Observatório da Questão Agrária e Observatório Forças da Desigualdade

Como está dividido p rendimento do trabalho, tipo de ocupação e a distribuição do emprego no Brasil? Foto: Edson Lopes Jr./Fotos Públicas

 

 

Por Marcelo Álvares de Lima Depieri [1], Cristiane Ganaka [2] e Renata Porto Bugni [3]

 

O modo de produção capitalista possui como característica produzir desigualdades. A propriedade privada é uma estrutura que divide os detentores dos não detentores dos meios de produção. Além dessa desigualdade estrutural, são manifestadas nas sociedades capitalistas desigualdades de renda, de moradia, de trabalho, entre outras, que se tornam mais complexas pelas questões de raça e gênero. (MARQUES, et. al., 2021).

A desigualdade se manifesta também entre os países. Há países que estão na   periferia do capitalismo e há os países centrais. A partir da Teoria Marxista da Dependência (TMD), Marini (2005) destaca que o intercâmbio no comércio internacional se desenvolve em detrimento dos países periféricos. As trocas desiguais acontecem com a transferência de valor das mercadorias produzidas nos países periféricos para as produzidas nos países centrais.

As necessidades de acumulação do capital nos países periféricos precisam compensar o intercâmbio desigual do comércio exterior. Uma das formas dessa compensação é via mercado de trabalho, por meio da superexploração da força de trabalho. Estamos falando de uma exploração capitalista que assume um caráter superexplorador ao qual as economias dependentes estão submetidas na divisão internacional do trabalho. Essa superexploração pode ocorrer por quatro formas: pelo aumento da intensidade do trabalho; pelo prolongamento da jornada; pelo aumento do valor da força de trabalho sem ser acompanhado pelo aumento da remuneração; e pela remuneração da força de trabalho abaixo de seu valor (LUCE, 2013).

O desenvolvimento capitalista na periferia aproveita determinadas estruturas sociais já existentes, como o racismo e o patriarcado [4], como base da superexploração da força de trabalho. A base teórica deste artigo,  a TMD “propõe a apreensão das particularidades do capitalismo na região a partir do marxismo, buscando entendê-las sob a perspectiva da compreensão da própria existência social – da reprodução material da existência”, o que justifica nossa escolha. (GOUVÊA; MASTROPAOLO, 2019, p. 16).

O presente texto apresenta uma análise da desigualdade no mercado de trabalho brasileiro, entre 2012 e 2019, a partir do olhar da TMD, uma vez que o método permite apreender as características  do mercado para além das manifestações aparentes. O intuito foi verificar a participação, quantitativa e qualitativa, da força de trabalho de mulheres e de pessoas negras no mercado de trabalho brasileiro e compreender seu significado no período.

O trabalho utilizou os microdados anuais da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e fez uma análise transversal entre raça e gênero no mercado de trabalho. Os dados apresentados permitem saber qual o percentual de pessoas na força de trabalho em relação às pessoas em idade de trabalhar (taxa de participação); qual o percentual de pessoas ocupadas em relação às pessoas em idade de trabalhar (nível de ocupação); o percentual de pessoas empregadas e desempregadas (taxa de ocupação e desocupação); qual a percentagem das pessoas subocupadas por insuficiência de horas somada às pessoas desocupadas e à força de trabalho potencial, em relação à força de trabalho ampliada (taxa composta de subutilização); qual o rendimento desse trabalho (por faixa de salário mínimo); o tipo de ocupação em que estão (conta própria, funcionário público, etc.); setor dessa ocupação (indústria, comércio, etc.); qual a inserção no mercado de trabalho (se formal ou informal); e a proporção dos trabalhadores com carteira assinada, estatutários e militares ou que contribuem para a previdência em relação aos ocupados (taxa de formalização).

Além desta introdução, o texto conta com mais três seções e as considerações finais. Na primeira, é feita uma análise geral do mercado de trabalho durante os anos de 2012 e 2019, por meio dos seguintes dados: taxa de participação, nível de ocupação, taxa de formalização, taxa de desocupação e taxa de subutilização. Na segunda, são analisadas as taxas médias de ocupação, desocupação, formalização, informalização e subutilização, cruzando com outras duas variáveis: gênero e raça. Na terceira, foi realizada uma análise, também a partir do recorte de gênero e raça, relacionando com outras três variáveis: rendimento do trabalho, tipo de ocupação e a distribuição do emprego por setores econômicos.

