Choremos por nosso querido país: Ngũgĩ wa Thiong’o
Honramos a vida e o legado de Ngũgĩ wa Thiong’o (1938–2025): revolucionário, escritor e profeta da alma africana. Recordamos sua obra, seu exílio, sua luta e o futuro que ele imaginou.

[Escute Wiyathi na Ithaka [Liberdade e terra], um hino da rebelião Mau Mau contra o domínio colonial britânico, por Joseph Kamaru.]
“Quem são aqueles que cantam? Por que choram? Estão cantando para o seu herói que vem da floresta”. Cantadas em gĩkũyũ, estas foram as palavras que deram as boas-vindas a Ngũgĩ wa Thiong’o (1938-2025) ao desembarcar em sua terra natal, o Quênia, em 8 de agosto de 2004, concluindo 22 anos de exílio. Milhares de pessoas acolheram um dos escritores anticoloniais e marxistas mais conhecidos da África no aeroporto de Nairóbi. Entoaram canções de libertação da Rebelião Mau Mau (1952-1960) contra o colonialismo britânico, um pano de fundo histórico crucial para muitos de seus romances, incluindo Weep Not, Child [Não chores, criança] (1964) e A Grain of Wheat [Um grão de trigo] (1967).
Entre os presentes estava Gacheke Gachihi, que havia feito uma longa viagem de ônibus como parte da delegação de jovens que organizou a recepção de Ngũgĩ. A ditadura de 24 anos de Daniel arap Moi havia terminado dois anos antes, marcando o fim de uma era e a possibilidade do retorno de Ngũgĩ.

Atualmente coordenador do Centro de Justiça Social de Mathare, em Nairóbi, Gachihi relembra a cena 21 anos antes, quando Ngũgĩ chegou. Enquanto autoridades governamentais tentavam escoltá-lo discretamente para longe, ele insistiu em sair do carro para tocar o solo queniano. Foi nesse momento que Gachihi se aproximou dele, com seu exemplar de Moving the Centre: The Struggle for Cultural Freedoms [Movendo o Centro: A Luta pelas Liberdades Culturais] (1993) — a coletânea de ensaios de Ngũgĩ sobre a persistência do imperialismo cultural.
“Que livro é esse?”, perguntou Ngũgĩ, antes de autografar o livro que transformou seu pensamento e o impulsionou para a militância política. Esse momento marcou o primeiro de vários encontros entre Gachihi, Ngũgĩ e sua família nas duas décadas seguintes.
“Me lembro de uma palavra de The River Between [O rio no meio] (1965) que me marcou por vinte anos — “burguesia”, recorda Gachihi enquanto discutíamos o legado de Ngũgĩ no dia seguinte ao seu falecimento, em 28 de maio de 2025, aos 87 anos. “Isso me perturbou até que comecei a estudar classe e análise de classe”. Gachihi está entre as gerações de militantes e revolucionários que foram politizados pelos escritos de Ngũgĩ, abrangendo seis décadas, bem como por sua própria obra política.
“Infelizmente, grande parte de seu legado revolucionário foi despolitizado”, lamenta. “A corrente dominante — o sistema educacional, a mídia e até mesmo as instituições culturais — concentra-se em seu trabalho sobre linguagem e cultura, ignorando a crítica ao neocolonialismo e à classe, e apaga os aspectos mais radicais de sua obra”.

