Cortes, retrocessos e entreguismo; o que tudo isso quer dizer?
Por Wesley Lima
Da Página do MST
Desde o início o mandato do governo Bolsonaro, os trabalhadores do campo e da cidade tem sentido na pele e no bolso os reflexos do projeto neoliberal, como o acirramento das crises, retirada de direitos básicos, privatizações de empresas públicas, aumento significativo da violência e o desmonte de aparelhos públicos. Uma das bases que sustentam tais iniciativas são os cortes nos orçamentos de áreas dadas como fundamentais para o desenvolvimento do país.
No fim de agosto, foi enviada uma proposta de orçamento para 2020 do governo ao Congresso Nacional. A proposta aponta que 24 de 31 áreas de atuação federal terão recursos reduzidos, segundo análise do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A medida, de acordo com a análise de especialistas em economia, acentua a crise econômica.
Os parlamentares possuem até o dia 22 de dezembro para aprovar o projeto.
Vale destacar que essa proposta foi construída pelo Ministério da Economia, chefiado por Paulo Guedes, mestre e doutor pela Universidade de Chicago e um dos colaboradores do grupo Chicago Boys, que formularam a política econômica da ditadura do general Augusto Pinochet, no Chile. O grupo foi pioneiro do pensamento neoliberal.
Hoje, Guedes é titular do Ministério da Economia, criado mediante a fusão dos ministérios da Fazenda, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e parte do Ministério do Trabalho como políticas de emprego.
Os cortes anunciados atingem diversas áreas, inclusive da Segurança Pública. O Ministério do Turismo é o que teve a maior perda percentual, com redução de 58,3% em relação ao orçamento deste ano. Quando somam-se os recursos da área de turismo a de esporte, o corte é de 73%.
Em seguida, vem o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com perda de 43,2%, o que afeta as políticas de promoção da igualdade racial e ações voltadas para as mulheres, deficientes físicos e povos indígenas.
As áreas de energia (-38%), habitação (-30%) e indústria (-26%) também registram perdas expressivas. Em meio à crise de incêndios na Floresta Amazônica, a maior dos últimos anos, foi cortado cerca de 30% do orçamento do Ministério do Meio Ambiente. O ministro da Segurança Pública, Sergio Moro, que já reclamava dos cortes em sua pasta desde o início do ano, teve o orçamento reduzido em mais 18,6%.
Impactos dos cortes
A economista e doutora em Ciência Política, Olivia Carolino, que atualmente contribui com o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, chama atenção para o que representa esses cortes e seus impactos na vida dos trabalhadores do campo e da cidade.
“Esses cortes de orçamento inviabilizam na prática a execução de políticas públicas, inclusive as constitucionalmente garantidas, como a do estado oferecer educação para crianças e jovens em idade escolar e o acesso a saúde por meio do SUS, o que abre brechas para o aumento da privatização nesses setores. O Estado brasileiro tem um papel central como dinamizador da economia”, explica.
Nesse sentido, ela lembra que em 2013 o investimento público foi na ordem de R$ 94 bilhões e o Produto Interno Bruto (PIB) teve uma variação anual de 3%. “Com os cortes para 2020 a gente está falando de um investimento público de por volta de R$ 19 bilhões em valores corrigidos. Nessas condições o crescimento é cronicamente inviável”.
Ou seja: “Os cortes de orçamento são economicamente inviáveis. Veja, a Emenda Constitucional nº95/2016, com o teto dos gastos, não gerou crescimento econômico. O indicador da atividade econômica, o PIB brasileiro, encolheu 0,2% no primeiro trimestre de 2019 em relação ao trimestre imediatamente anterior. O resultado negativo foi devido aos recuos da indústria (-0,7%) e da agropecuária (-0,5%), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Inclusive da perspectiva dos capitalistas não há sinais de recuperação econômica, o mercado financeiro já reduziu a previsão de crescimento do PIB brasileiro 22 vezes desde janeiro, sendo as 20 últimas, consecutivas”, argumenta Carolino.
