “se você abriu esta matéria, lamento. Não existem motivos. Assim como não existem Duendes e Papai Noel. Fim. É simplesmente o pior governo desde a redemocratização do país. Boa noite a todos.” A publicação foi retirada do portal e depois editada dizendo que o conteúdo não reflete a opinião da Record. 

Bolsonaro segue atirando contra o resto de respeito que temos internacionalmente. Em análise para o portal Brasil de Fato, Mohammed Nadir provoca a questão: sendo a diplomacia brasileira uma das mais respeitadas no mundo, “por que tanta teimosia de Jair Bolsonaro em nomear uma pessoa com ficha suja, condenada e corrupta para representar a República num dos postos mais influentes do continente africano?”. A pessoa no caso seria Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo. Para Nadir, Bolsonaro sente-se em dívida para com o líder da Universal, dada a importância do apoio do Bispo para seu projeto, sendo assim, fará o que for necessário para agradá-lo. No entanto, a insistência não surtiu efeito e  a África do Sul, ignorando a vontade de Bolsonaro, retirou a indicação de Crivella para a embaixada.

Agradar aos evangélicos tem sido a grande arma, para usar a simbologia do próprio, de Bolsonaro. O presidente, que passou boa parte do mandato sem partido, se filiou no último mês ao PL, justamente no dia do Evangélico: “a ida para um partido do Centrão que engrossa as fileiras da bancada da Bíblia no Congresso Nacional, nesta data significativa para a comunidade representada por ela, não é a primeira, tampouco será a última investida do presidente neste nicho até o ano que vem”. 

 

Damares

Damares acenou para a comunidade LGBTQIA+ dizendo que, como “estado”, é obrigada a considerar todas as configurações familiares e de proteger as crianças filhas de casais homoafetivos do preconceito. Apesar do aparente avanço da fala, vale lembrar que ela já afirmou que “a homossexualidade é aprendida na infância”, como se a educação sexual transformasse as crianças em LGBTQIA+. Também já se manifestou diversas vezes contra o espantalho da “ideologia de gênero”, que, como ela afirma, pressiona as meninas a se tornarem bissexuais.

Damares também se manifestou contrária às mulheres trans no esporte feminino, dizendo que os homens são mais fortes do que as mulheres para protegê-las e que agora, além de machucá-las, querem competir com elas. “É sabotagem. É vergonhoso”, afirma a ministra.

Apesar de tantos discursos da ministra sobre transparência e ações em sua gestão, não há informações sobre o cumprimento das ações previstas no Plano Nacional de Direitos Humanos em relação a dados sobre violência contra a mulher, liberdade religiosa, entre outros temas fundamentais na garantia de Direitos Humanos, que é uma política de Estado e não de Governo.

Enquanto isso, a pauta antiaborto segue forte: a ministra irá a Genebra para se reunir com outros países pela coalização internacional antiaborto. Com a saída dos EUA da coalizão, o Brasil na figura de Damares tomará a liderança do grupo.

Mas qual o futuro de Damares neste governo? Popular entre os evangélicos e nome que chegou a circular com força para a vaga da vice-presidência nas próximas eleições, Damares hoje circula menos no entorno do presidente. Recebendo uma das menores cifras, Damares reclama que falta orçamento, no entanto, utilizou até novembro apenas 43% do orçamento anual. O que pode parecer uma forma de economia dos gastos públicos, é na prática um grave problema de gestão.

 

Milton Ribeiro

No mês de novembro, foram aplicadas as provas do ENEM em meio a muitas polêmicas. Diversos servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão que elabora, aplica e corrige a prova de ingresso ao ensino superior no Brasil, deixaram seus cargos. Apesar da debandada dos servidores, a prova foi realizada. Os funcionários que pediram demissão afirmaram que estavam sofrendo perseguição e vigilância política por parte do governo. Dias depois dos servidores terem colocado os cargos à disposição, Bolsonaro afirmou que a prova teria, então, “a cara do governo” (medo!). E a  face deste governo é realmente assustadora, vale citar a fala do presidente sobre o ministro da educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, para confirmarmos: “não escolhi o Milton pela sua formação religiosa, mas ele é um pastor. Quem poderia imaginar um pastor no MEC? O que nós queremos para nossos filhos? Que o menino seja menino, que a menina seja menina, e não aquele lixo acumulado de 2003 para cá, onde se falava de quase tudo na escola, menos de física, química e matemática”. Para o deputado Israel Batista (PV-DF), a fala do presidente sobre o exame é um atestado de culpa, de que de fato há interferência e vigilância política por parte do governo na prova do ENEM.