O recorte temporal da análise contempla três diferentes contextos da economia brasileira, sendo eles: um período inicial, de 2012 a 2014, de diminuição da taxa de desemprego; o segundo, que contempla o biênio 2015-2016, no qual a economia brasileira apresentou uma retração acumulada de 6,7% e uma disparada da taxa do desemprego; e o terceiro, entre os anos de 2017 e 2019, em que o cenário é de baixo crescimento econômico e manutenção de altas taxas de desemprego. Por fim, nas considerações finais, buscou-se aproximar os dados apresentados com a ótica da TMD, destacando o papel do trabalho negro e do trabalho feminino no mercado brasileiro nos momentos de crise e estagnação analisados, entre os anos de 2015 e 2019.

 

Aspectos gerais do mercado de trabalho brasileiro entre 2012 e 2019

O primeiro período de análise, o de 2012-2014, foi o mais positivo em termos gerais do mercado de trabalho. A taxa média de desocupação chegou a 7,14% e a taxa média de subutilização foi de 17,19%. Além disso, contou com um nível de ocupação de 57,10%, maior do que as taxas dos dois períodos posteriores (Tabela 1). Apesar de a média do crescimento econômico do período ser baixa (1,81%), o primeiro governo de Dilma Rousseff (2011-2014) adotou reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do custo de energia elétrica, com a contrapartida de manutenção dos empregos [5]. Os resultados favoráveis no mercado de trabalho remontam também a um período anterior, que se iniciou em 2003. O primeiro governo Lula, que, por um lado, seguiu à risca a política macroeconômica de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, inclusive aprofundando as metas de superávit primário e elevando a taxa de juros, seguindo o preconizado pelo regime de metas de inflação; por outro lado colocou em prática um conjunto de medidas, que estimularam a economia, o mercado de trabalho e a formalização dos empregos, tendo continuidade durante as outras gestões petistas [6]. Dentre as medidas adotadas podemos destacar duas: o Programa Bolsa Família (PBF) e o aumento real do salário mínimo, que a partir de 2008 consolidou-se como uma política de governo, a Política de Valorização do Salário Mínimo (PVSM).

Ambas políticas, além de combaterem diretamente problemas sociais como a fome, a pobreza, a extrema pobreza e desigualdades de renda, estimularam o consumo das famílias. O fortalecimento da demanda interna, o aumento dos investimentos – principalmente no segundo governo Lula – e a forte demanda internacional por commodities foram fundamentais para o crescimento do PIB. A média de crescimento econômico entre 2003 e 2011 foi de 4,07%, com destaque para os anos de 2004 (5,76%), 2007 (6,07%) e 2010 (7,53%). A taxa média de desemprego no período, calculada pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME-IBGE), se desacelerou em todos os anos, saindo de 12,33%, em 2003, e chegando à taxa de 5,9% em 2011. O índice de Gini é outro indicador que apresentou melhora, com quedas em todos os anos do período, saindo de 0,58 em 2003 e chegando a 0,53 em 2011.

 

Tabela 1 – Brasil: Taxas médias de participação, ocupação, formalização, desocupação e subutilização (2012-2014, 2015-2016, 2017-2019).

Fonte: Síntese de Indicadores Sociais – IBGE/Brasil Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental

 

O período entre 2015 e 2016 é marcado por uma virada na política econômica. Essa virada ocorre no início de 2015, no segundo mandato de Dilma Rousseff, quando Joaquim Levy assume o ministério da Fazenda e coloca em prática uma das mais austeras políticas fiscais da história: “reduzindo o ritmo de crescimento dos gastos públicos de 12,8% em 2014 para 2,1% em 2015” (MELLO; ROSSI, 2017, p. 27). A política monetária, por sua vez, também seguiu o receituário ortodoxo, com aumento da taxa de juros e contração no crédito. A austeridade seguiu ao longo de 2016. O PIB brasileiro apresentou uma queda acumulada no biênio de 6,71%, o que impactou diretamente o mercado de trabalho, em que praticamente todos índices pioraram, conforme dados apresentados na Tabela 1.

