Ilustração realizada para a Exposição de Cartazes Anti-Imperialistas. “Para llevar?”, por Walter Díaz Moreno (Cuba).

 

Este texto faz parte do Concurso de Ensaios Tricontinental | Nada será como antes.

 

Por Luis Jacon

Hoje, acordei e fiz o de sempre, desliguei o despertador, lavei o rosto, escovei os dentes, vesti os óculos, passei o café e fui buscar o jornal. Fui na porta pegar o impresso. Sentei na poltrona para lê-lo, manchete do dia: “Bom dia! Nada houve de importante no dia de ontem, aproveite sua manhã para tomar um sol”. Mas que caralho. Fui abrir minhas redes sociais e um aviso na página: Não há nada de importante. Abri o perfil do Trump para minhas risadas matinais e, para minha surpresa, havia só um tweet: Good morning! Nothing important to state today, so I’m going golfing. Que porra está acontecendo? Ontem, esse mundo parecia um cu do avesso sendo maculado por um abacaxi sisudo, hoje, nem uma puta de uma notícia. Peguei meu livro, me sentei com a xícara de café, até que desacredito dos meus olhos: “Hamlet – tudo bem tio, relaxa, eu te perdoo por matar meu pai, seu irmão, e estar fodendo com a minha mãe 3 dias depois o funeral – fecham-se as cortinas”.

Nesse momento, eu fechei o livro e fui olhar a cartela de LSD que eu tinha comprado na semana anterior. Intacta. Fui ver se eu nao tinha fumado a maconha colombiana nova. O pacotinho? Intacto.Caralho.

Olhei pro céu e um pássaro começou a piar canção do exílio. Meus queridos, toda vez que você ouvir um pássaro cantar “na minha terra tem palmeiras onde cantam sabiás”, e você está completamente sóbrio, algo não está certo.

Achei por bem ir ao hospital, mesmo temendo o fato de estarmos em meio a uma pandemia, mas vai que eu bati a cabeça em algum lugar e não me lembro. Chegando, parei o carro ali na frente e entrei no hospital. Não tinha uma alma naquele lugar. Uma enfermeira simpática me deu bom dia e perguntou se eu precisava de alguma coisa. Falei o que me havia ocorrido e a minha preocupação e ela simplesmente falou: não te avisaram? Hoje, deram um relax pro mundo. Mas que caralho? Cade todas as pessoas que, até ontem, estavam internadas? Tiraram uma folga… Ali eu já estava achando que ia olhar pela janela e ver Cristo descendo nas nuvens e eu arrependido por ter feito piada com o pai dele durante 30 anos. Não foi o que aconteceu, apesar de eu ter quase certeza de ter visto uma capivara nadando na água. Isso aqui já virou quase um evangelho. Deixemos o assunto pra lá.

Voltei pra casa, sentei no sofá. O dia estava delicioso, quente mas com uma brisa suave, aquele clima de primavera, apesar de estarmos entrando no inverno. Visei o relógio e já era hora do almoço. Abri o aplicativo de comida e pedi o prato do dia de um restaurante próximo, nenhuma especificação do que vinha no prato mas geralmente ele era igual todo dia, nada de muito diferente apesar de tentarem disfarçar trocando a abobrinha em cubo por tiras a cada 3 dias. Chegou o motoboy com um sorriso na cara extremamente amável e me entregou a comida. Foi embora. Na embalagem, me deparo com um bilhete em cima “boa tarde e bom apetite” amassei joguei de canto, fui ver o que veio para comer, bom, pasmem, um prato de minhoquinhas de goma. De novo, mas em inglês, mas que dick?

Depois disso, esse dia me deu no saco. Voltei ao sofá, liguei a TV. Tava passando Click na Globo. Assisti. Depois a novela, capítulo final, todo mundo casando, aquela maravilha. Finalmente, o Jornal Nacional, alguma tragédia deve ter acontecido e eu, animado, preparei uma pipoca. Sobe aquele som que você sabe que vai rolar, no mínimo, uma fofoca de governo (panana panana na na pana nanana).
Bonner: Hoje, no Jornal Nacional não discutiremos nada (passa para Renata)
Renata: Nada aconteceu no mundo (Bonner denovo)
Bonner: Uma muito boa noite, e até amanhã! (Panana pana na na na na panana panana.) C A R A L H O.

Eu, a beira de um colapso, liguei no Datena, ele tava gritando “HOJE NÃO HOUVE UM CRIME, BOA NOITE!” CA RA LHO Liguei no Polícia 24 horas “Hoje a programação vai ser uma senhora que” (já estava tendo uma ereção esperando ver um corpo de uma idosa esfaqueado em uma caixa econômica) ”está fazendo crochê para gatos de rua” CARALHO.

Desliguei a televisão, apaguei as luzes, fui dormir. Acordei no dia seguinte, mesma rotina, desliga despertador, lava rosto, põe óculos, passa café. Até que peguei o jornal, a manchete: “2000 mortos pela Covid-19. Jair Bolsonaro diz que STF tem que ser fechado. Trump libera exército contra manifestantes. Barroso abre cassação da chapa de Bolsonaro-Mourão.” Graças a deus.