De acordo com sua análise, ela aponta também que a classe trabalhadora sente esses retrocessos na vida cotidiana, por exemplo com o desemprego. “A população desocupada (13,4 milhões) cresceu 10,2%. São mais 1,2 milhão de pessoas sem emprego, frente ao trimestre de outubro a dezembro de 2018 (12,2 milhões). Não há retomada do emprego sem investimento e não há investimento sem orçamento público”, destaca.
Tudo é mercadoria na agenda neoliberal
Não é de hoje que ouvimos falar sobre a política neoliberal e como esse modelo político e econômico muda de maneira drástica os rumos de um país. Diversas são as ações que constituem esse modo de fazer política e uma delas se refletem nos cortes anunciados, mas não se encerra por aí.
Olivia Carolino explica que o governo Bolsonaro aplica rigorosamente o plano do Capital, ou seja, a agenda neoliberal. Além disso, enfatiza que a mesma atua de maneira “predatória sobre a força de trabalho, os bens naturais e recursos estratégicos por meio da apropriação privada dos bens da natureza (petróleo, mineiros, água, biodiversidade, florestas); da privatização das empresas estatais; Da retirada dos direitos históricos da classe trabalhadora, para aumentar a taxa de mais-valia; A ao transformar direitos sociais e serviços públicos como educação, saúde e seguridade social, em mercadorias. Só terá acesso quem tiver dinheiro.”
“Anti-democrático” e “anti-popular”: É desta forma que Carolino sistematiza a atuação do projeto neoliberal e chama atenção para o autoritarismo enquanto condição, construindo um regime de Estado de exceção “em que o Estado garante apenas os interesses do grande capital, e não mais da maioria. Outro fator que não podemos perder de vista é a dimensão anti-nacional de subordinação total aos interesses do capital Estadunidense”.
Nesse contexto, Matheus Gringo, também economista, indica a agenda neoliberal como uma ofensiva da burguesia contra os trabalhadores e, nesta conjuntura, “a ofensiva se faz sentir com mais força”, destaca.
“Há uma ofensiva contra os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, como estão sendo as reformas que tem sido impostas desde o golpe de 2016, como a reforma trabalhista e agora reforma da previdência, que desregulamentam as relações entre o capital e o trabalho por um lado, e por outro, trata-se de se apropriar dos fundos públicos para regar o sistema financeiro nacional e principalmente internacional.”
Sobre a dimensão entreguista, já citada pela Carolino, Gringo pontua que na atualidade estamos vivendo o fortalecimento dos monopólios internacionais, a partir da apropriação dos recursos naturais que deveriam estar a serviço de toda a sociedade. Ou seja, “são entregues aos interesses estrangeiros, como as iniciativas de liberar indiscriminadamente a venda de terras para estrangeiros, as propostas de mineração em territórios indígenas, os ataques as políticas de proteção do meio ambiente, entre outras.”
Por fim, ele destaca que a ofensiva neoliberal vem acompanhada de transformações nas relações de trabalho, fomentando a precarização e a retirada de direitos.
Resistência popular
Gringo aponta que, diante deste cenário, é necessário organizar a resistência popular contra os ataques impetrados. “O grande desafio é retomar o trabalho de base com os trabalhadores e trabalhadoras. Este trabalho deve ir no sentido de formação política da classe e organização popular”.
E continua: “Devemos ir resistindo onde já construímos e avançar em novos espaços de socialização, como são os assentamentos e acampamentos do MST, as cooperativas e associações, escolas e centros de formação, que cumprem a tarefa de formação, organização e resistência popular”, afirma.
Além disso, ele diz que outro desafio é construir lutas que possuem interface com o conjunto da sociedade, “como foram as lutas contra os cortes na educação e a recente mobilização que tratou o tema do meio ambiente e as mudanças climáticas”.
Por fim, “devemos avançar com as forças populares na construção de um projeto popular para o Brasil, que implique em acumulo de força política para prepararmos uma nova ofensiva da classe trabalhadora”, conclui.