O ano de 2016 foi marcado pelo golpe contra Dilma Rousseff, alçando Michel Temer à presidência. A pasta da Fazenda foi ocupada por Henrique Meirelles, que colocaria em prática a agenda austera, similar à de Joaquim Levy. No final daquele ano foi aprovado o novo regime fiscal, o teto de gastos públicos, que na prática congelou os gastos do governo, inviabilizando qualquer política de investimento e indução econômica. Essa política fiscal é a principal herança, no campo da política econômica, para o próximo período de análise.

Entre 2017 e 2019 houve piora em todos os índices levantados, em relação aos dois períodos anteriores. Vale ressaltar que é nesse período, mais especificamente no ano de 2017, que a Reforma Trabalhista é aprovada. Nela, foram modificados muitos artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) [7]. Pode-se destacar a permissão de outras formas de contratação, como a de tempo parcial e o trabalho intermitente; o enfraquecimento da “atuação dos sindicatos pela ratificação do negociado sobre o legislado” (MARQUES, et. al. 2018, p. 26); e a criação de “grandes dificuldades para os trabalhadores acionarem a Justiça do Trabalho diante de violações de direitos trabalhistas nos locais de trabalho” (MARQUES, et. al., 2018, p. 26).

O período 2017-2019 já pôde sentir os efeitos da Reforma Trabalhista. O nível de ocupação e a taxa de formalização diminuíram e as taxas de desocupação e de subutilização tiveram aumentos significativos, chegando a 12,08% e 24,32%, respectivamente. A taxa de participação aumentou, indicando a entrada precoce de jovens no mercado. Quando a situação socioeconômica é mais favorável, os jovens tendem a atrasar suas entradas no mundo profissional, podendo dedicar mais tempo aos estudos.

Nas próximas seções são  apresentadas as análises sobre as desigualdades do mercado de trabalho brasileiro entre 2012 e 2019, com destaque para as análises por gênero e raça, de renda, de inserção, se formal ou informal, e de ocupação.

 

Desigualdades do mercado de trabalho no período entre 2012 a 2019  

As desigualdades no mercado de trabalho brasileiro não são trivialidades constatadas em primeira análise dos números sobre a desocupação e/ou ocupação. Um exemplo disso é a evolução dos números entre os anos de 2012 e 2019.

O objetivo desta seção é apresentar uma análise da evolução geral da inserção dos trabalhadores, por meio de um recorte por raça e gênero, no mercado de trabalho. As informações abaixo são baseadas nos dados contidos na Tabela 2.

 

Tabela 2 – BRASIL: Taxas médias de desocupação, ocupação, formalização, informalização e subocupação, por gênero e raça (2012-2014, 2015-2016, 2017-2019).

Fonte: Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental

 

Observando os números podemos constatar que, em relação aos desocupados, a participação das mulheres diminuiu, passando de uma média de 53,75% no período entre 2012 e 2014, para uma média de 52,45% no período entre 2017 e 2019. Importante ressaltar que, no biênio 2015-2016, a participação média das mulheres nos desocupados foi de 50,93%. A participação dos homens entre os desocupados aumentou significativamente do primeiro (2012-2014) para o segundo período (2015-2016) e depois, no último (2017-2019), diminuiu, não chegando à taxa inicial.

Na análise sobre os ocupados, em um recorte de gênero, pôde-se constatar um aumento da participação do trabalho feminino e uma diminuição da participação do trabalho masculino. A participação média das mulheres no índice dos ocupados aumentou de 42,50%, no período 2012-2014, para 43,59%, no período 2017-2019. Já a participação média masculina, dentro dos ocupados, diminuiu de 57,50%, no período 2012-2014, para 56,41%, nos anos entre 2017 e 2019. Ainda, a participação média do trabalho feminino aumentou no total de trabalhadores formais, passando de 41,83%, no primeiro triênio, 2012-2014, para 43,54%, no período 2017-2019. Enquanto a participação média dos homens no total de trabalhadores formais, por sua vez, diminuiu de 58,05%, no período entre 2012 e 2014, para 56,32%, no período entre 2017-2019.