Milton Ribeiro deve ser chamado para se explicar no Congresso. Depois da fala do presidente e da polêmica gerada, o pastor e ministro afirmou que a prova está pronta há meses e que nem ele, nem Bolsonaro poderiam interferir no ENEM. A expectativa do ministro é que a prova seja realizada sem politização. A cara do governo, para ele seria: “competência, honestidade, seriedade”. Mentir é pecado, pastor!

O Enem deste ano teve 26% de abstenção e o ministro, vejam só que surpresa, colocou a culpa nos professores da rede pública que se posicionaram contra o retorno das aulas presenciais. Quem acompanhou o debate nas escolas públicas sobre o retorno das aulas presenciais, sabe perfeitamente que o poder público negligenciou reformas necessárias para garantir as atividades presenciais com segurança. A opção pelo não retorno se deu por um comprometimento com a vida. Mesmo assim, Milton Ribeiro afirmou que “muitos jovens, sobretudo das classes mais humildes, não puderam fazer a prova porque estudavam em escolas públicas em que os professores não queriam dar aula”.

Mas além de polêmicas, o que este governo tem feito? O governo negligenciou programa de internet para os alunos, que ficaram quase dois anos sem frequentar as escolas. O relatório aprovado pela Comissão Externa de Acompanhamento do Ministério da Educação na Câmara (Comex/MEC) mostra que o governo gastou menos de 1% da verba que deveria ser utilizada para implementar o programa Educação Conectada no ano de 2021. Um crime contra tantas crianças que não têm acesso às mínimas condições de se manterem nas escolas em um período pandêmico, que se estendeu por tantos meses, comprometendo o aprendizado de uma geração.

Milton Ribeiro tem conseguido uma “boquinha” no governo para pessoas próximas. Documentos revelam que os ministros de Bolsonaro têm dado carona em aeronaves da Força Aérea Brasileira para parentes e pastores. O ministro da Educação aproveitou a oportunidade e levou o pastor Arilton Moura, da Igreja Cristo para Todos, para o Maranhão.

Por fim, para fecharmos este ponto, o ministro elogiou a Universidade Federal do Ceará (UFC) por ter proibido a “implantação de banheiros ideológicos”, referente aos banheiros para pessoas trans e não binárias. Se nada fizermos, teremos mais um ano com o ministro comemorando os retrocessos…

 

André Mendonça e STF

Já estamos em dezembro, portanto, já sabemos que o Senado aprovou, depois de quase seis meses,o famoso terrivelmente evangélico André Mendonça, pastor presbiteriano, fiel escudeiro do presidente, para o Supremo Tribunal Federal (STF). “Um passo para o homem, um salto para os evangélicos”, foi a tônica do pronunciamento do novo ministro após a aprovação. Adiantando um pouco a reflexão que faremos no ano que vem sobre este assunto, a aprovação de André Mendonça é uma grande pedra no caminho para o campo progressista, especialmente naquilo que os fundamentalistas têm defendido como principais bandeiras: a reação contra a luta por direitos no que se refere às questões de gênero e sexualidade. Enquanto muitos nos preocupamos com os pentecostais e neopentecostais, são eles, os protestantes históricos fundamentalistas, que têm ocupado os principais espaços de poder. Mas vamos ao caminho percorrido neste último mês:

Nestes mais de 100 dias de espera e forte atuação do campo evangélico, novembro foi dedicado à pressão para que acontecesse a tão esperada sabatina de André Mendonça. Integrantes do Palácio do Planalto, inclusive, aproveitaram o desgaste do presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), responsável por marcar a sabatina, para pedir seu afastamento, por esquema de rachadinha.

