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Boletim de ArteNº 12

A velha canção importa quando a vida cria novas para cantar?

Boletim de Arte Tricontinental n. 12 (fevereiro de 2025)

Leia sobre a filosofia do conjunto musical Grenada e sua jornada pela música política, pelo internacionalismo e pela memória.

Ao ler esta edição, ouça o grupo Grenada cantar a música que inspirou seu nome.

A trote, a galope,
nosso esquadrão avançou,
e “A canção da maçã”
foi cantada na luta.

A vasta e infinita estepe,
em sua extensão verde e fresca,
ainda lembra
hoje essa canção.

Mas meu companheiro
cantou outra melodia
uma canção de longe,
de uma terra distante

Ele cantou enquanto olhava
em direção a sua terra natal:
“Grenada, Grenada,
uma terra sem igual”.

Cantou com devoção,
aquela canção do coração.
Por que a Espanha
habitava sua alma?

Por que, e desde quando,
quem saberá,
canções espanholas
são ouvidas aqui?

Sem pressa,
o sonhador respondeu:
“Grenada, vim primeiro
a conhecer em livros
Seu nome dá sentido
a minha nobre busca.
Granada, Espanha,
um lugar de honra”.

“Deixei minha cabana,
Fui à guerra.
As terras de Grenada
devem ser dos pobres.

Adeus, minha família,
minha casa de infância.
Grenada, Grenada,
uma terra sem igual”

– Trecho de “Grenada”, de Mikhail Svetlov

Escrito pelo poeta soviético Mikhail Sveltov, “Grenada” é um poema sobre um jovem humilde que, logo após a Revolução de Outubro, sonha com um lugar em uma terra distante e bela chamada Espanha. Um homem analfabeto, “Grenada” é o nome escrito incorretamente que ele lembra, um lugar para onde queria ir para lutar ao lado dos oprimidos em sua luta por terra. Resumindo, esse poema é sobre o espírito do internacionalismo, o sentimento de solidariedade com um lugar que você mal consegue pronunciar e um povo que você não conhece pessoalmente. Quando a Guerra Civil Espanhola eclodiu na década de 1930, esse poema assumiu um novo significado, inspirando muitos leitores soviéticos a apoiar a luta antifascista. No mesmo espírito, um grupo de jovens músicos soviéticos decidiu escolher o nome Grenada para sua banda.

“Hoje, infelizmente, quase ninguém se lembra do significado do poema”, conta uma das fundadoras e diretora artística do grupo Grenada, Tatiana Vladimirskaya, em nossa entrevista. Brincamos dizendo que também é por causa do internacionalismo que nos encontramos — uma russa e uma chinesa — nos comunicando em espanhol, a coisa mais próxima de uma língua comum que temos.

À esquerda: Performance televisiva de Grenada na União Soviética, 1979. Tatiana é a terceira a partir da esquerda. À direita: Grenada no Caminito, Argentina, 1989.

Quando Grenada foi formada em 1973, o mundo era um lugar muito diferente. O governo chileno do presidente socialista Salvador Allende sofria um golpe apoiado pelos Estados Unidos. “Em praticamente todas as fábricas, todas as escolas, todos os institutos, todas as universidades, todos na União Soviética estavam muito preocupados com o Chile e queriam mostrar sua solidariedade, seu internacionalismo”, lembrou Tatiana. “Então trouxemos esta canção – ‘El pueblo unido jamás será vencido’ [O povo unido jamais será vencido] – e traduzimos para o russo para que todos pudessem participar através da canção”.

Desde aquela primeira música, e nos 51 anos que se seguiram, Grenada aprendeu e tocou centenas de músicas em 30 idiomas, acompanhadas por instrumentos que encontraram ao longo do caminho, totalizando mais de 860 em sua coleção. O conjunto se apresentou no mundo todo, desde o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes em Cuba até o Festival da Canção Política na República Democrática Alemã (RDA), recebendo muitos prêmios e reconhecimentos ao longo do caminho.

Conjunto musical Grenada em Moscou, Rússia, 2022.

Tatiana explicou como o grupo desenvolveu seu conceito de “canção política”, que está no cerne da filosofia do Grenada. Usando o exemplo do cantor chileno Victor Jara, assassinado durante o golpe contra o governo de Allende, ela disse: “se uma pessoa se forma como uma pessoa política, então tudo o que ela canta, dança ou expressa de outras formas, será uma canção política”. Em outras palavras, a formação política e técnica de um músico – criador e intérprete de canções políticas – são indissociáveis.

Assim como o jovem soldado no poema de Svetlov encontrou seu corpo e mente na Espanha, os artistas do Grenada promoveram uma conexão para toda a vida com os países e povos da América Latina e do Caribe. Para Tatiana, essa jornada com as canções políticas latino-americanas começou na infância, durante a visita de Che Guevara logo após a Revolução Cubana de 1959. Ela estava entre as crianças na primeira fila para receber Che no Palácio dos Jovens Pioneiros enquanto o hino do Movimento 26 de Julho tocava. “Claro, eu não sabia nada sobre aquilo ainda, mas o sentimento era tão forte que nunca o esqueci”, relembra.

À esquerda: Che Guevara em Moscou, URSS, 1960. À direita: Victor Jara em Moscou, URSS, 1972.