Na análise com recorte de raça, de maneira geral, houve maior inserção relativa dos trabalhadores negros no mercado de trabalho. A participação média de pessoas negras nos ocupados aumentou, saindo de 51,00%, no período entre 2012 e 2014, e alcançando 53,66%, no período entre 2017 e 2019. A participação dos brancos nos ocupados, por sua vez, diminuiu, saindo de 48,25%, no triênio 2012-2014, para 45,25%, entre 2017 e 2019. Os trabalhadores negros aumentaram sua participação média também no total de trabalhadores formais. Enquanto no período 2012-2014, os negros representavam em média 45,18% dos trabalhadores formais, no período 2017-2019 representavam 48,27%. Os trabalhadores brancos, no sentido oposto, diminuíram sua participação média nos trabalhadores formais, saindo de 54,02%, no período entre 2012-2014, para 50,64%, entre os anos de 2017-2019. No que diz respeito à participação média no trabalho informal, os trabalhadores negros aumentaram sua participação no total de trabalhadores informais, enquanto os trabalhadores brancos diminuíram.

O aumento da participação média dos negros no mercado de trabalho, entre 2012 e 2019, é explicado principalmente pelo aumento da participação da mulher negra, que teve uma inserção relativa maior que a do homem negro. Ao analisar os dados, fazendo um recorte relacionando gênero e raça, constata-se que a participação média das mulheres negras nos ocupados aumentou. De 20,63%, entre 2012 e 2014, foi para 21,41%, no biênio 2015-2016, e alcançou a taxa de 22,59% entre 2017 e 2019. A participação média dos homens negros nos ocupados teve aumento, mas em menor proporção, saindo de 30,36%, entre 2012 e 2014, chegando a 31,07%, entre 2017 e 2019.

No total dos trabalhadores formais, a participação média das mulheres negras aumentou significativamente. Saindo de 17,84%, entre 2012 e 2014, indo para 18,87%, no biênio 2015-2016, e alcançando a taxa de 20,14%, entre 2017 e 2019. A dos homens negros aumentou, mas não na mesma proporção que a das mulheres negras. Saindo de 27,34%, no período entre 2012 e 2014, e alcançando 28,12%, no período entre 2017 e 2019.

As mulheres negras aumentaram sua participação média também no total de trabalhadores informais. No período 2012-2014 elas representavam 24,65% do total dos informais, enquanto no período 2017-2019 alcançaram a taxa média de 26,08%. A participação dos homens negros também aumentou. Passou de uma taxa média de 34,68%, entre 2012 e 2014, para 35,27%, entre 2017 e 2019.

No total de subocupados, é destaque a participação das mulheres negras, que aumentou significativamente no período. Saindo de uma taxa média de 31,18%, entre 2012 e 2014, indo para 32,7%, no biênio 2015-2016 e alcançando a taxa de 34,43%, entre 2017 e 2019.

Por outro lado, de maneira geral, a participação dos trabalhadores brancos nos ocupados diminuiu. A participação das mulheres brancas no total de ocupados passou de uma taxa média de 21,53%, no período entre 2012 e 2014, para 20,52%, entre 2017 e 2019. No caso dos homens brancos houve uma diminuição considerável na participação no total dos ocupados. No período entre 2012 e 2014, a taxa média era de 26,72%, enquanto no período entre 2017 e 2019 a taxa chegou a 24,73%. No que diz respeito ao trabalho formal, a participação das mulheres brancas teve leve diminuição. Já os homens brancos perderam participação no total dos trabalhadores formais, passando de uma taxa média de 30,27%, entre 2012 e 2014, e chegando a 27,73%, entre 2017 e 2019.

Após a análise da Tabela 2, pode-se constatar o aumento da participação média relativa de pessoas negras e das mulheres nos ocupados, sendo que o aumento da participação de mulheres é explicado, principalmente, pelo aumento significativo da participação de mulheres negras, uma vez que houve diminuição da participação das mulheres brancas. E, apesar de os homens terem perdido participação relativa nos ocupados para as mulheres, os homens negros aumentaram sua participação ao longo dos períodos analisados. O resultado é explicado pela perda significativa da participação relativa dos homens brancos nos ocupados. No entanto, seria precipitado afirmar que esses números representam uma evolução qualitativa positiva no mercado de trabalho. O mais importante a se fazer é tentar buscar identificar o significado desses resultados. Essa foi a tarefa da próxima e última seção deste texto.

 

A participação de negros e mulheres no mercado de trabalho brasileiro 

Na seção anterior foi constatado que as mulheres, puxadas pelas mulheres negras, e as pessoas negras, independente do gênero, aumentaram suas participações no índice dos ocupados no mercado de trabalho. Apresentamos adiante dados da evolução da participação dos trabalhadores em relação aos tipos de ocupações, ao setor de atuação e ao rendimento de acordo com a faixa de salário mínimo.