A resistência de Alcolumbre ao nome de André Mendonça foi vista pelo deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM), aliado de Silas Malafaia, como um ataque aos evangélicos. O deputado aproveitou para falar que essa resistência é fruto de um preconceito que os evangélicos sempre sofreram. Alcolumbre, judeu, se defende e diz que tem sido vítima de uma “pressão sem precedentes” e que não aceitará ser “ameaçado, intimidado e tampouco chantageado”. Evangélicos apoiadores não deram ouvidos e estão “infernizando sua vida”. Como a pressão nas redes sociais não surtiu efeito, a ideia é “invadir sessões da CCJ e do plenário do Senado com faixas e fazer barulho, para forçar Alcolumbre a marcar a sabatina”.

“O grande problema sou eu”, afirmou Bolsonaro sobre a demora da sabatina. Sim, Bolsonaro, o grande problema é você em praticamente quase todos os problemas que estamos enfrentando. Mas neste caso, Bolsonaro acredita que o problema é porque foi ele quem indicou o nome e diz que se for reeleito colocará mais dois nomes com o perfil de André Mendonça no STF. E que perfil é este? Evangélico? Conservador? Fundamentalista?

Além da pressão, André Mendonça promoveu um jantar com evangélicos, inclusive com um aliado de Alcolumbre presente: o deputado federal Pedro da Lua (PSC-AP), que também é evangélico. Segundo o deputado, o ambiente estaria propício para um acordo: “eu sou um liderado de Alcolumbre. Comuniquei a ele que fui convidado [para o encontro de apoio], e ele me disse que seria muito bom eu ir, para ouvir [o que Mendonça e os deputados tinham a dizer]”.

Por fim, o que parecia impossível aconteceu e a sabatina foi marcada (acontecendo no dia primeiro de dezembro).

No final de novembro, evangélicos progressistas se articularam pedindo que os senadores rejeitassem o nome de André Mendonça para o STF. Entre tantos argumentos, destacamos: “o senhor André Mendonça representa tão somente uma pequena parcela do campo evangélico no Brasil. Uma parcela que não é representativa do ponto de vista da diversidade e pluralidade dos evangélicos e evangélicas de todo o Brasil que é em sua maioria, segundo dados do IBGE, é negra, feminina e pobre —características bem distintas do candidato.”

 

Eleições 2022

Há menos de um ano das eleições de 2022, a batalha pelo voto evangélico segue em curso.

O agora ex-procurador da República Deltan Dallagnol, evangélico da Igreja Batista, é uma possível aposta de Sérgio Moro para buscar uma aproximação com os evangélicos na disputa pela vaga da presidência. Seus apoiadores identificam que a projeção do seu nome tem que considerar essa aproximação. Outra possibilidade de aproximação poderá ser pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), de perfil bastante conservador, a qual o ex-juiz mantém relações.

O pastor evangélico Cabo Daciolo afirmou que também estará na disputa e, no caso dele, dada a sua função na igreja e pelos seus discursos (conservador nos costumes, ao mesmo tempo que defensor de um estado mais intervencionista), deve ter um percentual de eleitores evangélicos, provavelmente de perfil mais empobrecido, ao seu lado. O pastor já anunciou que se eleito colocará o ministro da Economia Paulo Guedes na cadeia por conta das atrocidades que tem feito contra o povo.

O ex-presidente Lula participou no dia 27 de novembro de um evento virtual com evangélicos com mais de 800 participantes. Grande parte do tempo foi para os evangélicos se pronunciarem, falarem de sua fé e dos desafios para o próximo período. Lula revisou sua trajetória, assim como firmou seu compromisso com a população mais pobre, que grande parte é evangélica. No encontro, Lula propôs a criação de “um momento evangélico” na TV e na rádio do Partido como uma tentativa de diálogo mais próximo com o segmento religioso, no sentido de reverter a falsa visão da esquerda como inimiga da religião.

O Republicanos, partido vinculado àda Igreja Universal do Reino de Deus, após campanhas fracassadas para ocupar o executivo, vai abrir mão das candidaturas a governador pela sigla e assumir um apoio mais discreto a Bolsonaro.