Esquerda: Edição da Pambana (julho de 1983); Direita: Rascunho do Programa Mínimo do MWAKENYA (1987). Crédito: Biblioteca Ukombozi.
Ele se referia ao envolvimento de Ngũgĩ no Movimento Doze de Dezembro (DTM, na sigla em inglês), uma organização marxista-leninista clandestina ativa nas décadas de 1970 e 1980. Nomeado em homenagem à data da independência do Quênia do domínio britânico, em 1963, o movimento, também conhecido como MWAKENYA, ou Muungano wa Wazalendo wa Kukomboa Kenya [União dos Patriotas pela Libertação do Quênia], formou as bases da esquerda radical no país. Em uma entrevista com William Acworth em 1990, Ngũgĩ falou sobre seu papel como porta-voz em meio à crescente opressão sob o governo de Moi, incluindo o Massacre de Wagaalla, em 1984, que ceifou a vida de mais de mil somalis quenianos. Ele citou alguns dos objetivos do Projeto de Programa Mínimo (1987): a recuperação da soberania nacional, a formação de uma cultura democrática e patriótica, a busca por uma política externa independente e o estabelecimento de um sistema político democrático. Para ele, a luta pela democracia “não era um fenômeno abstrato”, mas “torna-se significativa quando vinculada à luta contra a estrutura neocolonial”.
Na época da fundação da MWAKENYA, Ngũgĩ tornou-se ativo no Teatro Kamiriithu, um teatro popular ao ar livre, como instrutor e colaborador, experimentando performances em línguas africanas locais com camponeses e operários locais, construindo um espaço para educação e expressão cultural. Foi lá que ele e seu colega dramaturgo Ngũgĩ wa Mirii encenaram a peça em língua gikuyu Ngaahika Ndeenda [Casarei quando quiser] por seis semanas. Por seu trabalho cultural e político, em 31 de dezembro de 1977, ambos os escritores foram presos e encarcerados sem julgamento no ano seguinte. A peça, uma crítica marxista contundente à sociedade pós-colonial, à contínua expropriação camponesa e aos efeitos do cristianismo, foi proibida pelo governo com base nos “Regulamentos de Segurança Pública”.

Esquerda: Capa de Ngaahika Ndeenda [Casarei quando quiser]; Direita: Teatro Kamiriithu, c. década de 1970.
A prisão de segurança máxima em que eles ficaram, no entanto, afiou a política de Ngũgĩ. Ele desenvolveu as ideias por trás de Decolonising the Mind: The Politics of Language in African Literature [Descolonizando a mente: a política da linguagem na literatura africana] (1986). Nessa obra seminal, ele introduziu o conceito de “bomba cultural” para descrever a violência do imperialismo que “aniquila a crença de um povo em seus nomes, em suas línguas, em seu ambiente, em sua herança de luta, em sua unidade, em suas capacidades e, em última análise, em si mesmo”. Preservar e propagar as línguas africanas — “o banco de memória coletiva da experiência histórica de um povo” — foi um ato profundamente decolonial e político.
Na avaliação de Ngũgĩ sobre a brutalidade do colonialismo, “A bala era o meio de subjugação física. A linguagem era o meio de subjugação espiritual”. Assim, na prisão, ele decidiu abandonar o inglês como sua principal língua de escrita criativa para abraçar sua língua materna, escrevendo seu primeiro romance em gĩkũyũ em pedaços de papel higiênico. Como ele elabora em Decolonising the Mind [Descolonizando a mente], escrever em “uma língua queniana, uma língua africana, é parte integrante da luta anti-imperialista dos povos quenianos e africanos”. Esse ato foi também uma tentativa de reduzir a divisão de classes e tornar a literatura acessível ao próprio povo, aos camponeses e à classe trabalhadora, cujas lutas ele buscava representar.