De acordo com a Tabela 3, destaca-se um aumento significativo de trabalhadores por conta própria, refletindo uma crescente informalidade. A participação média deles passou de 23%, entre 2012-2014, e alcançou 25,5%, em 2017-2019. Além disso, a participação média de trabalhadores com carteira assinada caiu. Ela saiu de 39%, em 2012-2014, passou para 38,2%, em 2015-2016 e chegou a 35,9%, em 2017-2019.

 

Tabela 3 – BRASIL: participação média dos ocupados por ocupações, 2012-2014, 2015-2016, 2017-2019.

Fonte: Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental

 

Ao observar a participação média dos ocupados de acordo com os rendimentos, por faixa de salário mínimo, não foram constatadas alterações significativas entre 2012 e 2019, mas vale destacar que houve um aumento de 0,42 p.p. entre o período de 2012-2014 para 2017-2019 de trabalhadores que ganham até 1 salário mínimo.

 

Tabela 4 – BRASIL: participação média dos ocupados por faixa de salário mínimo, 2012-2014, 2015-2016, 2017-2019.

Fonte: Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental

 

Essa oscilação média de quase meio ponto percentual nos que ganham até 1 salário mínimo é explicada, de acordo com dados da PNADC, pelo aumento de 0,49 p.p. de trabalhadores que ganham até ¼ de salário mínimo, que, entre 2012 e 2014 eram, em média, 4,73% do total e passou para 5,22% no período entre 2017-2019.

Na análise da participação dos trabalhadores por setores, um dos principais destaques é a diminuição dos trabalhadores na indústria em geral. A participação média diminuiu 1,32 p.p. entre os períodos 2012-2014 e 2017-2019.

 

Tabela 5 – BRASIL: participação média dos ocupados por setores, 2012-2014, 2015-2016, 2017-2019.

Fonte: Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental

 

No primeiro período, a taxa média de trabalhadores no setor da Indústria geral foi de 14,23% e no segundo caiu para 12,91%. O setor industrial é conhecido por ser formalizado e os salários são maiores, para a maioria dos trabalhadores, comparando com os setores de serviço e comércio, por exemplo.

Os setores da “Administração pública, defesa e seguridade” e o da “Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura” apresentaram também diminuição significativa de trabalhadores entre 2012 e 2019. O primeiro saiu de uma participação média 6,39%, no período entre 2012 e 2014, para 5,53%, no período entre 2017 e 2019. O segundo saiu de uma participação média de 11,03%, no período entre 2012 e 2014, para 9,28%, no período entre 2017 e 2019.

Ao observar a oscilação da participação dos ocupados, pelas variáveis “Faixa de salário mínimo” e “Ocupação”, mas adicionando os recortes por gênero e raça, podemos tirar mais algumas conclusões.

Entre os períodos de 2012-2014 e 2017-2019 houve um aumento de 0,48 p.p. de trabalhadores que ganham até ¼ de salário mínimo. Desse total, destacam-se o aumento de homens negros, 0,12 p.p., e de mulheres negras, 0,24 p.p.

 

Tabela 6 – BRASIL: participação média dos ocupados por faixa de salário mínimo, por gênero e raça, 2012-2014.

Fonte: Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental

 

Tabela 7 – BRASIL: participação média dos ocupados por faixa de salário mínimo, por gênero e raça, 2015-2016.

Fonte: Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental

 

Tabela 8 – BRASIL: participação média dos ocupados por faixa de salário mínimo, por gênero e raça, 2017-2019.

Fonte: Microdados PNADC, 2012-2019 – IBGE/Brasil Elaboração: Escritório Brasil – Instituto Tricontinental

 

Houve um aumento também da participação média dos ocupados que ganham até 1 salário mínimo, de 0,49 p.p. entre os períodos de 2012-2014 e 2017-2019. Nesse quesito, destaca-se o aumento das mulheres negras, com um aumento significativo de 1,03 p.p. O resultado é maior do que a média. Ressalta-se que as participações de homens brancos e mulheres brancas tiveram uma redução entre os que ganham até 1 salário mínimo, 0,63 p.p e 0,34 p.p, respectivamente.