 

Teologia do domínio

As igrejas seguem com a sua “ida ao mundo” com toda a força por aqui. Ocupar cada vez mais espaços para além da igreja e da família é um projeto em curso protagonizado por muitas igrejas. Bolsonaro segue com seu compromisso com essas igrejas, desde antes mesmo de ser eleito. No caso das concessões de TV, desde 2019, 40% foram dadas a grupos religiosos católicos e evangélicos.

Teve Black Friday na Universidade da Bíblia! O portal Gospel Mais anunciou que a instituição ofereceu descontos de até 50% em cursos de formação teológica e de lideranças, em uma clara defesa de uma formação em ação contra “o mundo”: “o aprendizado sobre a Palavra de Deus é parte de uma jornada que visa não apenas o fortalecimento da fé, mas também a formação de um fiel capacitado a defender a fé cristã diante das diferentes influências seculares”.

 

Teologia da prosperidade

A Teologia da Prosperidade foi um corte teológico traduzido pelo neopentecostalismo como a possibilidade de felicidade terrena pelo enriquecimento individual, seja material, espiritual  ou simbólico. Sabemos que todos almejamos uma boa vida e que possamos, independente de nossa fé, viver sem sofrimento. No entanto, muitos pastores levaram ao pé da letra o enriquecimento como tarefa ou benção divina.

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), liderada pelo Bispo Edir Macedo, foi denunciada por bispos angolanos às autoridades locais. A denúncia afirma que a IURD retirou ilegalmente mais de R$ 600 milhões por ano de Angola. O desvio ocorre há pelo menos 11 anos, segundo denúncia.  Edir Macedo, envolvido em tantos escândalos, entre eles o recebimento de uma verba misteriosa  de mais de 3 bilhões de reais, dobrou seus lucros no último ano. Enquanto o país se afunda em uma crise sanitária e econômica, o Bispo enche os bolsos de forma, no mínimo, suspeita, dado as tantas polêmicas que ele tem se envolvido. Apesar do bolso recheado, o bispo não tem garantido os direitos trabalhistas a seus funcionários. Um pastor teve reconhecido pelo Tribunal Regional do Trabalho seu vínculo empregatício com a Igreja Universal do Reino de Deus. O pastor atuava em regime de dedicação exclusiva, tendo, inclusive, metas a atingir no período em que ficou na igreja, no entanto seus direitos não foram garantidos.

Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial, que, assim como Edir Macedo, tem levado muito a sério o plano de enriquecer a qualquer custo, teve que pagar seus funcionários que estavam em greve por atraso nos salários e irregularidades em relação aos direitos trabalhistas. Sim, os funcionários da Igreja Mundial e da TV Mundial se organizaram reivindicando seus direitos enquanto trabalhadores (falaremos mais sobre isso). O líder da Igreja considera terceirizar os funcionários depois do episódio da greve.

 

Internacional IURD – Angola

Quatro dirigentes IURD começaram a ser julgados em novembro no Tribunal Provincial de Luanda pelos crimes de associação criminosa e branqueamento de capitais. Na parte de fora do Tribunal, fiéis oravam pedindo justiça e afirmando que a IURD é como uma “palco de crimes”. O Ministério Público do país africano acusou a igreja do bispo Macedo de ser uma organização criminosa de caráter internacional que engana seus fiéis. A defesa dos quatro dirigentes reagiu dizendo que a acusação foge das regras processuais penais. Os acontecimentos em Angola, referentes à IURD, têm sido palco de conflitos que seguem interferindo inclusive na relação diplomática entre os dois países.

 

Intolerância religiosa

O fundamentalismo religioso se mostra em nosso cotidiano a partir de diversas faces, entre elas a intolerância religiosa, que enxerga que há uma guerra contra o mau: tudo aquilo que não sou, é meu inimigo e deve ser destruído, aniquilado. As religiões de matriz africana têm sido as principais vítimas desse discurso, sendo seus frequentadores e lideranças  afetados nas dimensões físicas e psicológicas.

