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Uma agenda econômica da esquerda | Dilemas da Humanidade

Após quatro dias de intenso e profundo debate, a Conferência Dilemas da Humanidade sintetizou os principais eixos de uma agenda econômica que enfrente de forma estrutural as mazelas provocadas pelo capitalismo.

 

A humanidade enfrenta uma profunda crise do sistema capitalista, manifestada por meio de guerras, pobreza, fome, desigualdades e catástrofes climáticas. A crescente instabilidade geopolítica e a inoperância dos mecanismos de governança global evidenciam que as soluções reformistas do passado já não dão conta dos desafios atuais. Torna-se, portanto, urgente a formulação de uma nova agenda que enfrente de forma estrutural as mazelas provocadas pelo capitalismo.

Nos últimos anos, outro reflexo dessa crise tem sido o avanço da extrema-direita. Europa, Estados Unidos, América do Sul e o Sul Asiático assistem à ascensão de forças reacionárias que, ao chegarem ao poder, minam as possibilidades de transformação rumo ao desenvolvimento sustentável, à justiça social e à construção de uma ordem geopolítica mais equitativa.

Diante desse cenário, o debate sobre industrialização e desenvolvimento tem ganhado novo fôlego. No entanto, é fundamental que esse processo vá além da mera repetição de modelos do passado ou da simples busca por crescimento econômico. O Sul Global precisa romper com o ciclo de subdesenvolvimento, dependência e endividamento imposto pela lógica do capitalismo em sua fase imperialista.

É com esse espírito transformador que apresentamos, a seguir, os principais eixos de uma agenda econômica voltada para a superação das crises e a construção de um novo horizonte de justiça e soberania que foi debatida durante a Conferência Dilemas da Humanidade: Perspectivas para a Transformação Social, realizada entre os dias 7 a 10 de abril de 2025, em São Paulo (Brasil):

  • Políticas econômicas alinhadas com as necessidades humanas e os limites ambientais. Políticas econômicas não podem ser tratadas de forma isolada, sem considerar as necessidades humanas e os limites da natureza como elementos centrais para o desenvolvimento.
  • Superação das desigualdades e promoção de um desenvolvimento não dependente. A centralidade do nosso programa político e econômico é a superação das desigualdades e a promoção de um desenvolvimento não dependente, ao mesmo tempo em que se fortaleça a democracia. Para tanto, precisamos de poder político – que não é apenas institucional – e reformas que visem mudanças sistêmicas.
  • Estratégia de desenvolvimento abrangente. Nossa estratégia de desenvolvimento deve contemplar os diversos setores da sociedade e economia, como a produção agrícola, o setor de serviços, comércio, infraestrutura e equipamentos públicos etc. A industrialização é historicamente vista como um caminho fundamental para o desenvolvimento econômico e social. Porém, a industrialização não pode ser um fim em si mesma, mas sim uma ferramenta a serviço das necessidades humanas, que devem ser o centro de qualquer política pública.
  • Condições de trabalho e produção. Se o nosso modelo de industrialização pretende, de fato, combater a desigualdade, ele não pode se basear em empregos precários e mal remunerados voltados à exportação para o Norte. Nosso objetivo é produzir e redistribuir a riqueza. Além disso, é fundamental buscar uma integração Sul-Sul efetiva baseada na produção de bens e serviços direcionados prioritariamente para o atendimento das necessidades internas de nossos povos.
  • Soberania sobre os bens naturais. A soberania sobre nossos bens da natureza é pilar fundamental de um desenvolvimento verdadeiramente autossuficiente no Sul. Nossas fontes de energia e minérios devem estar a serviço das necessidades do nosso povo e do nosso projeto de industrialização — e, para isso, devem ser públicas, garantindo controle social e estatal sobre seu uso.
  • Soberania Digital. Construir políticas e estratégias para garantir a soberania digital, fortalecer a infraestrutura tecnológica nacional e assegurar o controle de dados como recurso estratégico para o desenvolvimento do Sul Global. Projetos de transferência de tecnologia e solidariedade entre os povos são fundamentais.
  • Novos Parceiros e Sistemas Comerciais. O desenvolvimento pleno dos países do Sul Global requer novos parceiros e sistemas comerciais para além daqueles controlados e explorados pelo Norte Global.
  • Nova Arquitetura Financeira. Diante da decadência da arquitetura financeira atual, a construção de um novo modelo exige o fortalecimento de bases regionais e a criação e consolidação de alternativas ao modelo SWIFT.
  • Coerência na Política Fiscal e Monetária. Para que qualquer projeto de desenvolvimento e política industrial tenha sucesso, é imprescindível que ele esteja alinhado com uma política fiscal e monetária coerente, que suporte e impulsione esses objetivos.
  • Reconstrução dos Estados. Os Estados devem ter capacidade concreta de enfrentar os desafios estruturais e promover a melhoria das condições de vida dos povos. Os recursos hoje capturados pela especulação financeira precisam ser recuperados e canalizados para a produção, gerando emprego, renda e desenvolvimento com soberania. Os Estados precisam se transformar em Estados Soberanos que de fato representem os interesses de seus povos.

Também propomos um conjunto de medidas de curto prazo que consideramos fundamentais para o debate e para a construção de um novo caminho que vise o desenvolvimento:

  • Controle democrático do Banco Central, visando alinhar sua atuação aos interesses do desenvolvimento nacional e da justiça social.
  • Política fiscal voltada para o desenvolvimento, com foco na redistribuição de renda e no fortalecimento do papel do Estado como indutor do bem-estar coletivo.
  • Reforma tributária com justiça social, que faça os mais ricos contribuírem mais e alivie o peso sobre os mais pobres.
  • Defesa da natureza e da soberania alimentar por meio do reflorestamento, da proteção das águas e da preservação da biodiversidade.
  • Fortalecimento da integração regional, com o apoio a organismos como o BRICS e a CELAC, em busca de uma geopolítica mais soberana e multipolar.
  • Transição para uma nova matriz energética voltada para o bem-estar social e com menor impacto ambiental.
  • Programa agrário popular com o objetivo de enfrentar a concentração fundiária, reduzir a dependência das commodities e promover a produção de alimentos saudáveis e práticas de produção ecológicas.

Este programa mínimo, delineado a partir dos debates feitos na Conferência Internacional Dilemas da Humanidade: Perspectivas para a Transformação Social, representa apenas uma etapa de um processo. A verdadeira transformação social não será alcançada por soluções isoladas, mas sim por uma mobilização popular contínua e uma ação coordenada entre todos aqueles comprometidos com a transformação. É imperativo que este programa seja constantemente enriquecido e adaptado por meio da participação ativa. Devemos avançar juntos rumo à construção de um novo modelo econômico e social que priorize a natureza e a soberania dos nossos povos.