Nas tabelas 6, 7 e 8 foi observada a diminuição significativa de trabalhadores no setor da indústria em geral. Por outro lado, os setores de “Alojamento e alimentação” e “Educação, saúde humana e serviços sociais” apresentaram aumentos médios significativos ao longo dos períodos de análise, 1,32 p.p e 2,08 p.p, respectivamente. Os dados da Pnad mostram que esses aumentos se devem, principalmente, pela maior participação média de trabalhadores negros. No caso do setor de “Alojamento e alimentação” houve aumento médio de 0,51 p.p. de homens negros e 0,47 p.p. de mulheres negras. No setor de “educação, saúde humana e serviços sociais” houve aumento médio de 0,38 p.p de homens negros e 1,06 p.p de mulheres negras. Ambas atividades têm maior presença de mulheres. No caso de “Alojamento e alimentação” está entre as ocupações com menores rendimentos e há mais negros do que brancos.

A partir de 2015, uma das manifestações da crise, da estagnação e da precarização – intensificada a partir de 2017 com a reforma trabalhista – foi o aumento da participação de trabalhadores por conta própria. De acordo com dados da Pnad, houve uma explosão de casos de trabalhadores por conta própria. Entre os períodos de 2012-2014 e 2017-2019 o aumento foi de 2,51 p.p. Apesar de ter havido aumentos das participações de homens brancos (0,19 p.p.) e mulheres brancas (0,51 p.p.) nos trabalhadores por conta própria, esse resultado é explicado, principalmente, pelo aumento das participações dos trabalhadores negros nessa forma de ocupação. Enquanto os homens negros aumentaram de um período para outro sua participação em 0,77 p.p, as mulheres negras aumentaram sua participação em 0,92 p.p.

 

Considerações finais

 A análise da caracterização dos empregos no país demonstra que, apesar dos avanços ocorridos no primeiro período, e mesmo as oscilações e deterioração subsequentes, o mercado de trabalho é altamente heterogêneo e desigual.

As disparidades visivelmente presentes nas informações deste texto são longevas e decorrentes de um desenvolvimento econômico e social desigual, que historicamente transfere para os mais vulneráveis as inserções mais precárias, com sobrerrepresentação no setor informal, menores rendimentos, maiores níveis de desocupação, e, cada vez mais, maior participação dentre os subutilizados. As articulações decorrentes da intersecção gênero, raça e classe estruturam as relações sociais e imprimem na vida das mulheres e das pessoas negras deste país as assimetrias de ordem econômica e social. Também é de forma desigual que se intensificam as desigualdades em momentos de crise ou retração econômica, demarcando ainda mais as estruturas racistas e patriarcais de nossa sociedade.

A justificativa ideológica do racismo – do rebaixamento das populações não-brancas – remonta ao período colonial e de escravização da população negra e indígena, e é a mesma que permite hoje, de maneira estruturada na sociedade, o rebaixamento relativo do valor da força de trabalho dessa população e a imposição a determinadas tarefas na divisão social do trabalho (GOUVÊA; MASTROPAOLO, 2019). Da mesma forma, e conjuntamente, a misoginia patriarcal foi sendo desenvolvida no processo de uma disciplina capitalista do trabalho, caracterizando uma determinada forma de opressão sobre as mulheres.  Esses processos moldam as estruturas que dão vazão à superexploração de sua força de trabalho, constrangendo suas tarefas também a partir da divisão sexual do trabalho.

Negritude e feminilidade, isto é, características naturais (de sexo e raça), se tornam mecanismos que funcionam em desvantagem no processo competitivo e atuam de forma conveniente para a conservação de estruturas de classes (SAFFIOTI, 2014, p.21), transformando esses sujeitos  nos grupos mais vulneráveis social e economicamente. Patriarcado e racismo consolidam hierarquias de poder que hoje se perpetuam e se intensificam em cada nova rodada de acumulação (FEDERICI, 2018). Atualmente, e desde as periferias do capital, “é impossível negar a aparência de que tanto o racismo como o patriarcado fundamentam as estruturas deste modo de produção” (GOUVÊA; MASTROPAOLO, 2019, p. 13).