Para o teólogo e pastor evangélico Rodrigo Moraes, “a grande e chocante notícia é que Deus não é católico romano ou evangélico protestante. Deus não pode ser contido em uma religião ou preso a uma liturgia humana qualquer. A resistência das religiões africanas em solo nacional, mesmo em meio a tantas perseguições, julgamentos e crueldade, é um exemplo de superação e garra”.

Outro grupo que vivencia constantemente casos de intolerância religiosa são os indígenas. As disputas pelas terras e o preconceito contra as casas de reza têm fomentado ações violentas, com piora do quadro a partir de 2020, colocando em risco a vida de muitos indígenas. O Mato Grosso do Sul registrou o quinto incêndio contra templos religiosos indígenas somente neste ano. A destruição é física e simbólica. Segundo o antropólogo Fábio Mura, a destruição do Chiru, instrumento religioso vital para os kaiowás passado há séculos de geração a geração, não é a de um mero objeto, mas de um “sujeito de ação”. É um “ser vivo”. 

O Ministério Público do Mato Grosso do Sul avalia que a intolerância entre evangélicos e indígenas tem aumentado e que o risco de um conflito religioso é iminente.  Por isso, instaurou um procedimento administrativo para acompanhar as medidas de pacificação.

É importante dizer que, obviamente, não podemos colocar a culpa nos fiéis evangélicos pelos casos de intolerância que ocorrem em tantas partes do país. No entanto, os discursos fundamentalistas de parte dos evangélicos tem também responsabilidade por aprofundar o racismo religioso tão presente no nosso território, como, por exemplo, no caso de uma criança que não pode assistir aula em uma escola municipal em Salvador  por conta de sua roupa ligada ao candomblé. Ninguém pode se sentir constrangido e muito menos impedido de demonstrar sua fé, principalmente em espaços públicos como a escola.

 

Cristofobia

Apesar dos graves casos de intolerância sofrido pelos indígenas e frequentadores de religiões de matriz africana, muitos evangélicos fundamentalistas têm afirmado serem vítimas de “cristofobia”, especialmente quando se questiona algumas ações contra o estado laico promovidas por esses evangélicos ou como reação a seus crimes contra os direitos, principalmente, da população LGBTQI+. O teólogo Ronilso Pacheco alerta que “cristofobia não é um conceito, foi uma palavra inventada por conservadores e fundamentalistas cristãos para rechaçar a realidade de perseguição, violência e preconceito vivenciados por muitas pessoas da comunidade LGBTQI+”. No entanto, a difusão de que há cristofobia ou a intolerância contra cristãos segue em voga por parte dessa direita cristã fundamentalista. Quem tem protagonizado esse tipo de denúncia é o pastor Silas Malafaia que denuncia a existência de perseguição aos evangélicos. A “denúncia” se refere a uma determinação do Ministério Público para que o pastor Carlos Cesar Januário (Igreja Batista) se retrate por ter incitado o boicote contra empresas que promovem o ativismo LGBTQI+. Contra a “perseguição”, Malafaia aposta em uma reação dos pastores. Homofobia, caso o pastor não saiba, é crime em nosso país.

 

Raça, Gênero, LGBTQI+

Mulher pode ser pastora? Isso ainda não é consenso entre pentecostais e neopentecostais, enquanto, mesmo em denominações mais conservadoras, há mulheres poderosas comandando as igrejas, justificando seu papel, inclusive, com a Bíblia. Igrejas como a IURD ainda apostam que somente os homens podem estar a frente, sendo que as mulheres que se destacam são sempre esposas/filhas dos pastores ou bispos.

Não são só as igrejas neopentecostais que passam por este conflito. Em Brasília, após o afastamento do pastor Marcelo Oliveira, que havia liberado a pregação de mulheres na Igreja Presbiteriana do Lago Sul, a juíza Thaíssa de Moura Guimarães, da 20ª Vara cível de Brasília, anulou a decisão da Igreja que proibia a pregação de mulheres. A juíza também invalidou o afastamento do pastor por ter ignorado a norma, instituída em 2018.