Ngũgĩ em um protesto do Comitê para a Libertação de Prisioneiros Políticos no Quênia, em Londres, 1988. Crédito: Biblioteca Ukombozi.
Após sair da prisão, Ngũgĩ foi forçado ao exílio em 1982, indo parar em Londres, onde recebeu o apoio de camaradas revolucionários como o marxista tanzaniano Abdulrahman Mohamed Babu. Lá, Ngũgĩ inspirou-se nos esforços antiapartheid da África do Sul e formou o Comitê para a Libertação de Prisioneiros Políticos no Quênia (CRPPK). Ao publicar o boletim Kenya News, o CRPPK foi um dos grupos mais expressivos a testemunhar e denunciar os abusos do governo Moi.
Durante o exílio, Ngũgĩ continuou escrevendo. Em um dos exemplos mais surreais e poderosos de resistência literária, seu romance de 1986, Matigari ma Njiruungi [As balas dos patriotas], sobre um lutador da liberdade, Matigari, fez bastante sucesso no Quênia; era lido em bares, ônibus e casas. A ponto de que começaram a se espalhar rumores de que essa figura profética vagava pela Província Central. Em um clima de medo e repressão, o governo Moi chegou a emitir uma ordem para prender Matigari. Ao perceberem o constrangimento, policiais invadiram livrarias e apreenderam todos os exemplares do romance que encontraram.
“Ngũgĩ foi preso não por um ato, mas por um livro”, diz Gachihi, cujo centro de justiça social administra um clube do livro em homenagem a Matigari. “A ditadura pensou que havia detido uma pessoa. Temiam o poder de suas palavras. Aquele livro tornou-se um texto político fundamental para a educação das massas. Seus escritos continuaram construindo consciência durante o exílio”.
Hoje, ao ler os obituários ou homenagens ao legado de Ngũgĩ, pouco se fala sobre sua militância política, desde MWAKENYA até a CRPPK. “Após décadas de ditadura e governo neoliberal, ainda não temos instituições para preservar e transmitir essas histórias”, lamenta Gachihi. “Ao contrário da África do Sul ou da Tanzânia, onde ele é celebrado como um intelectual revolucionário, no Quênia ele é visto mais como um ícone literário. Ele é como o santo que não faz milagre na própria casa”.
Ngũgĩ também alertou contra os perigos do apagamento da memória histórica. Em 2023, 60 anos após a independência do Quênia, ele publicou um artigo no qual refletia sobre seu trabalho político e criativo que o levou ao exílio e os muitos “sacrifícios que intelectuais, artistas e ativistas tiveram que suportar para democratizar nosso país”. Ele apelou aos “nossos jovens patriotas” para que estudassem história — citando a Biblioteca Ukombozi, que generosamente forneceu materiais para este boletim de arte — particularmente os arquivos da MWAKENYA e da CRPPK. No mesmo artigo, relembrou o horrendo ataque contra ele e sua esposa em sua casa logo após retornar do exílio, dizendo: “Por favor, não chorem por mim. Vamos chorar por nosso amado país”. Esse boletim surge no momento em que milhares de quenianos saíram às ruas em todo o país nesta semana – 16 manifestantes foram mortos pela polícia – no aniversário dos protestos contra a Lei de Finanças. A luta por um Quênia mais justo continua. Ao lamentarmos a morte de Ngũgĩ e lembrarmos de sua vida e obra como escritor e militante político, devemos prestar atenção a essas mesmas palavras.
Em outras notícias…

Mostras em Cuba e Índia.
Para o centenário do nascimento de Malcolm X, Frantz Fanon e Patrice Lumumba, nossos amigos da Utopix organizaram uma exposição internacional conjunta de cartazes, que inclui trabalhos do nosso departamento de arte. A primeira foi realizada na Casa de Las Américas, em Havana, Cuba, este mês, paralelamente ao III Colóquio Internacional do Programa de Estudos Afroamérica.
No mês passado, também colaboramos com Jovens Artistas Socialistas da Índia para sediar a exposição May We Rise [Que nos levantemos], em homenagem a vários eventos revolucionários e figuras históricas do mês de maio, do Primeiro de Maio a Malcolm X, de Ho Chi Minh a Rabindranath Tagore.

Como parte da nossa galeria mensal de retratos, uma colaboração entre o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e a Utopix, prestamos homenagem a Malagantana Valente Ngwenya (1936-2011), um dos pintores e poetas mais célebres de Moçambique. Nascido este mês, Malagantana, tal como Ngũgĩ, foi uma figura cuja gênese artística decolonial se desenvolveu paralelamente ao seu envolvimento político com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o movimento de libertação que derrubou o colonialismo português. Este boletim de arte é dedicado a Ngũgĩ, a Malagantana e às gerações de artistas militantes cuja vida e obra foram dedicadas à luta inacabada pela libertação do continente e dos povos africanos, sendo a cultura um dos principais palcos de luta. Como disse Ngũgĩ, “A luta pela alma de África é a luta pelas suas línguas e culturas. É a luta pela sua memória. É a luta pelo seu futuro”.
Cordialmente,
Tings Chak
Diretora de Arte do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social