Uma análise mais aprofundada do mercado de trabalho revelou como as estruturas do capital se utilizaram, nos períodos de crise e retração econômica, entre 2015 e 2019, das desigualdades de sexo e raça a partir da ampliação de sua participação relativa especificamente em trabalhos precarizados e mal remunerados. A terceira seção mostrou o aumento da porcentagem de trabalhadores que ganham até ¼ de salário mínimo, aumento de trabalhadores por conta própria, aumento de trabalhadores sem carteira assinada – funções que foram ocupadas majoritariamente por negros e mulheres (negras) –, e também a diminuição de trabalhadores formais, e a diminuição de trabalhadores no setor da Indústria, com diminuição da participação da população branca e masculina.

Nos últimos anos, o Brasil vem passando por diversos retrocessos que tinham como uma das finalidades a fragilização das relações de trabalho. Os tensionamentos em relação ao processo democrático nas eleições de 2014 podem ser identificados como um marco inicial. Após isso, foi levado a cabo um dos ajustes fiscais mais severos da história econômica, seguido de um golpe político, que deu continuidade à austeridade fiscal com a política de teto de gastos, e mais reformas neoliberais. Uma delas foi a Reforma Trabalhista, que precarizou o trabalho. Paralelo a isso, processos de desindustrialização avançaram, reconfigurando certos papéis da economia brasileira no capitalismo global.

A maior disponibilidade relativa, nesses últimos anos, de empregos precários ou que remunerem menos os trabalhadores foi um chamamento aos trabalhadores negros e às trabalhadoras para se manterem, ocuparem ou se submeterem a tais funções. A maior participação relativa dessa população no mercado de trabalho brasileiro – relativa justamente entendendo a ampliação das taxas de desocupação e de subutilização que acompanham este mesmo período, que mantém um exército de reserva sempre disponível – só se reflete em funções de baixa renda e inserção precária. Com isso, a presente análise traz um exemplo de como as estruturas sociais como o racismo e o patriarcado assumem uma função necessária para os desígnios do capital e o aprofundamento da dependência no Brasil.

 

Referências bibliográficas

GOUVÊA, Marina Machado; MASTROPAOLO, Maria Josefina. Capitalismo, racismo, patriarcado, dependência: por uma teoria unitária materialista, histórico-dialética. Artigo 01 – Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o Marxismo (NIEP) – UFF, 2019. Disponível em: https://www.niepmarx.blog.br/MManteriores/MM2019/Trabalhos%20aprovados/MC27/MC271.pdf. Acesso em: 20/04/2021.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua – PNADC. Rio de Janeiro: IBGE, 2012-2019. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/habitacao/17270-pnad-continua.html?=&t=microdados. Acesso em: nov/2021.

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Anexo I – Componentes da população em idade de trabalhar e indicadores relevantes para o estudo do mercado de trabalho

Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais, 2021.

 

[1] Economista, doutor em ciências sociais e pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

[2] Economista, mestranda em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

[3] Formada em Relações Internacionais, Mestre em Gestão de Políticas Públicas e pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

[4] Utilizamos o conceito [feminista e marxista] de patriarcado como uma relação hierárquica de gênero, que permeia todos os espaços da sociedade, instituindo uma relação de dominação dos homens sobre as mulheres. Essa relação desigual corporifica-se sob bases materiais e ideológicas numa estrutura de poder, imbricadas às demais relações de classe e raça.

[5] A queda da taxa de desemprego no período é explicada também pelo papel de programas educacionais como o FIES e o PROUNI, como afirma Mattos (2016, p. 21 e 22): “alguns segmentos da população em idade de trabalhar – e, neste caso, se destacaram especialmente os mais jovens – optaram por retardar sua entrada no mercado de trabalho, o que teria “colaborado” para a própria redução da taxa de desemprego”.

[6] Vale destacar ainda, a respeito do mercado de trabalho, que o ano de 2013 abriu espaço para intensos debates e mobilizações de entidades sindicais representativas de trabalhadoras domésticas, que culminou na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional número 72, conhecida como PEC das Domésticas, “que estendeu a essas trabalhadoras uma série de direitos já assegurados a outras categorias profissionais” (IPEA; OIT; 2021, p. 165). Dois anos depois uma Lei Complementar flexibilizou algumas das garantias da PEC, com destaque para a institucionalização da função de “diarista”, que não tem acesso aos mesmos direitos que as mensalistas.

[7] A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), criada em 1943, no primeiro governo de Getúlio Vargas, é um conjunto de leis que regulamenta o mercado de trabalho brasileiro, que materializa os direitos trabalhistas na legislação nacional.