Infelizmente, apesar do grande esforço de evangélicos progressistas em pautas sobre gênero e diversidade sexual dentro das igrejas, bandeiras muito importantes contras os fundamentalismos religiosos, muitas igrejas mantém um discurso conservador, limitando o avanço por direitos das mulheres e da população LGBTQIA+. Em 2018, no centro de São Paulo, na EMEI Monteiro Lobato, houve uma ação de policiais e evangélicos contra a escola por conta do posicionamento de um pai afirmando que a escola praticava a “ideologia de gênero”. No meio deste ano, o pastor Jorge Linhares, amigo de Damares, repostou o vídeo da criança da EMEI relatando ter aprendido questões de gênero na sala de aula. Agora, no último mês, o pastor propôs um boicote a Doritos por conta de uma campanha publicitária que divulgava um casal homossexual da terceira idade: “Dois homens na eternidade ferindo a palavra de Deus, indo contra a palavra de Deus. Nunca mais eu vou comprar Doritos”.

Os portais Gospel Mais e Gospel Prime têm se manifestado contra a tal “ideologia de gênero”, que eles compreendem como todo e qualquer debate que avance para além das famílias heteronormativas de valores patriarcais.  Com manchetes sensacionalistas, como “Professores estariam incentivando recrutamento de crianças para clubes LGBT”, as mídias fundamentalistas evangélicas atacam os direitos da população LGBTQIA+, preferencialmente. O Gospel Mais trouxe uma matéria sobre a campanha publicitária da Avon que reivindica um programa de prevenção do câncer de próstata para mulheres trans. Com o subtítulo de Negacionismo, a matéria traz a fala de um sociólogo (cristão, segundo a matéria). Sem compromisso com a saúde dos homens e mulheres trans, o sociólogo defende: “A campanha da Avon se insere em um projeto maior de engenharia social que visa desconstruir os papéis masculino e feminino, com a desculpa do combate ao preconceito. É uma campanha negacionista, de pura desinformação, na medida em que nega a constituição biológica de homens e mulheres, falando em mulheres que têm próstata e homens que têm seios ou mama”.

Em uma matéria de tom aparentemente neutro, o teólogo Franklin Ferreira (que já presenteou o presidente com o. seu livro “contra a idolatria do estado”) discorre sobre as igrejas luteranas no Brasil e as relações homoafetivas. O teólogo defende que é contra qualquer tipo de discriminação contra os homossexuais, ao mesmo tempo que “seguindo as Escrituras, se opõe vigorosamente à aceitação de qualquer relação sexual entre pessoas do mesmo sexo, não aceitando a união homoafetiva como casamento válido perante Deus”. Qual o limite, nos perguntamos, entre ser contra discriminação e se opor vigorosamente as relações homossexuais? Como isso se daria na prática é a questão que temos que nos perguntar, dado que a matéria começa falando da perplexidade sentida por conta dos acontecimentos referentes ao jogador de vôlei Maurício Souza, afastado de seu time por comportamentos homofóbicos. Insistimos, homofobia é crime e a liberdade religiosa deve estar circunscrita às leis.

 

Trabalho de base

As igrejas evangélicas têm dado muitas vezes respostas concretas e imediatas à classe trabalhadora. Dentre elas, a oportunidade de muitos jovens conhecerem um instrumento musical, terem aulas de canto, formar uma banda na igreja e ter um reconhecimento de seus irmãos de fé, assim como também sonharem com uma nova profissão. A cantora Marília Mendonça, vítima fatal de um acidente aéreo, era evangélica e começou sua carreira na Assembleia de Deus. A cantora contou em uma entrevista que aprendeu hinos gospel e que em seu primeiro show ganhou uma Bíblia com um recado dizendo “você está nervosa, mas vai dar tudo certo”.

No Maranhão, o governador Flavio Dino entregou 20 kits de instrumentos musicais para igrejas evangélicas do Estado. O secretário da Cultura Anderson Lindoso afirmou que “muitos dos nossos músicos surgem nas igrejas, sejam evangélicas ou católicas, daí a importância de investirmos nesse programa, investir entregando esses instrumentos para que esses jovens, muitos de comunidades carentes, tenham esses equipamentos para estudar, para aprender, para tocar, para fazer o seu bom uso e trazer resultados para a sociedade”. De fato, as igrejas têm ocupado esse papel de garantir o desenvolvimento musical dos jovens das periferias, que muitas vezes encontram somente na igreja a oportunidade de aprender um instrumento musical.