Nos anos seguintes, Tatiana começou a estudar espanhol com companheiros cubanos matriculados nas academias militares de Moscou, alguns dos quais formaram grupos para ensinar danças cubanas à população local. Aos poucos, ela aprendeu o idioma, familiarizando-se com a história dos povos e lutas do continente distante, o que a levou ao Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Russa de Ciências, onde trabalha até hoje.

Continuar nessa longa e sinuosa estrada não foi fácil. No entanto, mesmo após o colapso da União Soviética e durante o período mais difícil da década de 1990, o grupo encontrou uma maneira de continuar seu trabalho. Muitos se tornaram professores, que naquele período de terapia de choque ganhavam um salário mensal de 10 dólares. “Nós sobrevivemos, mas não vendemos tudo. Continuamos sendo nós mesmos”.

A canção política ainda é uma forma eficaz de ensinar os jovens na Rússia hoje. “Achamos que a educação é ainda mais importante do que antes e tentamos avançar no conhecimento, misturando cultura e política”, conta Tatiana. Sua última performance, “O cavaleiro da esperança”, referindo-se à biografia de Jorge Amado sobre o líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes, exemplifica esse ethos, mesclando filme, música coral e instrumentação ao vivo.

À esquerda: cartaz da apresentação do Grenada de “O cavaleiro da esperança”, 2024. À direita: A família Prestes em Moscou, URSS, 1971.

Tatiana, juntamente com Serguei Vladimirsky, seu falecido marido e diretor musical do Grenada, eram amigos da família Prestes quando eles foram viver em Moscou na década de 1970, durante seu exílio da ditadura militar no Brasil. Tatiana me conta que, por meio dessas performances hoje, o Grenada abre um diálogo com pessoas que talvez tenham ouvido falar de Prestes, mas não sabiam que ele era o secretário-geral do Partido Comunista do Brasil, ou que o escritor Jorge Amado e o arquiteto Oscar Niemeyer também eram comunistas. “E isso é algo estranho na Rússia, mas importante, porque parece que todos os intelectuais latino-americanos são comunistas”, acrescentou Tatiana em tom de brincadeira. Além das apresentações e ensaios semanais, o grupo se reúne todos os sábados à noite para discutir a situação na América Latina tomando chá e biscoitos.

Das inúmeras apresentações ao longo dos anos, Tatiana me contou sobre uma de suas experiências mais memoráveis. Era 1989, um festival realizado na República Democrática Alemã (RDA) para celebrar o centenário de “L’Internationale’, cuja letra foi escrita por Eugène Potteir nas trincheiras da Comuna de Paris de 1871. O hino foi musicado em 1889 pelo compositor socialista franco-belga Pierre De Geyter. “L’Internationale era o hino do Partido Comunista da União Soviética e era frequentemente tocado ou visto na televisão”, lembrou Tatiana. Era também cantada durante suas visitas à família Prestes, que ficava de pé enquanto cantava, o que a deixava intrigada. Carlos Prestes lhe explicou: “Tanta gente no mundo morreu por essa música que eu não consigo ficar sentado quando ela toca”. O Grenada levou isso a sério e continuou a cantar “L’Internationale”, sempre de pé.

Sergei Vladimirsky e Tatiana Vladimirskaya em Berlim, República Democrática Alemã, 1987.

Retornando àquele festival em Berlim, Tatiana descreveu a experiência como “algo extremamente importante para nós porque foi uma demonstração de como uma música pode, na realidade, reunir o mundo inteiro”. Mais de um século e meio se passou desde que a Coluna Vendôme, o monumento ao imperialismo napoleônico, foi derrubada e os comunardos renomearam a praça como “Place Internationale”. No 55º aniversário da Comuna de Paris, 10 mil trabalhadores e camponeses chineses se reuniram no sul da China para cantar “L’Internationale”, apesar da chuva. Em vez de chamar a Comuna de Paris de uma revolta fracassada, Mao Zedong elogiou o jovem Estado dos trabalhadores como uma “flor brilhante”, que produziu o “fruto feliz” da Revolução de Outubro na Rússia.

Olhando para essa história, é das flores brilhantes da Comuna de Paris e da Revolução de Outubro que mais frutos surgiram e outros tantos nascerão. Afinal, como escreveu o dramaturgo alemão Bertolt Brecht na canção “Revolução dos Comunardos”, “nosso futuro deve ser construído por nossos ditames”, com a arte e a música do povo como monumentos de luta para inaugurar esse futuro. Você pode ler meu ensaio sobre o trabalho cultural durante a Comuna de Paris, juntamente com uma introdução de Vijay Prashad em Comuna de Paris 150. Também temos um retrato de Brecht, nascido neste mês de 1898, ao lado de outros em nossos retratos de fevereiro em destaque. Para celebrar a vida e a obra do membro fundador do Grenada, Sergei Vladimirsky (1951–2006), Vanshika Babbar, do nosso departamento de arte, criou um desenho em sua memória. Junto com Grenada, continuamos mantendo a canção viva:

Retratos de Brecht e Vladimirsky.

A vida inventa
novas músicas para cantar.
Amigos, importa
a velha canção?
Não importa,
não há necessidade de lamentar…
‘Grenada, Grenada,
uma terra sem igual.

Cordialmente,

Tings Chak
Diretora de Arte do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social