Outra ação que busca dialogar com os jovens é o projeto ‘Universitários da Força Jovem Universal’ (FJUNI) da Igreja Universal do Reino de Deus. No dia 21 do mês passado, o projeto realizou abordagens motivacionais em frente às instituições de ensino que aplicaram a prova do Enem em todo o país. 

Contra-narrativas da fé

Como insistimos sempre por aqui, nem só de fundamentalismos vive o mundo evangélico. Pelo contrário, as contra-narrativas da fé seguem corajosamente em marcha pela tolerância e libertação.

O projeto Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo tem sido esperança e resistência evangélica. O projeto nasceu na década de 80 por meio das igrejas metodistas e católicas contra o extermínio da população de rua na cidade do ABC paulista. Apesar de sua história e comprometimento, atualmente o projeto encontra-se em risco, porque, em 2020, o atual prefeito, Orlando Morando (PSDB), retirou a permissão de uso do local e ameaça despejar o projeto. Diversas organizações têm se mobilizado, inclusive nas redes sociais por meio da hashtag #OProjetoFica.

A campanha internacional contra a violência de gênero, da qual o Brasil faz parte, chama as igrejas a se unirem em uma ação de 21 dias de ativismo pelo fim da violência. Esta participação é fundamental, dado que, conforme a matéria na Carta Capital, “estudos têm demonstrado que as igrejas no Brasil, em geral, reproduzem práticas culturais e desprezam a dimensão evangélica do valor às mulheres, que não significa apenas a concessão de cargos e microfones para que falem e cantem. Ele quer dizer também tomar para si as suas dores relacionadas aos efeitos maléficos da cultura patriarcal de submissão moral e exploração de seus corpos. As igrejas, na sua maioria, silenciam sobre essas questões e, em certas situações, acabam atuando para perpetuar a violência, reafirmando leituras ideologizadas que indicam ser a submissão das mulheres objeto da vontade de Deus”.

Como mencionamos, algo inusitado e histórico aconteceu na Igreja Mundial do Poder de Deus, liderada por Valdemiro Santiago: a greve de “servos de Deus” por suas garantias trabalhistas. Esta organização é um avanço dos trabalhadores das igrejas, dado que muitos começam como voluntários, por conta de sua fé, conseguem um cargo, no entanto não são respeitados em seus direitos. Estima-se que 40% dos mais de mil trabalhadores da igreja aderiram à greve, que durou cerca de 10 dias e terminou com vitória dos trabalhadores. Vale a pena ler a matéria completa e ouvir o que os trabalhadores têm a dizer. Valdomiro, como bom patrão, colocou a culpa nos trabalhadores, claro!

A pesquisadora Simony Santos trouxe uma reflexão sobre a luta antirracista das mulheres negras nas igrejas e aponta que a consciência da negritude é um primeiro passo fundamental para que se combata o racismo no meio religioso: “A Rede de Mulheres Negras Evangélicas vem trabalhando com a recuperação da negritude, a valorização de nossa ancestralidade e a luta contra o racismo que acomete nossas irmãs de religiões de matrizes africanas. Temos aprendido que nos reconhecer negras é um passo fundamental para que o racismo não seja naturalizado em nossa espiritualidade. Quando mulheres negras leem a bíblia e a interpretam a partir dos seus corpos e experiência de vida é revolucionário. É o poder do homem branco sendo fraturado por uma rede de mulheres que entendem qual o seu papel histórico e político, em um momento em que o fundamentalismo religioso está empoleirado no Congresso Nacional e de braços dados com o neoliberalismo”.

Lembramos que o rosto evangélico de nosso país é de uma mulher negra, moradora da periferia, e que boa parte das mulheres e dos homens negros evangélicos, segundo pesquisa Datafolha, “mantém opiniões divergentes das que predominam nas igrejas (…) são os segmentos mais críticos ao governo Bolsonaro, que tem apoio explícito dos bispos. Para muitos evangélicos, especialmente os mais pobres, a realidade violenta e carente das periferias se sobrepõe às possíveis orientações políticas dos cultos.”